Acórdão nº 533/04.0TMBRG-K.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO L. M.

nomeou à penhora os créditos presentes e futuros de que o executado fosse titular junto das sociedades Táxis Manuel e & Filho, Lda e B. Táxis, Lda.

Essas sociedades, escudando-se na previsão contida no nº4, do artigo 738º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, invocaram a impenhorabilidade das quantias equivalentes ou inferiores à totalidade da pensão social do regime não contributivo, nos termos constantes dos documentos de fls 6 e 7 deste apenso.

Notificada desses documentos, a exequente veio, em 8 de Janeiro de 2018, apresentar requerimento (cfr fls 8 e seg), a pronunciar-se sobre os mesmos e a requerer, ao abrigo do que dispõe a al. d), do nº1, do artigo 723º, que se “decida sobre a impenhorabilidade, ou não, dos referidos créditos e, não sendo os mesmos impenhoráveis, se determine a notificação das sociedades identificadas para que procedam à penhora devida na totalidade dos créditos”.

Feitos os autos conclusos no dia 18/1/2018, com data de 30/1/2018, foi proferido despacho, pelo Tribunal a quo, a considerar que “este limite à penhora reporta-se à previsão do nº 1 do citado artigo 738º, ou seja, quando sejam objecto de penhora vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assumirem a subsistência do executado” e que “tanto quanto resulta das informações prestadas pelas duas identificadas sociedades, estarão em causa créditos do executado por serviços como motorista prestados esporadicamente”, pelo que decidiu, não se enquadrando a situação no nº 1, do artigo 738º, não ser aplicável o limite previsto no nº 4, desse mesmo dispositivo.

*De tal despacho apresentou o executado recurso de apelação, em 14 de Fevereiro de 2018, conforme fls 11 e segs, pugnando por que se conceda provimento ao recurso e se revogue o despacho impugnado. Formula as seguintes CONCLUSÕES: 1.

Como questão prévia ao presente recurso, é entendimento do recorrente que o douto despacho recorrido viola o disposto no n°3 do artigo 3° do Cód. de Proc. Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, o que, salvo melhor opinião, consubstancia a pratica de uma nulidade processual, que influiu no exame ou decisão da causa.

  1. Na verdade, dispõe o n° 3 do art° 3.° do CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem...” 3.

    Ora, a não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constituiu uma nulidade processual nos termos do artigo 201.° 1 do CPC, obedecendo a sua arguição á regra geral prevista no artigo 205.° do CPC (Ac. ReI. Évora de 1.4.2004).

  2. Assim, antes de proferir a decisão o juiz deve conceder ás partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões surpresas.

  3. No caso vertente, compulsados os autos, constatou o aqui Recorrente que, em 08 de Janeiro do ano de 2018, através de requerimento constante do sistema Citius com a referência 27811501, a exequente/Recorrida veio requerer que o tribunal se pronunciasse acerca da impenhorabilidade ou da penhorabilidade dos créditos que o recorrente auferiu ao serviço das sociedades comerciais Táxis Manuel & Filho, [da e B. Táxis, [da, invocando que a impenhorabilidade do n.° 4 do artigo 738.° do CPC não se verifica “ por estarmos no domínio da penhora de créditos e não de vencimento, salário, prestação periódica ou outra enquadrável naquela norma”.

  4. Ora, o aqui recorrente não foi notificado, nem pelo ilustre mandatário da Exequente/Recorrida nem pelo tribunal, do requerimento em causa, para, querendo, sobre o mesmo tomar posição.

  5. Apenas no dia 31 de Janeiro do presente ano foi notificado do despacho recorrido no qual é referido que “tanto quanto resulta das informações prestadas pelas duas identificadas sociedades estarão em causa créditos do executado por serviços prestados esporadicamente como motorista, não se enquadrando na situação do n.° 1 do artigo 738.° do CPC e, como tal, não sendo aplicável o limite previsto no n.° 4 desse mesmo dispositivo.” 8.

    Salvo melhor opinião, não podia o tribunal recorrido decidir a questão em mérito sem prévia audição da parte contrária — o aqui Recorrente- sob pena de se violar o princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa, 9. razão pela qual, se está in casu, perante uma nulidade que influiu na decisão da causa, sendo que tal omissão infringe os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, devendo por isso, declarar-se a nulidade processual em apreço.

  6. Por outro lado, não se concorda com o despacho recorrido na parte que entendeu que os créditos do executado -aqui recorrente- por serviços prestados esporadicamente como motorista, não se enquadram na situação do n.° 1 do artigo 738.° do CPC, e, como tal, não lhe é aplicável o limite previsto no n° 4 desse mesmo dispositivo, decisão de que discorda e cuja revogação, por isso, se propugna.

  7. Entendeu o MM juiz a quo que “este limite á penhora reporta-se á previsão do n.° 1 do citado artigo 738.° do código de processo civil, ou seja, quando sejam objecto de penhora vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a titulo de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, tenda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assumirem a subsistência do executado”. Tanto quanto resulta das informações prestadas pelas duas identificadas sociedades, estarão em causa créditos do executado por serviços como motorista prestados esporadicamente, não se enquadrando a situação no n.° I do artigo 738.° do Código de Processo Civil e, como tal, não sendo aplicável o limite prevista no n.° 4 desse mesmo dispositivo.” 12.

    Em contrário ao decidido no despacho recorrido, entende o aqui recorrente quê os créditos supra referenciados se enquadram na situação do n.° 1- do previsto no n.° 4 desse mesmo preceito legal.

  8. Tanto quanto resulta das informações prestadas pelas sociedades Táxis Manuel & Filho, [da e B. Táxis, [da, estão em causa créditos por serviços prestados pelo aqui Recorrente enquanto motorista e, como tal, dúvidas não existem que, tais créditos correspondem a uma contrapartida pela actividade prestada, destinando-se a assegurar a subsistência do aqui Recorrente.

  9. Segundo o que se encontra regulamentado em sede de Código de Trabalho, a prestação de serviços é um negócio jurídico firmado entre partes em que o prestador se obriga a realizar algum tipo de atividade em troca de uma contraprestação (ou seja, uma remuneração) do chamado tomador (cliente).

  10. A remuneração corresponde, assim, a uma contraprestação ou retribuição por uma etapa de trabalho/serviço, paga diretamente pelo empregador ao prestador, correspondendo à contrapartida da actividade, sendo que, a relação estabelecida entre as partes é sinalagmático, encontrando-se, de um lado, a força de trabalho disponibilizada pelo prestador do serviço, e, do outro, a prestação pecuniário devida pela entidade em virtude daquela disponibilização.

  11. Ora, o carácter esporádico da prestação de serviços que for devida ao prestador não afasta o critério de definição do conceito de remuneração, pelo que, atendendo a tal facto, mal andou o MM° Juiz a quo ao considerar que os créditos que o aqui Recorrente auferiu pelos serviços prestados como motorista ao serviço das duas entidades acima descritas, não se enquadram na previsão do n.° 1 do artigo 738.° do Código de Processo Civil, pois, pese embora o crédito referido nos autos não tenha a natureza periódico, ou melhor, permanente, eles provêm dos serviços prestados pelo aqui Recorrente enquanto motorista para as duas sociedades supra identificadas, e, como tal, por identidade de razão, deverá ser aplicável o regime previsto no artigo 738.°, n.° 1 do CPC.

  12. Acresce que, como tem sido assinalado jurisprudencialmente, a ratio essendi da impenhorabilidade relativa ou parcial que o inciso normativo transcrito consagra, baseia-se primordialmente em razões que se prendem com a dignidade da pessoa humana, pelo que, in casu, importa apurar se o crédito do recorrente devido em consequência de serviços por si prestados enquanto motorista, comunga das caraterísticas que conduziram o legislador a estabelecer a mencionada impenhorabilidade relativa.

  13. Entende o aqui recorrente que, o contexto da atribuição desses créditos que a si são devidos pelos serviços prestados enquanto motorista, assume inequivocamente a natureza de prestação destinada a assegurar a sua subsistência, sendo, pois, subsumível à fattispecie do art. 738°, n° 1 in tine, apresentando-se, desse modo, como parcialmente impenhorável.

  14. Em consonância com a rafio da citada dimensão normativa, a impenhorabilidade relativa (ou parcial) não está tanto na periodicidade do pagamento das atribuições patrimoniais nela mencionadas, mas fundamentalmente no seu destino, ou seja, estarem essencialmente vocacionadas a garantir a satisfação das necessidades do executado –aqui Recorrente-, interpretação esta que se mostra perfeitamente consonante com o texto legal já que nele se alude a “prestações de qualquer...

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