Acórdão nº 234/14.0TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDO FERNANDES FREITAS |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- “X, Unipessoal, Ld.ª”, sociedade comercial com sede em Fafe, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o “Banco A, S.A.”, pedindo a condenação desta a: a) restituir-lhe, por depósito na conta bancária identificada no artigo 3.º, a quantia de € 242.769,85 e a quantia de € 19.404,36; b) ver declarado que não está obrigada a pagar as prestações que se forem vencendo, relativamente ao contrato de mútuo, enquanto não for creditada na conta referida na alínea anterior as quantias aí mencionadas; c) indemnizá-la por danos materiais no valor de € 10.000; d) indemnizá-la pelos danos patrimoniais, ainda não apurados, a liquidar em execução de sentença.
Alega, em síntese, que tem por objecto o comércio de automóveis, actividades auxiliares de intermediação financeira, manutenção e reparação de automóveis, tendo celebrado com a Ré, a 29 de Janeiro de 2014, contrato pelo qual esta lhe mutuou a quantia de € 285.000, a creditar em conta de depósito à ordem, que identifica, pelo prazo de quinze anos, à taxa anual nominal de 6,774%, com período de carência de capital e juros por seis meses; no dia seguinte a Ré creditou na conta a quantia mutuada, debitando € 6.034,20 relativos a imposto e despesas do contrato, mas a 4 de Fevereiro seguinte, sem ordem expressa ou autorização, transferiu a quantia de € 242.769,85 para a sociedade “Y – Comércio de Automóveis” e a 5 de Fevereiro voltou a transferir € 19.404,36, correspondentes praticamente a toda a quantia que havia sido mutuada e que ela, Autora, tinha destinado a investimentos em obras de remodelação, compra de máquinas e outros equipamentos destinados ao desenvolvimento da sua actividade.
A Ré contestou contrapondo que a concessão do empréstimo e as consequentes transferências para a Y foram efetuadas no interesse e por instrução da Autora, cujo único sócio é sogro da sócia maioritária daquela sociedade, a qual é sua cliente há vários anos sendo devedora do montante de € 432.430 em Setembro de 2012, e as transferências que efectuou são a sequência de um acordo celebrado entre a Autora e a sócia gerente da Y. Refere ainda que deu nota a esta da necessidade de assinatura da ordem de transferência pelo sogro e sócio-gerente da primeira, tendo a mesma afirmado que iria ser assinada. No entanto, a 7 de Fevereiro este último solicitou que os montantes fossem repostos.
A Autora exerceu o contraditório reiterando o que alegara na petição inicial; negou conhecimento da dívida da Y e ter delineado qualquer estratégia no sentido de solucionar os eventuais problemas desta.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e provada declarou que a A. “X Unipessoal, Ld.ª” não está obrigada a pagar as prestações previstas no contrato identificado nos pontos 10) a 13) da fundamentação de facto, e condenou a Ré “Banco A no seu reconhecimento; absolveu esta Ré dos demais pedidos formulados pela autora.
Nem a Autora nem a Ré se conformaram com a supra transcrita decisão, pedindo ambas a sua revogação, e a sua substituição por outra que, relativamente à primeira, condene a Ré nos pedidos que contra ela formulou, e relativamente à segunda, que se considere válido o contrato de transmissão singular de dívida, ou, a manter-se o entendimento de que ele é nulo, a decisão leve em consideração as consequências legais da declaração de nulidade.
Ambas as Partes contra-alegaram pedindo a improcedência do recurso da contraparte.
Os recursos foram recebidos como de alegação, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
**II.- A Apelante/Autora formulou as seguintes conclusões (as quais, posto não obedeçam à sinteticidade legalmente exigida, por singela comodidade se transcrevem): I. A douta sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, dado que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão.
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Por outro lado, a douta sentença padece de erro de julgamento, já que o contrato de mútuo em causa não é nulo por fraude à lei, já que não está contra o disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, tal como decidiu a douta sentença recorrida.
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Foram dados como provados uma série de factos, sem suporte da prova produzida em julgamento e foram dados como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados, atendendo ao depoimento prestado em julgamento pelas testemunhas que aí depuseram.
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Os factos dados como provados não permitem que se chegue à conclusão que o contrato de mútuo celebrado entre a A. e a R. seja nulo, por fraude à lei, ou seja, que seja contrário ao disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.
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Com efeito, a sociedade mutuária - X, Unipessoal Lda. - tem como seu único sócio e gerente, Fernando, casado, residente na Rua …, concelho de Santo Tirso.
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Como fiadores e principais pagadores da dívida contraída nesse mútuo foram apresentados Maria e Jorge.
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A Y. - Comércio de Automóveis Lda. e a X Unipessoal, Lda. são pessoas colectivas completamente distintas e autónomas.
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A sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. havia sido formada em 2007 e a autora X, Unipessoal Lda., foi formada vários anos depois, em finais de 2012.
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O Jorge nunca foi sócio ou gerente de qualquer destas sociedades, limitando-se a ajudá-las nas oficinas no conserto e embelezamento de veículos automóveis para as duas sociedades, que os comercializavam.
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Nunca praticou, em qualquer dessas sociedades, qualquer acto de gestão, tal como a Maria, sócia e gerente da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. nunca interveio na gestão da A., X, Unipessoal, Lda., que pertence ao seu ex-sogro, Fernando.
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Do mesmo modo, a A. X, Unipessoal Lda., por intermédio de quem quer que seja, nomeadamente do seu único sócio e gerente, Fernando, alguma vez praticou acto de gestão da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda.
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O Fernando, com duas hipotecas, garantiu os pagamentos à R., tanto das dívidas da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. como da X, Unipessoal Lda. e acordou na cessão da posição contratual da locação financeira da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. para a X, Unipessoal Lda., contrato este assinado pela R., pela autora, pela Maria e pelo Jorge, tendo estes dois últimos assinado como garantia uma livrança em branco a favor da R.
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Os depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento em nada podiam levar o tribunal a concluir pela nulidade do contrato de mútuo, por fraude à lei, nomeadamente, por ofensa do disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.
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O n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comercias considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou grupo.
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O único sócio e gerente da sociedade X, Unipessoal Lda., deu, em segunda hipoteca ao R., um prédio, por altura da feitura do contrato de mútuo.
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Mas, tal hipoteca foi dada individualmente pelo Fernando e não pela sociedade de que era único sócio e gerente, ou seja, a A.
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Essa segunda hipoteca destinava-se a garantir o pagamento dos créditos concedidos ou a conceder (incluindo o mútuo entretanto constituído) à sociedade X, Unipessoal Lda., de que era o único sócio e gerente.
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Entender que um sócio, como o faz a douta sentença recorrida, não pode garantir o pagamento dos débitos da sua sociedade é absurdo, contrário à Constituição, ofendendo, nomeadamente, o direito constitucional de propriedade, com as limitações nela previstas - artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se invoca a favor da recorrente.
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O contrato de mútuo em causa não constitui nenhuma assumpção de dívida pela A. para extinguir o passivo da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. perante a R.
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Nem A. nem a sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. fizeram por ocultar o seu verdadeiro propósito, que não era, senão, fazer um contrato de mútuo junto do R. a favor da A. X, Unipessoal, Lda, destinado a investimentos a efectuar por esta, como resulta do contrato de mútuo.
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Tal ocultação não resulta dos documentos juntos aos autos nem da prova produzida em julgamento.
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Dos documentos dos autos apenas resulta um contrato de mútuo celebrado entre A. e R., um contrato de acordo de cessão da posição contratual de locação, celebrado entre a A. e a sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda., tendo nele intervindo, também, os já referidos Maria e o seu ex-marido Jorge, que aí intervieram pessoalmente como garantes desse acordo, subscrevendo, a favor do R., uma livrança em branco.
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Não se pode, por isso, concluir pela existência de fraude à lei no contrato de mútuo.
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O Jorge nunca foi sócio, como já se referiu, da sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. nem da X Unipessoal, Lda. Trabalhava nas suas oficinas e, por vezes, dirigia-se ao Banco.
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O seu pai, Fernando, é homem capaz de dirigir a sociedade X Unipessoal, Lda., que criou, não precisando do seu filho para dirigir tal sociedade.
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Não se transcrevem os depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas, pois os mesmos vêm, praticamente, escritos na sentença recorrida.
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Desses depoimentos, também, como já se referiu, não se pode inferir da nulidade do contrato de mútuo por fraude à lei.
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Algumas das testemunhas indicadas pelo R. tentaram dizer em julgamento que o negócio de mútuo, efectuado pela A., se destinava ao pagamento das dívidas que a sociedade Y - Comércio de Automóveis Lda. tinha com a R.
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Mas, ao fim de contas, cremos que não conseguiram tal desiderato, que era apenas da R. e nunca da A.
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E, a verdade, é que o sócio único e gerente da X Unipessoal, Lda., nunca assinou a autorização ou de qualquer modo...
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