Acórdão nº 3158/11.0TJVNF-1.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Apelação nº 3158/11.0TJVNF-I.G1 – 1.ª Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Ao abrigo dos artºs 146º a 148º, do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e por apenso ao processo de Insolvência de B. LDA (1), os autores C. e mulher D. , instauraram a presente acção, sob a forma de processo comum declarativo, contra os réus: 1) Insolvente B., LDA; 2) D. (CREDORES DA MASSA INSOLVENTE de B. Lda); e 3) F. (MASSA INSOLVENTE de B., LDA), representada pela Administradora da Insolvência, Drª. G..

Nela pediram que, na procedência, se julguem: a) verificados os créditos dos Autores, um, deduzido condicionalmente, no montante de 174.579,26€, o qual tem natureza de crédito garantido, outro, de 90.000,00€, com a natureza de crédito comum, a serem graduados no local próprio; b) Na hipótese de os prédios cuja transmissão de propriedade para os Autores se reclama, se encontrarem apreendidos para a Massa (2), seja declarada a sua separação da mesma e a restituição aos Autores.

Alegaram, para tanto, em síntese, além do mais que ora não releva, serem promitentes-compradores de duas casas de habitação que constituem o preço da venda pelos autores à sociedade Insolvente dos terrenos em que, com outras, foram tais casas construídas; após vicissitudes várias, a então promitente-vendedora, ora Insolvente, entregou as moradias aos autores, mas jamais outorgou o necessário documento de sua venda, sendo que o preço do contrato promessa – o valor das duas casas, equivalente aos imóveis vendidos, era de 174.579,26 €.

Quando os autores daquelas tomaram conta, verificaram que elas apresentavam defeitos (que descrevem), em cuja reparação gastaram 30.000,00 €.

Ao vender a terceiro o terreno em cuja construção nele executanda os autores tinham direito a 22%, a B., Ldª frustrou esse seu crédito, no valor de 60.000,00 €uros.

Contestando, a Massa Insolvente, sem negar o essencial do alegado pelos autores, invocou a ilegitimidade da detenção dos imóveis por eles, dado que, após a decisão do Supremo Tribunal, lhe pediu a devolução das chaves dos mesmos. De resto, refutando o pedido relativo ao crédito pecuniário (90.000€), conclui pela total improcedência da acção.

No despacho saneador, depois de verificados os pressupostos processuais, entendeu-se que o estado dos autos logo permitia conhecer do pedido de separação de bens da massa e sua restituição.

Por isso, relevando-se que os bens em causa foram apreendidos para a Massa Insolvente e constituem os nºs 1 e 2 do respectivo auto, naquele foi, de imediato, proferida sentença – não se vendo do traslado a assinatura do respectivo Juiz nem a respectiva data! – que julgou, na parte apreciada, a acção improcedente e, consequentemente, o pedido de separação e restituição dos bens – o da alínea b) – e condenou os autores em metade das custas até então devidas (determinando o prosseguimento dos autos quanto ao pedido da alínea a).

Os autores não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação, concluindo assim as suas doutas alegações: “1 – No presente processo, deduzido nos termos dos artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os autores vieram atempadamente pedir – por cautela e para a hipótese de não proceder uma outra acção, a que corresponde o apenso F, na qual pediam, entre o mais, o cumprimento do que restava por cumprir do contrato promessa de compra e venda, com permuta, quanto ao pagamento do preço, por bens futuros, nos termos do artigo 830.º, n.º 1 do Código Civil – a verificação ulterior de créditos, formulando, o pedido de separação de bens da massa falida e restituição aos autores, a quem os mesmos bens haviam sido entregues pela insolvente, em cumprimento já do contrato, e antes da declaração de falência.

2 – A acção foi julgada improcedente, quanto a esse pedido, porque, após a fixação dos factos materiais da causa, o douto saneador sentença produzido entendeu que, tendo as partes celebrado um contrato promessa de compra e venda de imóveis, insusceptível, como tal, por si só de operar a transferência da propriedade, isto é, com efeitos meramente obrigacionais, e não tendo sido cumprido o contrato prometido, há lugar à apreensão de bens para a massa insolvente, ainda que o possuidor goze de retenção, por forma a que esses bens sejam vendidos em benefícios dos credores, tudo nos termos dos artigos 46.º e 149.º do CIRE.

3 – Decidiu esse douto despacho saneador, com abundante citação de jurisprudência e doutrina (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/1/2013, processo 511/10.OTBSEI-E.C1, sem indicação do lugar de publicação; Pedro Macedo, Manual de Direito das Falência, II, página 326; Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/1999, BMJ 489-259, Barbosa de Magalhães, Código de Processo Comercial Anotado, II, 343; Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/3/2014, no processo 652/03.0TYVNG-Q.P1.S1, igualmente sem indicação de lugar da publicação; Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2013, no processo 652/03.OTYVNG-R.2, ainda sem indicação do lugar de publicação; Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16/4/1996, in BMJ 456, página 327; Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma Síntese do Regime Actual, ROA, Separata, Ano 50, 1, página 41; Ana Prata, que se diz no local citado, página 573 e seguintes), que aos autores restava apenas reclamar o seu crédito nos termos do artigo 128.º do CIRE, ao que não obstava o facto de, sendo promitentes compradores, com traditio e por isso com retenção, disporem de sequela e prevalência até sobre créditos garantidos por hipoteca, tendo, pois, de entregar a coisa ao administrador para efeitos de apreensão, embora sem perderem a sua garantia.

4 – Erradamente, porém, se decidiu e não apenas pelo facto de erradamente se ter qualificado o contrato em causa como apenas um contrato promessa de compra e venda, único a que se reportam aquelas fontes jurisprudenciais e doutrinárias, mas também por manifesta violação de caso julgado.

5 – Na verdade, da matéria de facto que o tribunal deu por provada resulta que, tendo a ré B. Lda. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado de 23/11/2011, outorgara com os autores, através de escritura pública de 27 de Julho de 1999, um contrato de compra e venda, através do qual comprou aos autores prédios que a estes pertenciam, sem pagamento de qualquer preço, porque o preço deveria vir a ser pago com a entrega aos autores até ao dia 30 de Janeiro de 2003, das duas casas referidas na petição, conforme ao mesmo tempo as partes também convencionaram.

6 – Na verdade, nesse mesmo dia 27 de Julho de 1999, e através do contrato ajuizado, compradora e vendedores declararam que este contrato promessa de compra e venda (documento junto de folhas 104 a 106), “por vontade das partes nele declarada, constitui parte integrante e complemento de um outro, no mesmo dia celebrado entre as mesmas partes”, que era uma “escritura pública nesse dia outorgada no 1.º Cartório Notarial de Guimarães entre os autores e a referida B. Lda.”, que constituía “um contrato de compra e venda através do qual os autores venderam à citada B. Lda., pelo preço de 30.000.000$00, que não foi pago” os prédios que pertenciam aos autores (facto B).

7 – Complementando o mesmo propósito, e conforme a sentença deu por provado, “esse contrato formal de compra e venda constitui apenas uma parte do compromisso outorgado pelas mesmas partes, representando a expressão da vontade das partes nele outorgantes, como aí declararam, o dever de pagamento do preço pela B. Lda., representado por bens futuros, a construir pela mesma B. Lda.”, pelo que a B. Lda., “nos termos do contratado, prometeu vender aos autores, dando desde logo quitação integral do preço, e os autores prometeram comprar-lhe duas casas germinadas (…) ”, que a B. Lda. se obrigou a entregar “aos autores, construídas e prontas a habitar, no prazo de 2 anos após levantamento da licença de construção na Câmara Municipal de Guimarães, levantamento esse que teve lugar no dia 30 de Janeiro de 2001” – folhas 54 a 61 (factos E, F e I).

8 – A B. Lda., em cumprimento do clausulado no contrato, entregou aos autores as casas em causa em Fevereiro de 2010, na sequência de uma decisão do Tribunal da Relação que determinou essa entrega e o cumprimento do contrato, embora, como adiante se verá, o Supremo Tribunal de Justiça viesse a revogar essa decisão, ficando desde então na posse dos prédios, regularizando a transmissão fiscal.

9 – Ora, da conjugação dos compromissos referidos resulta que aquilo a que as partes chamaram contrato promessa de compra e venda mais não foi, como elas próprias quiseram e declararam, uma forma de pagar o preço da venda ajustada entre elas, e, por isso, a figura jurídica que as partes quiseram e construíram, uma compra e venda definitiva, integrada e complementada por um contrato promessa estabelecendo o preço, foi uma união de contratos, ou seja, as partes celebraram um único contrato através de dois instrumentos, que entre si se ajustavam e complementavam, um contrato de compra e venda de imóveis, cujo preço deveria ser pago futuramente, através de uma escritura de transmissão de bens que só futuramente passariam a existir, e que, por isso, só futuramente podiam ser integrados no património dos autores.

10 – De facto, entre as partes, como elas expressamente declararam, estabeleceu-se um único vínculo, com um nexo funcional entre dois compromissos, um outorgado por escritura, outro constante de um contrato promessa que as partes quiseram que daquela fosse parte integrante, o que significa que entre ambos estes compromissos existe um laço de dependência intrínseca, pois a compra e venda não era possível de realizar-se, porque as partes não a quiseram assim, sem que também se realizasse a entrega dos bens futuros, ou seja, sem que fosse pago o preço (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações, 5.ª ed., 1, 265, Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 395 e Ac. do STJ de 27 de...

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