Acórdão nº 384/14.3T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO Hugo C intentou a presente oposição, mediante embargos de executado, à execução instaurada pela C, S.A., alegando, para tanto, não corresponder à verdade o alegado no ponto IV do requerimento executivo, assim como o alegado na liquidação da obrigação; o contrato junto é sem quaisquer dúvidas um contrato de adesão, sendo que a exequente não informou o embargante sobre o conteúdo de qualquer das cláusulas do contrato, nem lhe entregou cópia deste contrato, pelo que tal contrato é nulo; dos documentos apresentados resulta que a exequente e o embargante celebraram um contrato de concessão de cartão de crédito, o qual possibilita ao seu detentor a utilização de crédito para a aquisição de bens ou de serviços, pelo que o contrato junto não importa por si só constituição ou reconhecimento de uma obrigação para o executado, pois a (eventual) obrigação de restituição de qualquer quantia (capital, juros e outras) não nasce senão com a efectiva utilização do referido cartão, ou seja, o mero contrato junto não é título executivo bastante; acrescenta que, no limite, esse contrato apenas poderia ser título executivo se acompanhado por documento que faça a prova do efectivo uso do cartão em compra de bens ou serviços, sendo que a exequente se limitou a apresentar um documento unilateralmente por si elaborado e sem sequer descriminar o porquê da quantia alegadamente em dívida, qual a razão de tais créditos e de outros débitos.

A Embargada/Exequente apresentou contestação, alegando para o efeito e em síntese que: a solicitação do executado, a embargante C contratou com este a utilização de um cartão de crédito, o qual ficou vinculado à conta de depósitos à ordem (com o n.º 0834035053930) aberta na C em nome do titular do cartão, aqui executado, e sujeito às condições gerais de utilização das quais o titular tomou pleno conhecimento, tendo as partes acordado que o limite de crédito concedido se fixasse em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) - valor posteriormente ampliado para € 5.000,00 (cinco mil euros) - e comprometendo-se o titular do cartão a regularizar de imediato o excesso, no caso excepcional de esse limite de crédito ser ultrapassado, bem como a conta de depósitos à ordem afecta a esse cartão devidamente provisionada para fazer face às despesas inerentes à utilização desse cartão de crédito; entretanto, o último pagamento efectuado pelo titular da conta data de 24.01.2012 e ascendeu ao montante de € 1.000,00 (mil euros), quantia que a C aplicou, nos termos do art. 785º/1 do C.Civil, sucessivamente por conta das despesas, comissões, juros e capital já em dívida, sendo que desde, então, não foram efectuados quaisquer outros pagamentos; após aplicação dessa quantia, o valor utilizado a crédito pelo titular do cartão ascendia a € 4.858,87 (quatro mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos), valor a que acrescem juros até efetivo e integral pagamento; as mencionadas cláusulas, e todas as demais, constantes do contrato de utilização de cartão de crédito dado à execução foram informadas e detalhadamente explicadas ao cliente que as aceitou e que, pela respectiva assinatura, a elas se obrigou, tanto mais que, tendo deixado de aprovisionar a conta à ordem associada à mencionada conta cartão, o aqui executado, ora embargante, procurou junto da agência da C renegociar o pagamento da dívida emergente do contrato sub iudice, tendo assinado o documento exarado pela C, o qual lhe foi devidamente explicado, e em que, para além do demais, se confessa devedor da quantia (à data) de € 5.981,67, emergente da utilização do cartão de crédito visado nos autos; resulta, portanto, evidente, estarmos perante uma situação de manifesto abuso do direito, já que é flagrante que a conduta do executado se traduz num inadmissível "venire contra factum proprium", o qual serve o manifesto objectivo de se furtar ao cumprimento das obrigações por si assumidas, em ofensa ao disposto no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil.

No que concerne à qualificação do mencionado contrato como título executivo, defendeu a exequente, em suma, que: o contrato dado à execução constitui um contrato de crédito, nos termos do disposto da al. c) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de junho; não foi fixado, a priori, dada a natureza do contrato, o montante do crédito a contrair, mas apenas o seu plafond, porquanto não eram, à data da celebração do contrato, conhecidos os montantes que viriam a ser utilizados, tendo contudo o titular aceite obrigar-se às condições previstas para a sua utilização, subscrevendo-as, não restando, portanto, dúvidas quanto à constituição e reconhecimento da obrigação; não obstante não ser aquele contrato exarado ou autenticado por notário ou entidade com competência para tal, como disposto na al. b) do n.º 1 do art. 703.º do CC, tratando-se, por isso, de um mero documento particular, sempre se há-de concluir que por força da interpretação extensiva do artigo 6.º, n.º 3 da Lei que aprovou o novo CPC, os documentos particulares constituídos em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, como são os documentos sub iudice, e que face ao antigo CPC tinham força executória, não perdem esse valor com a entrada do novo CPC.

Finalmente, e no que respeita à alegada insuficiência do titulo dado à execução, o contrato enquadra-se no leque de títulos a que a doutrina e jurisprudência denominam de títulos executivos complexos ou compostos, porque "corporizados num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles por si só não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo" (vide Ac. do STJ, de 05.05.2011, proc. n.º 5652/9.3TBBRG.P1S1, in www.dgsi.com); assim, e no entender da doutrina e jurisprudência maioritária, o contrato de utilização de cartão de crédito acompanhado do respectivo extracto constitui título executivo (vide Ac. RC, de 16.04.2013, proc. n.º 1551/12.5TBVIS.C1, Ac. RC, de 07.02.2012, proc. n.º 957/10.3TBTMR.C1); nessa medida, levando-se em consideração o disposto no art. 726.º, n.º4 do CC, na acepção de que a omissão da junção de tais extractos não é motivo para rejeitar a execução, mas antes para convidar a exequente a apresentar documentação complementar de suporte da dívida exequenda (v.g., por todos, Ac. do STJ, de 05.05.2011, proc. n.º 5652/9.3TBBRG.P1S1, Ac. STJ, de 06.06.2004, documento n.º SJ200503080043591, Ac. RE, de 12.12.2011, proc. n.º 31/11.5TBMAC-E1, in www.dgsi.com), e em face da junção ora efectuada, dever ter-se por ultrapassada a questão da suficiência do título, concluindo-se pela suficiência do titulo dado à execução.

* Proferiu-se sentença que julgou os presentes embargos de executado, com oposição à penhora totalmente procedentes, e decidiu absolver o Embargante/Executado Hugo C do pedido contra o mesmo formulado, julgando extinta a respectiva execução contra o mesmo instaurada pela C, SA.

* Inconformada com o julgado, a Embargada/Exequente recorreu, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: (DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA.) 1.Em face da prova produzida em juízo, seja a documental, a qual não foi objecto de qualquer sindicância pelo executado, seja a testemunhal, a que o tribunal a quo parece conferir credibilidade, e que, a nosso ver, se deve ter, efectivamente, por objectiva, circunstanciada, imparcial e crível, sempre deveriam ter sido dados como provados, já que de absoluta relevância para as temáticas em discussão, e, quanto a nós, indispensáveis para a descoberta da verdade, os seguintes factos, para além dos considerados provados pelo tribunal a quo: 2.Após celebração do contrato de utilização de cartão de crédito visado nos autos, o embargante solicitou à C, através do serviço “CaixaDirecta On-Line”, o aumento do plafond de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) para € 5.000,00 (cinco mil euros), o que lhe foi concedido.

  1. Tal factualidade, alegada pela C em 7.º, 8.º e 9.º do respectivo articulado de contestação aos embargos de executado, resulta demonstrada, à saciedade, dos documentos juntos aos autos com os números 1 e 2 da contestação, cujo teor é corroborado pelo testemunho de Maria P e Pedro E, sendo que, quanto a nós se afigura preponderante na demonstração de que o executado, entretanto embargante, aceitou as condições de utilização do cartão de crédito, que conhecia, utilizou o referido cartão e chegou à conclusão de que o plafond inicial não era suficiente para os montantes de que pretendia dispor e, bem assim, na demonstração de que o executado/embargante se trata de pessoa conhecedora da lide/negócio bancário.

  2. Foram enviadas ao executado/embargante, para a morada constante do contrato de utilização de cartão de crédito, extractos com os valores em dívida, sendo que o mesmo não dirigiu qualquer reclamação à C.

  3. A prova de tal factualidade, alegada pela C em 25.º e 26.º da respectiva contestação, resulta dos documentos juntos aos autos com os n.ºs 6 a 15, cujo conteúdo, significado e alcance pretendidos com a respectiva junção foram pacificamente aceites pelo executado, do depoimento da testemunha Maria, que confirma o envio dos extractos, a ausência de reclamação e, bem assim, a circunstância de o executado nunca ter colocado em questão os valores em dívida e, bem assim, do testemunho do Osvaldo que afirma que o executado sempre assumiu que devia. Quanto a nós a referida materialidade afigura-se preponderante para demonstração de que até à data em que se apresentou nestes autos a deduzir embargos de executado e, portanto, até ao momento que foi judicialmente instado ao cumprimento, o executado Hugo C sempre reconheceu validade ao...

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