Acórdão nº 5629/17.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Os autores J. T. e mulher M. F., por si e na qualidade de únicos e legais representantes de seu filho menor J. F., e B. R., intentaram contra os réus P. L. e mulher O. M. e UNIÃO DE FREGUESIAS DE (...), ação declarativa com processo comum.

Apresentaram o seguinte petitório: “Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e julgada, sendo os réus condenados a reconhecerem que: a) os autores são donos e possuidores do prédio acima descrito, actualmente de natureza urbana, que aos primeiros autores foi vendido pelos primeiros réus sob compromisso expresso por estes e aceite pelos compradores de que lhes era transmitida uma área real de terreno rústico de 1550 m2, a confrontar de Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José; b) o referido prédio dos autores não confina, salvo nas suas confrontações Sul e Poente, com qualquer caminho público, antes integra a área que os réus propalam constituir o citado caminho; c) a freguesia de (...), a que sucedeu a União de Freguesias de (...), jamais adquiriu, por cedência dos primeiros réus ou destes e terceiros, nem por qualquer outra forma, qualquer parcela de terreno que corresponda ao caminho que alegam existir e que alegam ter natureza pública; d) a parcela de terreno correspondente a esse pelos réus alegado “caminho público” sempre esteve integrada e foi parte componente do prédio adquirido pelos autores, pelo que lhes pertence, pois foi por estes adquirida do modo descrito nos autos; e) entregarem definitivamente aos autores essa parcela de terreno, completamente livre e devoluta de pessoas e bens; f) pagarem aos autores e a cada um deles, em ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos, a importância que modestamente se computa em 5.000,00€; g) jamais perturbarem a posse ou o direito dos autores sobre a indicada parcela de terreno ou questionarem a sua propriedade sobre a parcela em causa.

Ou, subsidiariamente, e no que respeita ao pedido de reconhecimento da propriedade da parcela em questão, no caso de este improceder, somente os primeiros réus serem condenados a: h) pagarem aos autores uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor real do prédio vendido e aquele que lhe for atribuído, após a amputação da área dita ter sido cedida ao domínio público; i) pagarem as custas do processo e condigna procuradoria.” Alegaram, para efeito dos pedidos principais formulados – alíneas a) a g) –, a aquisição, por usucapião, do prédio em que, segundo os mesmos, se integra a parcela em questão e a ocupação pela União de Freguesias da dita parcela, que aquela, com a cumplicidade dos primeiros Réus, refere estar integrada no domínio público, o que lhes causa prejuízos.

Já para efeito do pedido subsidiário – formulado na alínea h) –, na hipótese de improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a aludida parcela, invocaram que o Réu P. L. informou o primeiro Autor que o prédio tinha 1550 m2 e que tinha as confrontações que constam da escritura pública, informações estas que, para o referido Autor, foram essenciais para a decisão de contratar, tendo na escritura os primeiros Réus declarado vender (ao primeiro Autor, J. T., como decorre da escritura junta) um prédio com a dita área de 1500 m2 – recebendo o preço correspondente a essa área – só tendo vendido, de facto, 1389 m2.

Os Réus contestaram.

A 2ª Ré, União de Freguesias, contestou invocando a existência de caso julgado e/ou de autoridade de caso julgado, enquanto exceção dilatória inominada.

Os primeiros Réus suscitaram igualmente a exceção de caso julgado e a caducidade relativamente ao pedido subsidiário, atento o disposto no art. 287º do Cód. Civil.

Notificados para aperfeiçoarem por requerimento a descrição do trato de terreno em questão, os Autores vieram fazê-lo nos termos constantes de fls. 189 e 190.

Face ao dito aperfeiçoamento, os Réus reiteraram as respetivas posições anteriores, impugnando o alegado.

Notificados para responderem às exceções suscitadas, os Autores vieram dizer, a fls. 196 e ss., que entre as duas ações em causa há falta de identidade de sujeitos, não tendo, nomeadamente, a Freguesia sido admitida a intervir no anterior processo – nem tendo, depois de citada nos termos do art. 15º da Lei da Ação Popular, formulado qualquer declaração de adesão – e, assim, não tendo sido parte na ação, os pedidos e as respetivas causa de pedir são diversos, ao que acresce, no que toca aos pedidos formulados contra os Réus P. L. e O. M., que, diferentemente do que sucedia na primeira, se questiona na presente ação o objeto do negócio celebrado entre os referidos Réus e os primeiros Autores.

Quanto à invocada caducidade, defendem só ter tido conhecimento do comportamento dos referidos Réus em 17.07.2017, quando lhes foi entregue uma certidão da 2ª Repartição das Finanças de Guimarães, sendo que, de qualquer modo, não se aplica ao caso o normativo referido por aqueles Réus.

Na sequência de tais articulados, foi designada diligência para tentativa de conciliação e inspeção ao local, no âmbito da qual foi exarado despacho onde se mostra consignado ter ficado esclarecido que a parcela de terreno, reclamada pelos Autores, descrita na p.i. e no subsequente requerimento de aperfeiçoamento, “está englobada no caminho que esteve em discussão na Ação nº 206/12.0TBGMR, concretamente, tal parcela de terreno faz parte do caminho descrito nas alíneas j) e s) dos factos dados como provados na sentença proferida naquele processo”. (cfr. fls. 220) Foi, de seguida, proferido saneador-sentença que: - julgou os Réus P. L. e O. M. partes ilegítimas no que concerne ao pedido formulado na alínea e) e, em consequência, os absolveu da instância quanto ao referido pedido; - julgou improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas a) a i) do petitório da petição inicial e absolveu os Réus dos mesmos.

Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: 1º O despacho saneador sob recurso absolveu os réus do pedido julgando verificada a exceção dilatória do caso julgado por erradamente sustentar que a decisão produzida num anterior processo (Proc. n.º 206/12.OTBGMR do então 4º juízo cível do mesmo Tribunal), faz caso julgado na presente ação (Proc. n.º 5629/17.5T8GMR – Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz 1), se não por verificação da tríplice identidade a que se refere o art. 581º do Código de Processo Civil, por se dever verificar a autoridade do caso julgado dessa anterior decisão, em relação ao presente processo, impeditivo aqui de reapreciação dos pedidos agora formulados.

  1. A decisão é formal e substancialmente inadmissível, desde logo porque, tendo a anterior ação sido tramitada como uma ação popular, na legislação a que esse tipo de ações está submetida, existe uma norma própria e expressa quanto às regras de funcionamento do caso julgado – o art. 19º da Lei n.º 83/95, de 31/08 – o que exclui a possibilidade de aplicação das regras do Código de Processo Civil, uma vez que a lei especial derroga a lei geral.

  2. Com efeito, o referido art. 19º estabelece expressamente que os efeitos das sentenças transitadas em julgado nesse tipo de ações, só abrangem os titulares dos direitos e interesses que não tiverem exercido o direito de autoexclusão da representação na ação popular, nos termos do art. 16º, em relação aos processos que tenham por objeto “interesses individuais homogéneos”, ou seja, aqueles interesses que respeitam aos casos em que os indivíduos de uma determinada categoria são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma mesma questão de facto e de direito que exigem um provimento judicial de caráter idêntico, como é o caso do direito à reparação de danos dos consumidores do serviço telefónico público, da prevenção, perseguição judicial de infrações contra a saúde pública, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e o património cultural, isto é, quando se puder falar de “lesões de massas” (cfr. Acórdão do STJ de 23/09/1997, BMJ 469, 432, Doutor José Eduardo Figueiredo Dias, Cedova, 4764 de 02/01/1999).

  3. Não sendo, por isso, o referido regime do caso julgado aplicável ao caso que se discute na ação – cujo objeto é a defesa da propriedade privada, e as consequências do incumprimento, ou do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda – também, no caso concreto, nunca poderia formar-se caso julgado, uma vez que na ação foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada da Freguesia Ré, o que significa que a mesma não foi parte na ação, e não sendo parte não pode beneficiar nem ser prejudicada pelo que nela se decidiu, e ainda porque foram cobrados preparos às partes, em violação do disposto no art. 20º da Lei, e a decisão final não foi publicada, em violação do art. 19º, n.º 2, não podendo, por isso, provocar quaisquer efeitos fora do universo dos sujeitos que aí litigaram.

  4. A sentença produzida na anterior ação, porém, não inclui nem os seus fundamentos nem na sua parte decisória qualquer segmento que refira que o caminho discutido no processo é público e, considerando as regras próprias das ações populares – nas quais o autor popular tem de ter legitimidade própria (ser titular de interesses seus, individuais), e uma legitimidade supletiva (representar os interesses de uma coletividade cujos órgãos decisores não agiram oportunamente na sua defesa) – nunca se pode sustentar que a decisão dessa ação é oponível ou beneficia a Ré União de Freguesias de (...), porque nem sequer estão em causa interesses próprios desta Ré que ela não tenha oportunamente defendido.

  5. - Para assim decidir, o despacho saneador, sem apreciar sequer o possível enquadramento do problema à luz do disposto no art. 581º do Código de Processo Civil (isto é, sem discutir se no caso se repete uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao...

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