Acórdão nº 1630/17.7T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Maria (aqui Recorrida), residente no …, em Chaves, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. L.

(aqui Recorrente), residente na Urbanização …, em Chaves, pedindo que · a Ré fosse condenada a restituir-lhe os bens móveis que se encontravam no interior de um armazém à data da sua traditio à mesma (no âmbito de um contrato promessa de compra e venda havido entre ambas), ou bens de igual espécie, ou o respectivo valor pecuniário, de € 188.781,19; · a Ré fosse condenada no pagamento de uma quantia pecuniária compulsória, nunca inferior a € 1.000,00, por cada dia de não restituição dos referidos bens móveis; · (subsidiariamente, não sendo a restituição dos bens possível) a Ré fosse condenada a indemnizá-la pela violação do seu direito de propriedade, no montante de € 188.781,19, à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, acrescidos de juros de mora, contados desde o trânsito em julgado da decisão judicial condenatória até efectivo e integral pagamento; · (subsidiariamente, não sendo a restituição dos bens possível e falecendo o fundamento anterior) a Ré fosse condenada a restituir-lhe os bens em causa, ou bens semelhantes, ou o seu valor correspondente, de € 188.781,19, à luz do instituto do enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora, contados desde a data em que aquela obteve o seu enriquecimento injustificado até efectivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, e síntese, que tendo celebrado com a Ré, em 08 de Junho de 2004, um contrato-promessa de compra e venda de parcela a desanexar de um prédio rústico, e armazém nela implantado, com tradição imediata de ambos, não incluiu porém esse acordo os bens móveis que se encontravam no interior do dito armazém, afectos à actividade de construção civil, no valor global de € 188.781,19.

Mais alegou que, vindo o dito contrato-promessa a ser declarado nulo por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, desse modo restabelecendo a situação jurídica existente antes da sua celebração, a Ré não lhe restituiu os bens móveis que se encontravam no interior do armazém, o que deveria ter feito há quatro anos, deles se tendo apropriado.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (M. L.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos formulados; e deduzindo reconvenção, pedindo que · a Autora fosse condenada a restituir-lhe a quantia global de € 234.807,66 (sendo € 155.000,00 a título de benfeitorias feitas no armazém objecto do contrato-promessa declarado nulo, e € 79.807,66 a título de sinal antes pago no seu âmbito), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos.

Alegou para o efeito, em síntese, encontrarem-se prescritos os pedidos subsidiários formulados pela Autora, já que seria de três anos o prazo previsto para o exercício do direito de indemnização por ela exercido, quer fundado na responsabilidade extracontratual, quer no enriquecimento sem causa.

Mais alegou que, tendo pago à Autora, na data de celebração do contrato promessa de compra e venda de parcela de prédio rustico e armazém, havido entre ambas, a título de sinal, a quantia de € 79.807,66, estaria a mesma obrigada a restituí-la, por força da declaração de nulidade respectiva.

Alegou ainda a Ré já ter restituído à Autora os bens móveis que se encontravam no interior do armazém, impugnando porém que os que ali se encontravam inicialmente fossem os referidos por ela, bem como possuíssem o valor que lhes atribuiu; e tendo-o feito em finais de 2011, ser de considerar a passividade da Autora até à instauração destes autos (surgidos apenas depois dela própria a ter demandado em prévia acção executiva, para que lhe pagasse a quantia de € 79.807,66) como renúncia ao direito de compensação de créditos que agora aqui pretenderia exercer, nos termos do art. 853º, nº 2, in fine, do C.C..

Por fim, a Ré alegou ter realizado no dito armazém diversas obras (que discriminou), para permitir a sua utilização, qualificáveis como benfeitorias, no valor de € 155.000,00.

1.1.3.

A Autora replicou, pedindo que se julgassem improcedentes a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré e o seu pedido reconvencional, e reiterando os seus pedidos iniciais.

Alegou para o efeito, em síntese, ser inexistente a prescrição de direitos invocada pela Ré, uma vez que o armazém onde se encontravam os bens móveis cuja entrega aqui reclama apenas lhe foi restituído no final de 2017, constituindo ainda a sua indevida retenção crime de abuso de confiança agravado, pelo que sempre haveria que considerar o seu mais longo prazo de prescrição, de dez anos.

A Autora impugnou todos os factos alegados pela Ré, em oposição àqueles outros por si aduzidos na petição inicial; e, relativamente ao crédito de € 155.000,00 invocado pela Ré a título de benfeitorias, arguiu a excepção de caso julgado (porque já teria sido objecto de prévia decisão judicial, que identificou), defendeu subsidiariamente ser o mesmo inexistente (por a detenção da Ré do dito armazém ser de má fé, quando realizou as invocadas benfeitorias, sendo as mesmas qualificáveis de voluptuárias), e actuar aquela em manifesto abuso de direito, na modalidade tu quoque (ao pretender prevalecer-se da nulidade de um contrato inválido, quando foi ela própria que lhe deu causa); e, relativamente ao crédito de € 79.807,66, arguiu a excepção de litispendência (por o seu pagamento já se encontrar a ser reclamado no âmbito da prévia acção executiva que lhe moveu).

1.1.4.

Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho, julgando não verificados os pressupostos substantivos de admissibilidade da reconvenção deduzida, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) A Autora M. L. aduziu reconvenção, peticionando que deve ser a Autora Reconvinda condenada à restituição à ré/reconvinte a quantia global de 234.807,66 €, (155.000,00 € a título de benfeitorias já supra referidas, e dadas como provadas conforme vem sendo alegado, acrescido do valor de 79.807,66 € valor a ser restituído à ré/reconvinte pela nulidade do contrato conforme ditou o acórdão do STJ), tudo acrescido de acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.

**Em conformidade com o preceituado no art.º 266.º/1 e 2 do Código de Processo Civil, o réu, em reconvenção, pode deduzir pedidos contra o autor: (a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; (b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; (c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Nos termos do n.º 3 do citado artigo, não é admissível a reconvenção, quanto ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.º 2 e 3 do art.º 37.º, do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.

A reconvenção prefigura-se, assim, como uma contra-acção declarativa, condenatória constitutiva ou de mera apreciação, intentada em sede de contestação, em que o réu deduz uma defesa-ataque ou uma acção cruzada contra o autor, procedendo-se à ampliação do objecto do processo mediante uma cumulação sucessiva de pedidos (vd. Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina, 2009, p. 99 e seguintes, Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 322 e seguintes e J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3.ª edição, p. 468 e seguintes).

O exercício do ius reconveniendi estriba-se nos princípios da igualdade de armas e da economia processual, visando a resolução num processo dos litígios reciprocamente pendentes entres as partes (idem).

Noutro plano, a reconvenção não abrange o pedido intentado por um réu contra um co-réu, i.e., entre partes que se situam no mesmo pólo da relação processual, sendo que se afigura linearmente admissível a reconvenção subsidiária, ou seja, aquela que só deve ser apreciada se a defesa por impugnação improceder (vd. Miguel Mesquita, ob. cit., pp. 114-116 e Acórdãos do STJ de 18.4.2006, proc. n.º 06A873 e do TRP de 20.5.2004, proc. n.º 0432573, in www.dgsi.pt ).

Ademais, a admissibilidade da reconvenção postula a efectivação dos pressupostos de conexão material preceituados no n.º 2 do art.º 266.º, do Código de Processo Civil, o cumprimento do requisito processual previsto no n.º 3 do mesmo normativo e a efectivação dos pressupostos processuais gerais aplicáveis a qualquer acção.

Densificando o plasmado no art.º 266.º/2, do Código de Processo Civil, enuncia-se que o réu pode formular pedido contra o autor nos seguintes termos (vd. Antunes Varela, Miguel Mesquita e J.P. Remédio Marques, ob. cit.): i) o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir ou em parte da mesma causa de pedir; ii) o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos em que o réu fundou uma excepção peremptória, assente numa relação de prejudicialidade-dependência, ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial; iii) o pedido reconvencional pode ter como fundamento a compensação de créditos, nos termos e para os efeitos contemplados no art.º 848.º/1, do Código Civil; iv) o pedido reconvencional pode fundar-se no direito a benfeitorias, aplicando-se à situações jurídicas em que o detentor da coisa (v.g., depositário, comodatário, locatário, mandatário) é demandado para entregar a mesma e pode, em sede reconvencional, impetrar a...

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