Acórdão nº 155/15.0T8PRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO António J e mulher Idalina P instauraram o presente procedimento cautelar comum contra Mário B e mulher Maria C, pedindo que os requeridos sejam condenados a remover do caminho que descrevem na petição inicial o veículo que aí depositaram, no prazo de 2 dias, sob cominação de, não o fazendo, ser esse direito devolvido aos requerentes, e a manterem o dito caminho livre e totalmente desimpedido, assim permitindo a passagem dos requerentes a pé e de carro para o seu prédio.

Para tanto alegam, em síntese, que são legítimos proprietários do imóvel, composto de parte rústica e urbana, identificado no artº. 1º da petição inicial e com registo de aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Santa Marta de Penaguião, sendo a parte urbana destinada à habitação dos requerentes.

Os requerentes, por si e seus antepossuidores, têm exercido sobre o referido prédio, há mais de 20 anos, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de terceiros e na convicção de exercerem um direito próprio, os actos caracterizadores da sua posse sobre o mesmo enunciados naquele articulado.

Acrescentam que, desde 1980, o acesso ao dito prédio é feito, pelos requerentes e seus antepossuidores, a pé e de carro, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de terceiros e na convicção de exercerem um direito próprio, através de um caminho em terra batida, com cerca de 45 metros de comprimento e 3,5 metros de largura, que se inicia junto à estrada municipal e termina junto ao portão da habitação dos requerentes, encontrando-se este caminho implantado no prédio rústico identificado no artº. 11º da petição inicial de que os requeridos são proprietários e legítimos possuidores.

Mais alegam que adquiriram o direito de servidão de passagem pelo referido caminho, a favor do seu prédio e onerando o prédio dos requeridos, pela via originária da usucapião.

Referem, ainda, que em Outubro de 2014, o filho dos requeridos estacionou e abandonou no aludido caminho um veículo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, modelo Dyna 150, de cor branca, com a matrícula PT-74-96, com o consentimento daqueles, o que impede os requerentes de acederem de carro ao seu prédio, sendo que não existe outro acesso de carro ao mesmo.

Estando impedidos de acederem de carro ao seu prédio, os requerentes necessitam de transportar à mão para a sua habitação todos os produtos e bens de que necessitam, o que fazem pelo caminho obstaculizado pelos requeridos, ou pela parte rústica do seu imóvel que confina a nascente com a via pública, por um caminho em terra batida com acentuado declive, com 1 metro de largura e 66 metros de comprimento.

O requerente marido tem mais de 70 anos de idade e a requerente mulher sofre de doença crónica do foro oncológico que lhe provocou uma incapacidade permanente global de 78%, para além de que vive com os eles a mãe da requerente mulher, que tem mais de 90 anos de idade.

A parte urbana do imóvel dos requerentes confronta com o imóvel dos requeridos, composto por pinhal, que constitui uma área de risco de ocorrência de incêndios, sendo que a ocupação do referido caminho por parte dos requeridos, veda o acesso a uma ambulância ou a um veículo de combate a incêndios, para além de dificultar o transporte de materiais e ferramentas para qualquer reparação na residência dos requerentes e o granjeio da parte rústica.

Os requerentes juntaram prova documental e arrolaram testemunhas.

Citados os requeridos, vieram estes deduzir oposição, impugnando os factos alegados pelos requerentes e sustentando que estes não beneficiam de qualquer servidão de passagem sobre o seu prédio, designadamente constituída por usucapião.

Terminam, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar requerido.

Os requeridos ofereceram prova documental e arrolaram testemunhas.

Inquiridas as testemunhas arroladas por ambas as partes, em 21/04/2015 foi proferida sentença que julgou procedente o presente procedimento cautelar e decidiu condenar os requeridos Mário B e Maria C a manterem livre e desimpedido o caminho, com cerca de 45 metros de comprimento e 3 metros de largura, que se inicia junto à estrada municipal e termina junto ao portão da habitação dos requerentes António J e Idalina P, daí retirando, no prazo máximo de dez dias, todos os objectos que impeçam a passagem a pé e de carro.

Inconformados com tal decisão, os requeridos dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1ª - Só pode deferir-se uma pretensão desta natureza quando exista probabilidade séria da existência do direito e seja suficientemente fundado o receio da sua lesão. Não se adotou tal entendimento na douta decisão que decretou a referenciada providência, com violação do disposto nos arts 362º-1 e 368º do CPC.

  1. - Os factos levados aos itens 4° e 7° da Fundamentação, in III. A) são contrariados pela própria oposição dos Rdos, que não foi corretamente apreciada nem valorada de acordo com a lei, designadamente não tendo sido valorados os factos que ali constam dos itens 2°, 4°, 8º, 10° e 12°.

  2. - Omissão que integra a prática da nulidade do art. 615°. d) do CPC, sendo tanto mais relevante, do ponto de vista probatório, quanto é certo que tais factos bem como o documento 1 anexo à oposição onde foram alegados, não foram objeto de qualquer impugnação até ao início da audiência - que, aliás, nem poderiam tê-lo sido, e muito menos através de testemunhas, como se permitiu, depois, ao longo da audiência.

  3. - O que se mostra proibido por lei, com violação, portanto, do art. 393° do C.Civil, pois tratando-se de matéria de cariz excecional, deveriam ter sido levados à matéria de facto assente e não, como se fez, elencando-os nos referidos itens 4° e 7° da Fundamentação, que deverão ter-se como não escritos, nos termos e com a força das disposições conjugadas nos arts 615°. d) e 607°-4, in fine, e 5º do CPC, neste último se prescrevendo que "o poder de livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes".

  4. - Além das razões a imporem que os factos 4 e 7 da matéria assente devam ter-se por não provados, também não se fundamentou a sentença em factos concretos e objetivos que permitissem violar o disposto no art. 365°-1 do CPC, no que respeita à prova da existência do direito ameaçado, e à justificação concludente de que o receio acautelando seja grave, tivesse sido provocado pelos Rqtes - a quem se acomete a responsabilidade por atos eventualmente danosos praticados por um seu filho - e de difícil reparação.

  5. - Da mesma forma, não se vê em que documentos se terá apoiado o Mmo Juiz, como refere na "Motivação da matéria de facto" sem os especificar, pois os que existem nos autos, únicos que relevam nesta sede são os comprovados pela certidão da sentença, extirpada, naturalmente, das limitações de que enferma, e os juntos com a oposição, não impugnados, todos apontando precisamente no sentido contrário à pretensão dos Rqtes.

  6. - Em 2005, os recorridos reivindicaram dos recorrentes o leito do questionado caminho, desistindo anos depois desse pedido, como provado se encontra por documento não impugnado junto à oposição, pelo que tal facto, conjugado com a sentença que julgou improcedente o processo anterior a este, sempre deveria ter obstado ao deferimento desta providência 8ª - Aos Rqtes está vedado pugnar pelo reconhecimento provisório da existência de um direito de servidão de passagem a onerar o prédio dos Rdos a favor do seu com base na usucapião, face às sucessivas interrupções de cada um dos direitos reais de que se arrogam, a apontarem para o liminar indeferimento da pretensão em mérito, tudo como resulta dos arts 323°-1, 325° e 326°, ex vi do 1292° do C.Civil, que o Mmo Juiz não apreciou nem valorou, com violação do que vem prescrito no art. 615°-d).

  7. - Interrupções que afetam o corpus e, sobretudo, o animus possidendi, com que os Rqtes alegam agora ter transitado pelo leito do caminho, posse essa que terá de ter-se por precária, face aos princípios da aquisição derivada, da inversão do respetivo título e da traditio brevi manu, que obstam à soma de posses anteriores, porque de natureza jurídica diversa, tudo bastando para que lhes esteja vedado pedir o reconhecimento provisório de um direito com base na usucapião, quando tal não lhes pode ser definitivamente reconhecido.

  8. - Efetivamente, o Mmo Juiz a quo não se terá apercebido de que, nessa matéria, regem as disposições combinadas nos arts 1251°, 1253°. a), 1254°-2, 1256°-2, 1259°-2, 1260°-2...

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