Acórdão nº 1857/14.3TBGMR-DG1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO D, Lda. apresentou-se à insolvência em 18 de Julho de 2014, a qual veio a ser declarada por sentença datada de 21 de Julho de 2014, já transitada em julgado.
A credora A, S.p.A. veio, em 21/11/2014, requerer a abertura do incidente de qualificação de insolvência da D, Lda., com declaração da mesma como culposa, devendo o seu sócio-gerente Paulo J ser afectado por tal qualificação, alegando, em síntese, que este, em 3/07/2011, celebrou um contrato de cedência de clientes da D com outra sociedade, denominada Dtex, da qual é sócio-gerente o seu irmão; que a insolvente deu destino desconhecido à mercadoria que a requerente lhe vendeu; a insolvente vendeu duas viaturas (um camião e um “furgão”) a Manuel Castro Lopes Barros, amigo de ambos os irmãos, estando o furgão a ser utilizado pela referida Dtex, e cedeu a sua posição contratual num contrato de locação financeira de um imóvel a um terceiro, perto do seu final, sem ter recebido qualquer contrapartida financeira.
Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência por despacho datado de 4/02/2015, foi apresentado parecer pelo Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do artº. 188º, nº. 3 do CIRE, no qual propôs que a presente insolvência fosse qualificada como fortuita, tendo concluído não existirem indícios de sonegação de património, com o intuito de dificultar, prejudicar a satisfação dos credores da insolvente ou outro intuito e não estarem preenchidos os requisitos das alíneas dos nºs 2 e 3 do artº. 186º do CIRE (fls. 55 a 58).
O Ministério Público apresentou o seu parecer, no qual acompanhou a posição da credora requerente A (fls. 77 e 78).
Notificada a insolvente e citado o requerido Paulo J, vieram estes deduzir oposição, na qual excepcionaram a extemporaneidade do requerimento do incidente de qualificação da insolvência e, no que à matéria em discussão diz respeito, aduziram que o contrato de locação financeira imobiliária foi celebrado em 2008, pelo período de 12 anos, e a cessão da posição contratual ocorreu em Abril de 2011, devido ao elevado custo da prestação mensal.
Mais alegaram que não há qualquer ligação entre o contrato de cedência de clientes celebrado em 3/07/2011 e a cessão de quotas entre o requerido Paulo J e seu irmão, relativas às duas empresas em causa (a insolvente e a Dtex) efectuada em 28/10/2011, tendo a Dtex pago à insolvente, por tal cedência de clientes, a quantia de € 195 000,00 nos termos contratuais, sendo que a insolvente apenas cedeu os clientes que utilizavam fios metálicos e filamentos contínuos, ficando a Detex com os clientes que utilizavam fios fiados.
Referem, ainda, que a venda das viaturas se deveu à sua antiguidade e problemas mecânicos que revelavam e que a matéria-prima que a insolvente comprou à A foi vendida aos seus clientes, não tendo recebido a totalidade do valor das vendas ou porque uns clientes foram declarados insolventes, ou porque outros fecharam as suas empresas e desapareceram, invocando, ainda, a inexistência de qualquer prejuízo com a alienação de património, uma vez que, com a mesma, a insolvente logrou obter encaixe financeiro e evitar despesas acrescidas.
No mais, impugnaram os restantes factos em que a A fundamenta o seu pedido de qualificação da insolvência da Detex.
Em 17/06/2015 foi proferido despacho saneador, no qual se indeferiu a requerida extemporaneidade das alegações da credora A suscitada pelos requeridos na sua oposição, e se procedeu à identificação dos temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com a observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta, foi proferida sentença, na qual se decidiu: qualificar a insolvência da D, Lda. como culposa; declarar como sendo afectada pela qualificação da insolvência da D como culposa Paulo J; decretar a inibição de Paulo J para administrar patrimónios de terceiros durante um período de 6 (seis) anos; decretar a inibição de Paulo J para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 6 (seis) anos; condenar o requerido Paulo J a indemnizar os credores da D, Lda. no montante dos créditos que não vierem a ser satisfeitos no âmbito deste processo falimentar até às forças do seu património, segundo o critério aritmético da diferença entre o resultado da liquidação (aqui entendido como sendo o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa bem como da remuneração variável do Sr. AI) e o valor dos créditos que obtenham pagamento.
Inconformados com tal decisão, os requeridos dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: A - O artigo 186º do CIRE define o conceito de insolvência, estabelecendo os pressupostos para qualificar a insolvência como culposa; B – Os pressupostos para qualificar a insolvência como culposa são os seguintes: que tenha havido uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito, que essa conduta tenha agravado a situação de insolvência, que essa conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, que essa mesma conduta seja dolosa ou praticada com culpa grave; C – As situações previstas no nº 2 do artigo 186º do CIRE são “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do artigo 186º do CIRE; D – Verificada a existência de factos que se reconduzem às situações previstas no nº 2 do artigo 186º do CIRE, extrair-se-á em princípio a ilação da insolvência culposa; E – Têm que ser alegados factos suficientes para se demonstrar e consequentemente permitir ao tribunal extrair com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência; F - No regime anterior à Lei 16/2012, de 20/4 o juiz oficiosamente na sentença que declarava a insolvência declarava sempre aberto o incidente de qualificação com caracter pleno ou limitado e, sem prejuízo do disposto no artigo 187º do CIRE; G – O parecer do administrador era obrigatório e relevante no auxílio ao juiz para a sua decisão, assumia-se como um dever funcional do administrador, porque, estando aberto o incidente o administrador tinha o dever de apresentar o parecer que lhe era imposto por lei, tal como, o juiz tinha o dever de proferir a decisão de qualificar a insolvência como culposa ou fortuita; H – Com a lei 16/2012 de 20/4 apenas há lugar à abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa em duas situações: na sentença em que é declarada a insolvência, aberta oficiosamente pelo juiz na sentença que declara a insolvência se dispuser de elementos que o justifiquem, ou em momento posterior, se o juiz o considerar oportuno em face do requerimento apresentado pelo administrador ou por qualquer interessado, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 186º do CIRE; I – O parecer previsto no nº 3 do artigo 186º do CIRE, por corresponder a um ato obrigatório da tramitação do incidente de qualificação já aberto e em curso, deve ser entendido com um dever funcional do administrador que não se extingue pelo decurso do prazo fixado para a sua apresentação; J – O requerimento/alegações referido no nº 1 do artigo 186º do CIRE, através do qual se pretende abrir o incidente de qualificação, apenas pode ser apresentado dentro do prazo ai fixado, 15 dias após a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório, não podendo ser atendido o requerimento apresentando pelo administrador ou por qualquer interessado após o decurso do prazo de 15 dias fixado; K - A assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o nº 1 do artigo 156º do CIRE realizou-se no dia 11 de Setembro de 2014; L - No dia 31 de outubro de 2014 a credora A foi notificada para em 15 dias alegar o tivesse por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e, ainda, para indicar as pessoas que deveriam ser afetadas pela qualificação; M – A credora A apresentou o requerimento para abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa em tribunal no dia 21 de Novembro de 2014; N - O requerimento de abertura do incidente é extemporâneo por ter sido apresentado depois de decorrido o prazo de 15 dias após a realização da assembleia de credores para a apreciação do relatório do administrador de insolvência, que ocorreu no dia 11 de setembro de 2014; O - No regime anterior o juiz tinha o poder/dever de declarar aberto o incidente em qualquer circunstância e com a Lei 16/2012 o legislador limitou esse poder ao momento em que é proferida a sentença que declara a insolvência e a partir desse momento, o legislador não atribuiu qualquer poder de oficiosamente declarar aberto o incidente, apenas o podendo fazer mediante a iniciativa do administrador ou de qualquer interessado e no prazo de 15 dias previsto no nº 1 do artigo 186º do CIRE; P - Não estando previsto legalmente a possibilidade de o juiz atuar oficiosamente no tocante à abertura do incidente após ter sido proferida a sentença que declarou a insolvência, por força dos princípios gerais do processo civil, tal não é possível; Q - O incidente de qualificação de insolvência só pode ser aberto em dois momentos, na sentença que declarou a insolvência e por iniciativa do administrador ou de qualquer interessado no prazo previsto no nº 1 e fora destes momentos não mais é possível declarar aberto o incidente, sob pena de ser tornar inútil a disposição legal e isso não pretendeu o legislador; R - O prazo previsto no nº 1 não é um prazo meramente regulador ou ordenador, porque o que aí está em causa é uma iniciativa processual, que pode ser exercida pelo administrador ou por qualquer interessado e só poderá ser...
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