Acórdão nº 579/08.9TBCBT de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

M, residente no Lugar de Gandarela, Basto S. Clemente, Celorico de Basto, intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra C e marido, P, residentes no mesmo lugar, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento identificado nos artigos 7° a 9° da petição inicial e os réus condenados a entregar à autora o local arrendado, devoluto de pessoas e bens.

Alega ser dona e legitima possuidora do prédio identificado no art. 1° e do estabelecimento identificado no art. 2°, sendo que, em Outubro de 1985, JP e mulher, MM, declararam ceder aos réus a exploração do mencionado estabelecimento, para exploração do comércio de mercearias, vinhos e petiscos e que funcionava no rés do chão do prédio mencionado.

Em 3 de Março de 2000, por notificação judicial avulsa, a A. comunicou aos Réus que o mencionado contrato terminaria em 30/09/2000, não sendo sua vontade prorrogá-lo. Como os Réus não entregassem o estabelecimento, a A. propôs a acção sumária 317/2000, peticionando que fosse declarada a caducidade do contrato de cessão, a restituição do estabelecimento e o pagamento de uma indemnização.

Tal acção veio a improceder, tendo sido determinado que, a partir de 14/07/1986, as partes contratantes haviam aceitado transmutar em contrato de locação de parte do imóvel para fins comerciais o contrato atípico de cessão/locação. Assim, os réus têm vindo a manter em funcionamento o dito estabelecimento em contravenção ao DL 168/97, de 04/07 e 292/2000, de 14/11.

A ré requereu o licenciamento de obras, no sentido de requerer licença de utilização para o estabelecimento, junto da Câmara, que foram licenciadas.

Foram efectuadas obras no estabelecimento, em confronto com o convencionado no âmbito do contrato de cessão, que se veio a transmutar em contrato de arrendamento, pois não pediram autorização à Autora para as concretizarem.

Após a execução parcial das obras, a Câmara emitiu licença de utilização, ao abrigo da qual os réus reabriram o estabelecimento de restauração e bebidas.

Além do mencionado, os réus permitem que uma sua filha exerça no estabelecimento actividade de manicura e têm vindo a confeccionar e servir refeições diárias, ao almoço e exercem actividade de café e de bar, tendo deixado de exercer a actividade de taberna ou mercearia.

Acresce ainda que, tendo sido a Ré, em 01/06/2008, reformada, encontra-se a exercer ilegitimamente a actividade.

* Os réus apresentaram contestação, por via da qual alegam que são arrendatários do espaço de rés do chão do prédio mencionado e que o estabelecimento que ali exploram é sua propriedade, tendo o contrato de cessão de exploração caducado em 01/10/1986, não sendo, por isso, de aplicar à relação contratual entre as partes.

Negam a cedência de qualquer espaço à filha para a actividade de manicura e o exercício desta no locado. Quanto às obras, admitem a sua realização, mas imputam a obrigação de realização das mesmas à A, na qualidade de senhoria, o que esta sempre recusou, bem como autorizar os réus a efectuá-las. Com efeito, referem que o local arrendado não reunia condições para o funcionamento do estabelecimento, o que inviabilizava a emissão de licença de utilização respectiva. Por outro lado, a A. denunciou junto da Câmara o funcionamento do estabelecimento sem a licença em causa, o que motivou que aos réus fosse movido processo de contra-ordenação, na sequência do que os réus requereram o licenciamento das obras necessárias para a adaptação do locado junto da Câmara, tendo tal pedido sido aprovado e emitido o alvará respectivo. Invocam ter efectuado apenas as obras necessárias ao cumprimento das exigências legais, pois sem as mesmas o locado não podia ser utilizado para o fim a que as partes o destinaram.

Alegam ainda que a iniciativa da A. resolver o contrato constitui abuso de direito, já que foi a própria que denunciou os réus junto da Câmara e, apesar de várias vezes lhe ter sido solicitada, a mesma recusou-se sempre a proceder às obras ou a autorizar que os réus as executassem.

Deduzem ainda pedido reconvencional, por via do qual peticionam a condenação da autora no pagamento da quantia de € 22 500.00 por ter sido esse o custo que tiveram com a realização das obras.

Mais requerem a condenação da autora como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização a seu favor em quantia não inferior a € 2.000,00.

* A Autora, em resposta, invoca que o estabelecimento é sua pertença e que as obras realizadas pelos Réus, conforme estipulado no contrato de cessão, fazem parte integrante do prédio, não concedendo a estes o direito a serem indemnizados da A.

Mais alega que, não obstante as obras, o ruido proveniente do estabelecimento é audível pela Autora no 1° andar, onde habita, e que o alvará de obras concedido pela Câmara padece de nulidade.

Além disso, as obras sempre careciam de autorização da A. visto que não se mostravam uteis para a exploração de mercearia e taberna, destino originário do estabelecimento.

Conclui pela improcedência da excepção e da reconvenção.

* Foi proferida Decisão a julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, a absolver os réus dos pedidos formulados pela Autora, considerando-se prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional, do mesmo foi absolvido a Autora.

Mais se condenou a Autora como litigante de má-fé na multa de 4 (quatro) Uc e em indemnização a favor dos Réus, cuja liquidação se relegou para momento posterior.

* Não se conformando com a decisão proferida, veio a A. dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: A. A matéria provada constante dos pontos 18, 41, 42, 54, 60 e 61, não se enquadra com a prova produzida nos autos, designadamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento e, em parte, encontra-se em contradição com outros pontos da matéria de facto provada.

B. A matéria de facto provada e constante do ponto 18, em que ficou provado que "Na sequência da Câmara Municipal de Celorico de Basto ter instaurado, em 21/01/2005, à ré, o processo de contra-ordenação, por falta de licença de utilização, esta requereu o licenciamento de obras no locado, no sentido de requerer a licença de utilização de um estabelecimento de restauração e bebidas", encontra-se incompleta e deve ser mais abrangente, sob pena de contradição com os pontos 2 e 7; C. Nos pontos nºs 2 e 7 da matéria de facto provada, verifica-se que o espaço objecto de locação tinha efectivamente licença de utilização, aí se referindo no ponto 2, ao Alvará nº 113, de 06/03/1980, para taberna e mercearia.

D. Deve a matéria de facto ser reapreciada, alterando-se a matéria constante do ponto 18, no sentido de se considerar que a falta de licença de utilização era para o estabelecimento de restauração e bebidas, propondo-se que a resposta passe a ser a seguinte: "Na sequência da Câmara de Celorico de Basto ter instaurado, em 21/01/2005, à ré, um processo de contra-ordenação por falta de licença de utilização, esta requereu o licenciamento de obras no locado, no sentido de requerer a licença de utilização de um estabelecimento de restauração e bebidas".

E. Os pontos 41 e 42 da factualidade provada não podem resultar da confissão da autora, pois, analisada a acta da audiência de julgamento, de 25 de Fevereiro de 2014, no que concerne ao depoimento de parte da autora, aí é referido, nos termos e para os efeitos do artigo 463.°, nº 1 do Código de Processo Civil, que as declarações confessórias extraídas do depoimento da autora foram diferentes das que serviram para basear a resposta a estes pontos.

F. A matéria de facto constante dos pontos 41 e 42 terá de ser dada como não provada e assim passar para o rol dos factos dados como não provados, como se impõe.

G. No ponto 54 da factualidade provada, entendeu o tribunal "a quo" que: "Sem a realização de tais obras a Câmara não emitiria a licença de utilização e o locado não poderia ser utilizado para o fim destinado por autora e réus", mas baseou essa resposta em depoimentos de testemunhas que não se pronunciaram quanto ao fim acordado entre autora e réus, mas tão só quanto ao fim a que o estabelecimento estaria a ser destinado, como seja, restauração e bebidas, daí a necessidade do licenciamento.

H. Pelo que deve a matéria de facto ser reapreciada, alterando-se a matéria constante do ponto 54, no sentido de se considerar que o locado não poderia ser utilizado para restauração e bebidas, devendo decidir-se nos termos seguintes: "Sem a realização de tais obras, a Câmara não emitiria a licença de utilização e o locado não poderia ser utilizado para o destino de restauração e bebidas”.

I. Nos pontos 60 e 61 da factualidade provada, entendeu o tribunal "a quo" que: "A A. praticou o mencionado nos pontos 25, 41, 42 e 43 com o propósito de impedir a realização das obras por parte dos réus; e que a A. tinha conhecimento do mencionado em 54", contudo fê-lo no pressuposto de que a autora tenha confessado tal matéria, o que não ocorreu.

J. Não tendo tal confissão sido transcrita, não pode ser valorada para dar resposta à matéria constante dos pontos 60 e 61 dos factos provados, que terão de passar para o rol dos factos não provados.

K. Nos termos do nº 2 do artigo 1074.°, do Código Civil, "O arrendatário apenas pode executar obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio".

L. Os réus recorridos, realizaram as obras dadas como provadas nos pontos 28, 33, 34, 45, 47, 48, 49,50,51,52,53 e 57.

M. No contrato de locação junto aos autos e conforme resulta da factualidade constante do ponto 22, os segundos outorgantes, ora recorridos, não poderiam fazer quaisquer obras no estabelecimento sem a autorização escrita dos primeiros outorgantes, senhorios, ora recorrente.

N. Os réus não pediram à autora autorização escrita para efetuarem obras no rés-do-chão locado (ponto 24).

O. O licenciamento de obras e a licença de utilização para comércio - restauração e bebidas, emitidas pela Câmara...

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