Acórdão nº 5102/07.0TBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. A. C.

e R. M.

(aqui Recorrentes), residentes na Rua …, freguesia do (...), concelho de Guimarães, deduziram a presente oposição, por meio de embargos de executado, a prévia acção executiva (intentada por X - Instituição Financeira de Crédito, S.A., contra A. C. & Filhos, Limitada e contra eles próprios, para pagamento coercivo da quantia de € 10.441,43, sendo título executivo uma livrança, aceite pela Sociedade primeira co-executada e avalizada por eles), contra X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.

, com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo que · fossem absolvidos da instância executiva, revogando-se a mesma e anulando-se as penhoras ali realizadas.

Alegaram para o efeito, em síntese, que tendo A. C. & Filhos, Limitada celebrado com a Embargada/Exequente, em 22 de Dezembro de 2003, um contrato de venda a prestações de um veículo automóvel, com financiamento, garantiu aquela primeira Sociedade o seu bom cumprimento com o aceite de uma livrança em branco, que eles próprios avalizaram.

Mais alegaram que, vindo o contrato a ser resolvido em 11 de Junho de 2007, por incumprimento de A. C. & Filhos, Limitada, e recebendo a Embargada/Exequente na mesma data o veículo automóvel dele objecto (de que tinha reserva de propriedade), veio-o porém a preencher abusivamente a livrança em seu poder, uma vez que fez constar da mesma o montante de todas as prestações então vincendas, o que seria incompatível com o regime da resolução contratual (que apenas admitiria a indemnização do interesse contratual negativo) e das cláusulas contratuais gerais.

1.1.2.

Admitida liminarmente a oposição à execução, e regularmente notificada, a Embargada/Exequente (X - Instituição Financeira de Crédito, S.A.) contestou, pedindo que a oposição fosse julgada improcedente, prosseguindo a acção executiva contra os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.).

Alegou para o efeito, em síntese, ter preenchido a livrança em causa mercê de prévio pacto de preenchimento, autorizando a aposição na mesma dos valores então em dívida por força do contrato de crédito ao consumo que garantia, o que exclusivamente fez.

Mais alegou que o dito contrato previa expressamente que a sua resolução determinaria o vencimento antecipado das prestações vincendas, no caso trinta e uma, no valor global de € 23.783,20, a elas acrescendo as prestações vencidas e não pagas à data da resolução; e tendo ainda imputado em benefício dos Embargantes/Executados (A. C. e R. M.) o valor de € 21.238,00, resultante da venda do veículo automóvel entregue.

1.1.3.

Foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância e fixando o valor da causa em € 10.441,43); e dispensando a selecção da matéria de facto assente e controvertida, face à alegada manifesta simplicidade da causa.

1.1.4.

Cumprido o demais legal, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a oposição parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Em face do exposto, julgo a oposição parcialmente procedente, prosseguindo a execução para cobrança da livrança, deduzindo ao respectivo montante, nos termos acima referidos, o valor de € 1.020,32 (correspondente à diferença entre o valor de € 22.258,32 e o valor de € 21.238,00) e a parte respeitante aos juros remuneratórios de prestações em dívida referentes a período de tempo não decorrido, bem como a parte referente a capitalização desses juros e ao imposto de selo.

Custas pela exequente e pelos executados, na proporção dos respectivos decaimentos, nos termos do art.º 446º, nºs 1 e 2 do Cód. Processo Civil.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Embargantes/Executados (A. C. e R. M.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, sendo substituída por decisão que os absolvesse de todos os pedidos.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

  1. CONCLUSÕES A douta sentença proferida, jugou a oposição parcialmente procedente, prosseguindo a execução para cobrança da livrança, (…..).

    Os executados, melhor identificado nos autos acima referenciados, não podendo conformar-se com a douta sentença proferida nos mesmos, dela, vem, interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

    O presente recurso, visa, também, a reapreciação da matéria de facto para ser alterada nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, pelo que, se impugna a decisão proferida sobre a mesma nos termos do artigo 640.º do mesmo código.

    I) Nestas alegações e respectivas conclusões, os recorrentes partem da ideia de que a quantia constante da livrança visa restabelecer a situação que se verificaria se a exequente não tivesse celebrado o contrato (dano negativo), quando aquela foi subscrita e entregue para garantir o cumprimento. E partem dessa ideia porque, no seu entender, em caso de resolução contratual, só este dano pode ser objecto de indemnização. Assim, a questão que se nos depara consiste em saber se a livrança dada à execução foi preenchida abusivamente porque se destinava a garantir as prestações correspondentes ao cumprimento do contrato e a resolução contratual que a exequente levou a cabo só comporta indemnização pelo interesse contratual negativo. Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança. Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.

    II) Quanto ao tipo de contrato celebrado, como matéria de facto dada como assente, o contrato dos autos é um contrato de aluguer de longa duração, vulgo, ALD como de crédito ao consumo com pagamento em prestações.

    III) O contrato de locação financeira é um contrato, a médio ou a longo prazo, destinado a «financiar» alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas mediante o uso de um bem, tendo subjacente a intenção de proporcionar ao «locatário», não tanto a propriedade de determinados bens, mas antes a sua posse e utilização, para certos fins.

    IV) O protótipo do denominado contrato de aluguer do uso de veículo automóvel de longa duração (ALD), concebido pela exequente, de natureza especial, tem por objecto a cedência do gozo temporário de coisa móvel, mediante retribuição, e constituiria uma das modalidades do contrato de locação, designada por aluguer, sendo regulado pelas normas do Código Civil (CC) que regem o contrato de aluguer e pelas respectivas cláusulas contratuais nele insertas que não contendam com qualquer normativo de natureza imperativa, atento o preceituado pelos artigos 16.º e seguintes, do DL n.º 354/86, de 23 de Outubro, e 1022.º e seguintes, do CC.

    V) Tratar-se-ia de uma coligação funcional de três tipos contratuais distintos que constituem o seu esqueleto estrutural, ou seja, de um contrato de aluguer de longa duração, donde deriva, por metonímia, a sigla ALD, de um contrato de compra e venda a prestações e de um contrato promessa de compra e venda do bem alugado.

    VI) Contudo, diversamente do que acontece no contrato de locação financeira, no ALD, o locatário não se torna, automaticamente, proprietário do bem locado, mas tal acontece, apenas, na hipótese de o pretender, atento o disposto pelos artigos 2.º, n.º 1, a), 3.º, a), parte final, e 9.º, n.ºs 1 e 5, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.

    VII) Deste modo, o ALD é um contrato de concessão de crédito ao consumo, em que a concessão de crédito se opera, não mediante o empréstimo de dinheiro, mas antes através do fraccionamento e inerente deferimento da execução da obrigação de o locatário reembolsar o locador da despesa efectuada na aquisição do bem objecto do contrato.

    VIII) Assim, é aplicável ao ALD o regime de concessão de crédito ao consumo, definido pelo artigo 2.º, n.º 1, a), do DL n.º 359/91, 21 de Setembro, com as alterações subsequentes dos DL’s n.ºs 101/2000, de 2 de Junho, 82/2006, de 3 de Maio e 133/2009, de 2 de Junho.

    IX) Dos autos resulta dos factos assentes a resolução contratual operada, reiterando e salvo melhor opinião, a questão a decidir é se a apelada pode dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento que só comporta (só devia comportar) indemnização pela violação do interesse contratual negativo, após ter resolvido o contrato celebrado com o apelante. Dúvidas não subsistem que existiu um pacto de preenchimento da livrança. Contudo, e salvo melhor opinião, existiu um abuso no preenchimento da livrança.

    X) Temos que, o contrato celebrado entre exequente e executado foi resolvido por aquele, (conforme, Ponto 12 - dos factos assentes.

    XI) Na verdade, está vedado à exequente dar à execução uma livrança que serviu de garantia de bom cumprimento, quando o que “devia apenas” peticionar uma indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

    XII) Isto é, pretende agora a exequente ser indemnizada por aquilo que deixou de obter em virtude de se ter frustrado o negócio.

    XIII) Mais, não se encontra provado, pela análise da matéria de facto dada como provada, que a exequente estava autorizada a preencher a livrança com valores respeitantes à indemnização pelo interesse contratual positivo mas, tão só, à indemnização pelo interesse contratual negativo.

    XIV) Salvo melhor opinião, resta apenas à exequente intentar a competente acção judicial de condenação com vista à sua indemnização pela violação do interesse contratual negativo.

    XV) Assim: Em 22.12.2003, foi efectuado o contrato de crédito ao consumo, com subscrição da livrança em branco; a partir da 35 prestação vencida a executada deixou de pagar as prestações; em 09-05-2007, a X enviou aos agora opoentes uma carta com...

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