Acórdão nº 188/14.3TBPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO José e Maria intentaram ação declarativa de condenação em processo comum contra J. A. e Adelaide formulando os seguintes pedidos:

  1. Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e em consequência, devem os réus ser condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o seu imóvel no qual se inclui o muro que o circunda, e que confronta com os réus do lado nascente.

  2. Devem também ser condenados a reconhecer a existência, (devidamente comprovada nos termos antecedentes e de acordo com o art.º 342, nº 1 do CC conjugado com o art.º 1362, nº1 do CC) da servidão legal de vistas, constituída por usucapião, na qual o prédio dos réus é serviente, com todas as legais consequências que dai advém, como a restrição de não edificação.

  3. Devem ainda, os réus ser condenados na demolição dos edifícios construídos de forma ilegal e em oposição às regras de saúde pública, (tal como provado por despacho da entidade municipal), e em contraposição às regras da edificação nos termos do art.º 1360 nº1 do CC, e/ou em clara violação da servidão legal de vistas, constituída nos termos do art.º 1362, nº 1 e 2 do CC.

  4. Devem os réus ser igualmente condenados por abuso de direito, nos termos explanados no presente articulado, na medida em que violaram o direito dos autores, quando á 30 anos o haviam reconhecido de forma pública e pacífica.

  5. Deverão ainda ser condenados em custas e procuradoria condigna.

    Invocaram como fundamento das suas pretensões a aquisição, por usucapião, do aludido muro e do direito de servidão legal de vistas – alegando, quanto a este último, que existe, na parte superior e nivelada do logradouro do imóvel, em volta da moradia, uma grande superfície devidamente urbanizada e coberta com material cerâmico, sendo que essa parte do logradouro confronta diretamente com o terreno dos réus, permitindo aos mesmos devassar as vistas do terreno dos mesmos réus e adjacentes, existindo ainda, num plano ligeiramente superior ao do logradouro, em cerca de meio metro, mais concretamente, ao nível do piso da casa de habitação, uma varanda coberta, perfeitamente integrada na moradia, com cerca de 6 metros quadrados, a qual serve de acesso à habitação e de espaço de refeições nos meses estivais, pois é contígua à cozinha, sendo que, a parte do logradouro pavimentada e a referida varanda, incidem diretamente sobre o terreno dos réus, permitindo aos autores a devassa da propriedade daqueles, de forma pública e pacífica, à vista de todos, com o consentimento dos réus, sem qualquer oposição ou obstáculo, ocorrendo esta situação desde o momento da construção da habitação dos autores –, mais invocando, para fundamentar as suas pretensões, a prática de atos ilícitos e culposos pelos RR. (construção dos anexos e seu uso, o último dos quais na estrema entre as duas propriedades), bem como o abuso de direito. Os Réus contestaram, impugnando o alegado pelos Autores, sublinhando que dois dos anexos foram construídos há mais de 20 anos, o anexo onde se encontra a instalação de gás dista mais de 4,00m em relação à única janela da casa dos A. que deita diretamente para a propriedade dos RR., o anexo destinado a arrumos dista mais de 6,00m de qualquer abertura existente na casa de habitação dos AA. e o anexo mais recente, na sua parte mais próxima, dista da casa de habitação dos Autores no mínimo 11 metros, mais defendendo que a parte de logradouro pavimentada a que os AA. se referem no seu petitório mais não constitui do que o caminho de acesso à casa de habitação dos AA., e nunca por nunca qualquer esplanada ou terraço como aqueles pretendem fazer crer.

    Quanto ao muro, disseram que o mesmo mais não é do que muro de suporte de terras dos RR., tendo sido por estes edificado e a expensas próprias.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja decisão se reproduz: Pelo exposto, julgando a acção parcialmente procedente: . Declaro os AA. proprietários do prédio urbano identificado no art. 1º da p.i. e descrito supra [em II. A.] . Declaro AA. e RR. comproprietários do muro que separa, em toda a sua extensão, esse prédio urbano propriedade dos AA. do prédio urbano propriedade dos RR., muro esse devidamente caracterizado supra [em II.A.].

    .Absolvo os RR. dos demais pedidos deduzidos.

    *. Custas por AA. e RR. na proporção de 5/6 para os AA. e 1/6 para os RR.

    *Inconformados com a sentença proferida, os Autores interpuseram recurso, apresentando as respetivas alegações e enunciando as seguintes conclusões: 1- Está em discussão nos presentes autos o direito de propriedade dos Apelantes sobre o muro identificado na petição inicial, bem como o direito de servidão legal de vistas a favor do prédio dos Apelantes, como descrito nestas alegações, sendo que tal reconhecimento implica a demolição dos anexos identificados nas presentes alegações, tendo por base os factos descritos e que agora se condensam, bem como nos pedidos a formular a final; 2- Os Apelantes são á mais de trinta anos, donos e legítimos proprietários do prédio urbano, como consta dos autos, tendo, a sentença aqui em crise, reconhecido a propriedade do bem a favor dos aqui Apelantes, tal como consta do registo predial; 3- O prédio em questão, confronta a norte com Luís, a sul com caminho público, a poente com Rosa e a nascente com os aqui Apelados, J. A. e sua esposa.

    4- A totalidade da propriedade dos Apelantes é delimitada por um muro de blocos de cimento rebocados, sendo que no topo do referido muro, colocaram os autores uma rede, tal como resulta evidente do relatório pericial, constante dos autos.

    5- A construção da moradia dos Apelantes, ocorreu com o conhecimento dos Apelados, que consentiram na construção, tendo concordado com o resultado final, a ele não se opondo, aceitando-a, nos moldes que ainda hoje mantém, designadamente, a existência de janelas, portadas, varandas, alpendres e terraços pavimentados, que se encontram orientados directamente para a propriedade dos Apelados, tendo tal situação subsistido sem qualquer entrave durante cerca de três décadas, período no qual os Apelantes sempre usufruíram de varandas e terraços até á extrema das propriedades, realizando refeições ou apenas descansando e aproveitando as vistas, que lhe permitia a situação existente, antes dos actos construtivos dos Apelados.

    6- Sendo que, a parte da varanda e o terraço pavimentado além de existir até á extrema de separação de propriedades, incidem directamente sobre o terreno dos réus, permitindo aos autores a devassa da propriedade dos réus, seja através de apoio no muro existente, seja através de visualização de qualquer local do terraço pavimentado, ocorrendo esta conduta, tal como referido, de forma pública e pacífica, á visa de todos, com o consentimento dos Apelados, sem qualquer oposição ou obstáculo, ocorrendo esta situação desde o momento da construção da habitação dos Apelantes e Apelados.

    7- No entanto, os Apelados edificaram alguns anexos ao longo do tempo, na extrema da sua propriedade, confinante com a dos Apelantes, designadamente; 8- Construíram um anexo, que nos autos em apreço se designou como anexo A,tendo os Apelantes dado o seu assentimento, visto tratar-se de uma zona intermédia entre janela e varandas, que não prejudicava as vistas, na medida em que o anexo se encontra no enfiamento visual da casa dos Apelados, ou seja, foi implantado entre ambas as casas, o que conjugado com a boa relação familiar existente, levou á sua edificação pacifica, dado não lesar os interesses, vistas e direitos dos Apelantes.

    9- Posteriormente, os Apelados construíram um outro anexo, que nos autos figura como anexo B, que ficou localizado exactamente na frente da varanda e terraço pavimentado que os Apelantes utilizam para realizar refeições, de tal edificação, não foram os Apelantes informados, nem muito menos foi colhido o seu consentimento, sendo que no entanto, estes não se opuseram á edificação apesar de a parede que confina com os Apelantes e sua propriedade ter sido utilizada como suporte para uma das paredes do dito anexo, sendo que a dita parede e sua face se encontra implantada em cima do muro, logo, está na propriedade dos Apelantes.

    10- Não tendo tal construção merecido, qualquer censura á data, por parte dos Apelantes essencialmente devido ao facto de o terreno de ambas as partes possuir um desnível de alguns metros, motivo pelo qual, a parede que foi colocada na extrema dos Apelantes se resumir a um muro com cerca de 150 centímetros de altura; 11- Passando os Apelantes, a utilizar o dito muro de baixa altura para se apoiar, sentar, e visualizar o terreno dos Apelados, tratando o dito muro como se de uma varanda se tratasse, e dela retirando os cómodos que qualquer varanda ou similar proporciona a quem beneficia de vistas e do direito às mesmas, tanto mais que o seu terraço pavimentado no qual realizam refeições e descansam confina directamente com o dito baixo muro, passando a família a encarar o mesmo como parapeito para conversar com a família e dele se servindo com naturalidade, dado que a parede colocada na estrema se encontra implantada no seu muro de delimitação da propriedade.

    12- Á cerca de seis anos, os Apelados resolveram realizar um aumento da parede do anexo B, tendo para tanto, colocado mais algumas fiadas de blocos de cimento, o que transformou uma "varanda" de apoio e encosto para devassamento da propriedade dos Apelados, numa verdadeira parede com cerca de dois metros de altura; 13- Sendo que na segunda fase de construção, que consistiu no alteamento do muro os Apelados já não revestiram a parede, tratando-se apenas de uma parede simples de blocos de cimento sem qualquer acabamento, o que comprova duas fases distintas de construção, sendo uma mais antiga e outra recente.

    14- Os Apelantes, ao ser confrontados com a obra que destruiu o muro existente e que impediu a utilização que lhe era dada, tentaram junto dos Apelados, que estes destruíssem a parte nova da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT