Acórdão nº 190/98.0TBCMN-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Na qualidade de executada, B. deduziu, em 09-12-2014, com apoio judiciário, embargos à execução contra si instaurada pelo Fundo de Garantia Automóvel.

Fundamentou-os: a) Na inexistência de título executivo quanto a si, porquanto os documentos juntos pretensamente como tal valendo são uma sentença de 1ª instância e o acórdão da 2ª, em que figura, apenas, como credor de indemnização um terceiro lesado e como devedor o exequente, a nenhum título neles constando a oponente; b) Na ilegitimidade activa do exequente Fundo, uma vez que este não figura como tal nos ditos documentos; c) Na ilegitimidade passiva da executada/embargante, porque esta também neles não consta como devedora; d) Na prescrição do direito invocado, porquanto, tendo o evento lesivo originário da condenação ocorrido em 11-07-1996, a exequente não alegou na petição a data em que pagou a indemnização fixada ao lesado C., apenas constando de uma “certidão” junta com ele que tal pagamento ocorreu em 20 de Março de 2003 – 24-03-2003 (sic), vendo-se os juros contados desde esta última, pelo que, tendo a execução sido instaurada em 28-02-2014, e, assim, decorrido quase 11 anos, há muito se esgotou o prazo de 3 anos previsto no artº 498º, nºs 1 e 2, do CC; e) Na prescrição dos juros moratórios liquidados, ou, pelo menos, dos correspondentes aos dos 5 anos subsequentes ao pagamento alegado; f) Na impugnação, por desconhecimento e falsidade dos factos alegados no requerimento executivo; g) Na impugnação, por desconhecimento do teor e das assinaturas constantes no documento junto.

O exequente, contestando, alegou: a) Quanto à inexistência de título executivo e ilegitimidade activa, que foi condenado, solidariamente com a embargante, por decisões judiciais transitadas de 31-03-2000, 17-01-2001 e 26-05-2003, no pagamento da indemnização ao lesado e pagou-a ele próprio, pelo que ficou sub-rogado nos direitos daquele ao abrigo do artº 54º, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, podendo valer-se da sentença como título executivo; b) Quanto à ilegitimidade passiva, que a embargante é a responsável civil condenada a pagar a indemnização ao lesado, pelo que o Fundo, pagando-a, sucedeu na posição deste em tal relação, mantendo-se aquela como sua titular passiva; c) Quanto à prescrição do crédito e dos juros, que o prazo é o ordinário de 20 anos, aplicando-se os artºs 309º e 311º, do CC, e não o de 3 anos previsto no artº 498º, do CC, uma vez que aquele se encontra reconhecido por sentença e que várias vezes interpelou a devedora, conforme documentos juntos.

Respondeu a embargante que desconhecia os documentos.

Por saneador-sentença de 09-06-2015, exarado a fls. 101 a 105, foi, depois de julgadas improcedentes outras excepções ou questões e prescrito em 24-03-2006 o direito de crédito a que se arroga o exequente, proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo procedente a oposição à execução e, em consequência, determino a extinção da execução quanto à executada B., absolvendo-a do peticionado pela exequente Fundo de Garantia Automóvel.

Custas pela exequente. ” As demais questões foram consideradas prejudicadas.

O FGA não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “1. O direito do exequente FGA, por estar reconhecido em sentença, prescreve no prazo de vinte anos; 2. Tendo em conta a data da ocorrência da sub-rogação e a data da propositura da acção executiva, o direito do exequente não está prescrito; 3. Não logra aplicação ao caso em apreço o disposto no artigo 54º, nº 6, do Dec. Lei 291/2007, tendo em conta que não dispõe concretamente sobre os casos em que o direito do FGA está reconhecido por sentença.

  1. O tribunal a quo violou os artigos 593º e 311º do CC e, bem assim, o artigo 54º, nº 6, do Dec. Lei 291/2007.

    Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida.” Nas contra-alegações, a embargante defendeu a confirmação do decidido.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

    Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

    1. QUESTÕES A RESOLVER É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

      No caso, as questões a decidir respeitam aos quatro pontos mencionados na já acima transcrita – de forma exemplar e cada vez mais invulgar – síntese conclusiva feita pelo apelante, que acolhemos aqui.

    2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Além dos que relevam do relato antecedente, emergentes dos autos, deu o tribunal recorrido como provados e fixam-se, por não questionados, os seguintes factos: “1. Por decisões datadas de 31-03-2000 e 17-01-2001, transitadas em julgado, proferidas no âmbito dos autos de processo comum singular que correu termos com o nº 62/98, no Tribunal Judicial da Comarca de Caminha, a executada B. foi condenada solidariamente com a exequente no pagamento global de 4.967,45$00, bem como a indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente a 60% dos custos a suportar pelo aí demandante C. com a intervenção cirúrgica da fratura no antebraço direito, acrescido de juros nos termos constantes da sentença junta aos autos a fls. 10 a 20 dos autos.

  2. O exequente, na qualidade de garante, liquidou ao lesado C. a quantia de € 30.659,31 no dia 24-03-2003.” IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA Para concluir e decidir que o direito do FGA assim titulado prescreveu, considerou o tribunal a quo aplicável, sem questionar a data em que entrou em vigor por contraposição à dos factos, o disposto no nº 6, do artº 54º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto e, por força deste, o prazo especial de três anos previsto no artº 498º, nº 2, do CC, e que o mesmo se iniciou no momento do pagamento ao credor lesado da indemnização (24-03-2003) em que, ele e embargante, foram solidariamente condenados, citando jurisprudência a tal propósito, que transcreveu, sem, contudo enfrentar e tratar da alegada questão suscitada oportunamente pelo apelante do artº 311º, nº 1, do Código Civil.

    Contra, objectou o Fundo – aí fundamentando o seu apelo à revogação do decidido – que foram violados os artºs 593º (efeitos da sub-rogação) e 311º (prescrição de direitos reconhecidos em sentença ou outro título executivo) e, ainda, o artº 54º, nº 6, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (aplicação ao direito sub-rogado do regime do aludido 498º, nº 2, CC), uma vez que, estando este reconhecido por sentença e não se aplicando aquela última norma (que alega não contemplar o caso de o direito estar reconhecido por sentença), o prazo a considerar é o ordinário de 20 anos – ainda em curso.

    Ao que a apelada contrapôs, na resposta, que, tendo o pagamento ocorrido em 2003, altura em que ainda vigorava, na matéria, o Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, veio a ser publicado, entretanto, o referido DL 291/2007, cujo nº 6, do artº 54º, ao caso aplicável, é claro no sentido, tal como a jurisprudência a que se agarra, preconizado pelo tribunal a quo.

    Ora, como resulta dos factos provados, não discutidos, por decisões judiciais de 31-03-2000 e de 17-01-2001, transitadas em julgado, proferidas em processo criminal, o exequente Fundo de Garantia Automóvel e a executada B. foram, ambos, solidariamente, condenados a pagar ao demandante lesado C. quantia fixada a título de indemnização por responsabilidade civil.

    O devedor condenado solidário FGA, enquanto garante, satisfez, pagando ao lesado, tal indemnização, em 24-03-2003.

    Tracemos, então, uma panorâmica desta matéria complexa, verificando qual o regime aplicável no tempo e soluções dele resultantes, de modo a, por fim, resolvermos o problema fulcral suscitado neste recurso.

    Ao tempo do acidente, da decisão condenatória e do pagamento efectuado pelo Fundo – 24-03-2003 –, vigorava o Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, diploma que consagrou, aperfeiçoou e regulou o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel já anteriormente institucionalizado e inspirado pela necessidade social de justamente prover aos efeitos decorrentes da perigosidade danosa da circulação rodoviária.

    Precavendo hipóteses diversas de os lesados não poderem responsabilizar uma empresa seguradora pelos danos sofridos e que, em princípio, deveriam estar cobertos por um contrato de seguro, foi concomitantemente criado, no âmbito do Instituto de Seguros de Portugal, o Fundo de Garantia Automóvel, entidade à qual, nos termos da lei, foi atribuída a responsabilidade e função de garantir a satisfação (ou pagamento, através dos meios financeiros próprios de que foi legalmente dotado) de tais indemnizações.

    Em contrapartida, tal diploma, do mesmo passo que, no seu artº 19º, tratava do “direito de regresso da seguradora”, dispunha, no artº 25º, sob a epígrafe “Sub-rogação do Fundo”, que: “1 - Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.

    2 - No caso de falência, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado apenas contra a seguradora falida.

    3 - As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro poderão ser demandadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.”[1] Nada mais, porém, nele se referia, maxime quanto à questão da prescrição de tal direito que ora nos ocupa.

    Como se sabe, a sub-rogação (voluntária ou legal) é uma forma de transmissão de créditos ou de dívidas.

    Sendo legal, nos termos do artº 592º, nº 1, do...

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