Acórdão nº 3759/03.0TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: B..

Recorridos: C., D., E., F. e G..

* Braga –Instância Local – Secção Cível – J3.

* 1. C., D., E., F. e G. intentaram a presente acção [...] declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra B., C., I., J. e L., pedindo a condenação destes no seguinte: «A) Ser declarado que a autora D. desta comarca é dona e legítima proprietária do prédio identificado em 1.º desta petição e que a ocupação que da mesma fazem os réus é ilegítima, abusiva e sem qualquer título; B) Serem todos os réus condenados a reconhecer esse direito e a efectuarem a entrega imediata do mesmo imóvel aos autores, bem como a efectuarem a entrega dos bens móveis referidos nesta petição e que se encontravam no seu interior; C) Serem todos os réus solidariamente condenados a ressarcir a autora Junta de Freguesia e os restantes autores Armindo, Alfredo e Manuel por todos os danos morais que lhes causaram e assim condenados a pagar-lhes a quantia de 10.000,00€ a cada um, acrescida de juros legais a contar da citação até integral pagamento; D) Serem todos os réus condenados a ressarcir a autora C. de todos os danos patrimoniais que lhes causaram e causarão com a ocupação da mesma capela e móveis; E) Serem todos os réus condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam e perturbem ou diminuam o exercício do direito de propriedade antes referido; Subsidiariamente, e para a hipótese de se vir a entender que a mesma Capela é bem público, deve: F) Ser [...]declarado e os réus condenados a reconhecer que o prédio identificado no art.º 1.º desta petição é bem público, afecto à administração da autora Junta, mantendo-se os pedidos formulados nas alíneas B), C), D) e E)».

Invocaram os AA., para tanto e em suma, que no Lugar de…, freguesia de …, concelho de Barcelos, existe um prédio urbano composto por uma Capela, denominada, Capela de …, com um pavimento e logradouro, inscrita na matriz urbana sob o art.º 24.º, da qual a D. é proprietária, em virtude de, há mais de 20 e 30 anos, se encontrar na sua fruição, de forma ininterrupta e reiterada com ciência e paciência gerais, na genuína convicção de que dela é dona, direito esse que se filiou na sua esfera jurídica por prescrição aquisitiva (usucapião).

Referem, ainda, que em Julho de 2003, por ocasião das Festas de Santa Cruz, a C. instalou na capela uma aparelhagem sonora e altifalantes para a promoção da festa e convívio, sendo que, no dia 16 de Julho, os réus deslocaram-se à Capela e trocaram a fechadura existente por uma outra, mantendo no seu interior a aparelhagem, o que obrigou a Junta de Freguesia à aquisição de uma nova, no valor de 500,00€, a fim de que a festa não se realizasse sem música e alegria.

Alegam, por outro lado, que tudo isto decorreu na presença de diversas pessoas e a situação tornou-se conhecida em toda a freguesia de … e nas demais freguesias do concelho, tendo sido noticiada pela imprensa local, o que deixou a autora C. e os demais autores vexados, humilhados e desacreditados, na medida em que estes últimos integram a Junta e foram eleitos para cargos deste órgão.

Dizem, por fim, que todos os réus propalaram pela Freguesia de… que os autores e a C. se pretendiam apoderar de bens da Igreja e da primeira ré e que eles, demais réus, mais não fizeram do que restituir à Igreja o que lhes pertencia.

* 2. Citados, contestaram os réus e, para além de excepcionarem a ilegitimidade processual passiva dos réus pessoas singulares, impugnaram a matéria de facto alegada pelos autores, sustentando que a aludida a Capela pertence à ré B., para o que formularam pedido reconvencional nesse sentido.

* 3. Responderam os autores, pugnando pela improcedência da excepção e concluindo como na petição inicial.

* 4. Foi elaborado despacho saneador, dando por verificados os devidos pressupostos processuais, e foi elaborado despacho de condensação, com fixação de factos assentes e base instrutória, que não mereceu reclamações.

* 5. Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e totalmente improcedente a reconvenção, como se segue: a) declarar a D. proprietária do prédio melhor descrito em 1) dos factos provados, condenando-se a ré B. a reconhecer tal facto e a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam, perturbem ou diminuam o direito de propriedade da primeira; b) Condenar a ré B. a restituir à autora D. o prédio aludido em 1), bem como os bens móveis referidos em 15) dos factos provados; c) Condenar a ré B. a indemnizar a autora D. pelos danos patrimoniais decorrentes da ocupação do prédio identificado em 1), a liquidar em posterior incidente; d) Absolver os réus B., H., I., J. e L. do demais peticionado; e) Condenar autores e réus a suportarem as custas processuais da acção, na proporção dos respectivos decaimentos.

f) Absolver os autores/reconvindos do pedido reconvencional formulado pela ré/reconvinte B.; g) Condenar a ré/ reconvinte B. na totalidade das custas processuais da reconvenção.

* 6. Inconformada com a aludida sentença, veio a Ré B. interpor recurso da mesma, deduzindo as seguintes conclusões recursivas: 1- O tribunal a quo na análise da prova, ignorou sistematicamente a natureza jurídica da Recorrente e o ordenamento jurídico que lhe é aplicável: o ordenamento jurídico da Igreja Católica, por força das Concordatas de 1940 e 2004 celebradas entre o Estado Português e a Santa Sé.

2- O ignorar sistemático do tribunal a quo da natureza jurídica da Recorrente inquinou toda a avaliação da prova.

3- O tribunal a quo, depois de ignorar a natureza jurídica da Recorrente e a legislação que lhe é aplicável, utilizou conceitos jurídico canónicos, nomeadamente “actos de culto”, “culto religioso”, “capela pública”, fora do seu contexto, para fundamentar a sentença recorrida.

DO ERRO NA FUNDAMENTAÇÃO DAS RESPOSTAS À MATERIA CONTROVERTIDA E CONSTANTE DA BASE INSTRUTÓRIA 4- Foi dado como provado nos pontos 6 a 14 dos Factos Provados, que a D. vem utilizando a referida Capela, realizando e custeando obras de conservação e restauro no telhado e nas paredes exteriores e interiores (quesito 1º); criando um jardim no terreno envolvente, com muros, floreiras e pinturas (quesito 2.º); solicitando e obtendo os subsídios necessários para o efeito (quesito 3.º); franqueando a porta para permitir o culto religioso (quesito 4.º); efectuando limpezas no interior e exterior (quesito 5.º); o que vem fazendo à vista de toda a gente (quesito 6.º); sem oposição de ninguém (quesito 7.º);. de forma contínua (quesito 8.º); na convicção de ser a sua proprietária (quesito 9.º) 5- A prova, nomeadamente documental, resulta inconclusiva quanto a estes pontos.

6- Por sua vez, a prova testemunhal arrolada pela Recorrida não faz prova, ao não conseguir concretizar quais os actos materiais de posse praticados pela C. sobre a Capela.

7- A prova arrolada pela Recorrente, e pelo contrário, concretiza os actos materiais de posse da B., aqui Recorrente sobre a Capela.

8- Os pontos 6, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos Factos Provados devem ser dados como não provados.

9- Quanto aos pontos 7 e 8, deve ser alterada a redacção, por outra, onde conste que os actos praticados pela C. incidiram sobre o espaço envolvente da Capela, o qual nunca foi logradouro da Capela, nem foi algum dia reivindicado como propriedade sua pela Recorrente.

10- Devem ser dados como provados os factos constantes dos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º, 26, 27º, 28º, 29º, referidos nas alíneas e), f), g), h), i), j), K), l) dos factos não provados.

DO DIREITO 11- O tribunal a quo entendeu que a questão jurídica deveria ser resolvido com o recurso à lei civil vigente na República Portuguesa.

12- Mas este entendimento, não implica a impossibilidade legal de aplicar as normas de Direito Canónico conforme decorre do art. 10 da Concordata de 2004 e, antes desta, do art. 3 da Concordata de 1940, conforme resulta do art. 8, nº 2 da CRP.

13- Não obstante, o prescrito no art. 8, nº 2 da CRP, o tribunal a quo, em completa violação deste preceito constitucional, sistematicamente ignorou a natureza jurídica da Recorrente e o seu direito interno.

14- O que também acaba por ser uma violação do art. 41º, n.º 4 da CRP.

15- O que desde se invoca com as demais consequências legais.

Sem prescindir, 16- A Capela de…foi devolvida em 1932, conforme consta dos autos (fls. 686 a 696), e encontrando-se a Capela afecta ao culto por ocasião da celebração da Concordata de 1940, pelo que foi nos termos do artigo 6º reconhecida a propriedade da B. sobre a mesma.

17- A Capela de…é um Bem Eclesiástico (cân.1257, §1).

18- O ordenamento jurídico canónico recebe, tal como está regulado na legislação civil da nação respectiva, a prescrição como modo de adquirir e/ou perder um direito.

19- Por outro lado, e de acordo com a lei aplicável, nenhuma prescrição tem validade se não for fundada na boa fé.

20- A alegada posse da Autora, C., é uma posse de má fé, primeiro porque tinha consciência de que lesava o direito de outrem, segundo porque não é titulada (art. 1260º, nºs 1º e do Código Civil).

21- Nos termos do cân. 198, a alegada aquisição do direito de propriedade da Capela de… pela C., porque não é de boa fé, não é válida, o que desde já se invoca com os demais efeitos legais.

22- Ocorre a violação da norma do cân.198.

Sem prescindir, 23- É jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que as Concordatas assinadas entre Portugal e a Santa Sé estão compreendidas no conceito de Convenção Internacional a que alude o art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa, vigorando na ordem jurídica com primazia sobre qualquer disposição de direito interno anterior ou posterior, pelo que, estando em questão uma matéria que contenda com aplicação ou interpretação de normas de Direito Canónico, os tribunais portugueses são absolutamente incompetentes para o conhecimento a questão.

24- Acórdãos do Supremo tribunal...

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