Acórdão nº 509/13.6TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Ana Cristina Duarte Adjuntos: Francisco Cunha Xavier Francisca Mendes *** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães RELATÓRIO O Ministério Público, em representação do Estado Português – Ministério da Agricultura, Direção Regional das Florestas do Norte - e da Comunidade de Compartes de R deduziu ação declarativa contra Município de C e S pedindo que se declare nula a escritura de cedência do terreno identificado nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial pela ré Câmara à Ré Santa Casa, que se declare que tal parcela de terreno faz parte integrante do perímetro florestal da Serra da Cabreira e se determine o cancelamento dos registos efetuados referentes à aludida parcela de terreno, designadamente, a aquisição pela S, em virtude da cedência efetuada pela Câmara Municipal e que as rés sejam condenadas a reconhecer que tal parcela de terreno faz parte integrante do Perímetro Florestal da Serra da Cabreira, sendo administrado pelo Estado Português – Direção Regional das Florestas do Norte e Assembleia de Compartes de R, sendo, ainda a ré S condenada a pagar ao Estado Português – Direção Regional das Florestas do Norte e Assembleia de Compartes de R, a quantia de € 2391,67 (relativa ao abate e venda de árvores), acrescida de juros de mora, desde a citação, até integral pagamento.

Contestou a ré S para pugnar pela legalidade da doação efetuada e pela improcedência da ação.

Foi suscitado incidente de intervenção espontânea por J e mulher M, na qualidade de herdeiros e em representação das heranças abertas por óbito de G e marido A, incidente a que não se opuseram o autor e a ré contestante e que foi admitido, tendo os intervenientes apresentado contestação em que pugnam pela improcedência da ação.

Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa e o objeto do litígio, com enunciação dos temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as rés dos pedidos.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso o autor, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1- Atendendo à prova documental que consta dos autos e às declarações prestadas pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento, designadamente Ta, Tb, Tc, Td e Te e até no confronto com o depoimento das testemunhas Tf e Tg, não devia ter sido dado como provado o que consta do numero 26 e deviam ter sido dados como provados todos os factos que constam sob as alíneas a), b), c) e d) da parte da sentença referente aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados.

2 – Para a interpretação do negócio jurídico o intérprete não se pode confinar à forma de tal documento, devendo atender à lei então vigente e às circunstâncias e finalidade de tal negócio.

3 – Tendo sido celebrada uma escritura em que a Câmara Municipal de C “doa” (cede gratuitamente) uma área de terreno à S, com a finalidade de se decidir acerca da validade ou nulidade de tal escritura não pode desprezar-se o regime legal então vigente.

4 – O regime florestal que consta do Decreto de 24 de dezembro de 1901, publicado no Diário do Governo nº 296, de 31/12, do Decreto de 30 de Dezembro de 1903 publicado no Diário do Governo nº 294, de 30/ 12 e do Decreto de 11 de Julho de 1905 designadamente o artigo 32º, este publicado no Diário do Governo nº 161 de 21/7 que vigorou, sem qualquer alteração até à publicação do Decreto-Lei nº 254/2009, de 24/9, que aprova o Código Florestal.

5 – Por Decreto publicado no Diário do Governo nº 199, IIª serie de 28-8-1929 e por Decreto publicado no Diário do Governo nº 143, IIª de 22-07-1950 foram integrados no regime florestal parcial áreas de terrenos situados na Serra da Cabreira, no concelho de Cabeceiras de Basto, designadamente os referentes ao baldio da “Vinha de Mouros” – Refojos.

6 – A administração de tais áreas passou para administração do Estado, através dos respectivos Serviços Florestais, actualmente designados por ICNFN (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas do Norte).

7 – Tendo tais Serviços procedido à demarcação da área, elaborando mapas cartográficos, semeado e plantado arvores, cuidado da limpeza e preservação das matas e procedido à monde e abate de arvores, o que aconteceu, ao longo dos anos, sem interferência de ninguém, isto até ao dia 12 de Setembro de 2011, altura em que, a mando da S, T procedeu ao corte de arvores na área baldia.

8 – Atendendo ao regime parcial florestal, o montante proveniente da venda das árvores é repartido na proporção de 40% para o Estado e 60% para os respectivos compartes.

9 – O regime parcial florestal, atendendo à utilidade publica era, como foi o da área do concelho de Cabeceiras de Basto, criado por Decreto (do Governo).

10 - Os artigos 13º e 32º do Decreto de 11 de Julho de 1905 obrigam a que, além da criação do regime florestal por Decreto e exclusão de tal regime também só poder ser efectuado por Decreto que revogasse o primeiro, só podendo, assim, ser excluída qualquer área do regime florestal não apenas por decisão do Governo e por acto legislativo (Decreto).

11 - O Código Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 31 095, de31/12/1940, atendendo ao disposto nos artigos 358º só permitia a alienação de bens imóveis pertencentes aos corpos administrativos em hasta publica devidamente publicitada, isto salvo algumas excepções previstas no § 3º.

12 - Das excepções previstas no aludido § constam, entre outra excepções a de “adjudicação de moradias para classes pobres” nada se referindo quanto a terreno tendo em vista a construção de tais moradias.

13 – A escritura outorgada no dia 23 de Julho de 1962 em que a Câmara Municipal de C cede à S uma área de terreno 30 000 m2 foi efectuada no período de vigência quer do regime florestal, quer do então Código Administrativo então vigente.

14 – Sendo dado como provado que a área de terreno cedida pela Câmara Municipal de C estava integrada na área de terreno baldio só por Decreto poderia tal área ser deste desanexada.

15 – Não correspondendo à verdade o declarado na escritura pelo então presidente da Câmara Municipal de C de que “a Câmara Municipal é dona e legitima possuidora” de tal área de terreno, pois tal área, na altura, integrava a área baldia, já arborizada e que era administrada pelo Estado.

16 – Tendo apenas a aludida área de terreno sido cedida por escritura publica, é manifesto que não foi observado o regime florestal em vigor, concretamente o artigo 32º do Decreto de 11 de Julho de 1905.

17 – Sendo, assim, manifesto, que tal escritura é ineficaz para proceder à transferência da propriedade da área baldia para a esfera patrimonial da S, pelo que é manifesta a nulidade de tal contrato 18 – Constando da escritura que a área a destacar do terreno inculto denominado “Baldio da Vinha de Mouros” com a finalidade “de tornar possível a construção de casas para pobres”, não tendo até agora sido construída qualquer casa e não sendo possível actualmente qualquer construção em virtude de tal área estar classificada no PDM (Plano Director Municipal) de Cabeceiras de Basto como espaço florestal, reserva agrícola e reserva ecológica, tornou-se impossível o objecto para o qual foi cedida a área...

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