Acórdão nº 15/18.2T8PRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | AFONSO MANUEL ANDRADE |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.
Os poderes de facto conferidos ao retentor sobre a coisa retida resumem-se tão só e apenas à sua conservação, de tal forma que a celebração pelo pretenso retentor de um contrato de subcessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular.
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A litigância de má-fé não é exclusiva da primeira instância, podendo ocorrer nos Tribunais superiores, pois a lei não distingue.
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Quem, depois de ter perdido a acção em primeira instância, com uma determinada causa de pedir, vem litigar para o Tribunal da Relação, invocando, como parte do fundamento para pedir a presente providência cautelar, um direito de retenção que um Tribunal já lhe tinha negado, com trânsito em julgado, deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, e faz do recurso um uso manifestamente reprovável, com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 542º,2,a,d CPC). Ou seja, litiga de má-fé, devendo como tal ser sancionada.
I- Relatório Maria e marido Óscar, com os sinais dos autos, intentaram contra Jorge procedimento cautelar de ARRESTO, alegando em síntese que por contrato de sub-cessão de exploração outorgado em 1/6/2017 cederam ao requerido a exploração do estabelecimento comercial denominado Café X, mas este não pagou nenhuma das mensalidades a que se obrigara. Assim, para segurança do pagamento do seu crédito pediram o arresto de um veículo automóvel pertencente ao requerido.
O Tribunal procedeu à produção da prova indicada pelos requerentes, sem prévio contraditório, e a final decretou o arresto que vinha solicitado.
Em 13 de Janeiro de 2018, o requerido Jorge apresentou oposição à providência de arresto decretada, com vista a alegar factos e a produzir meios de prova que não foram tidos em conta pelo Tribunal e que, no seu entendimento, afastam os fundamentos da referida providência.
Para tanto, alegou que o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial no qual os requerentes fundam o direito de crédito foi declarado resolvido por sentença que transitou em julgado muito antes da celebração daquele contrato, para além do que o crédito em causa foi penhorado, não podendo sequer o requerido solver eventual dívida perante os requerentes.
Mais afirmou o requerido que os requerentes litigam de má-fé, já que omitiram conscientemente o referido facto da resolução do contrato, facto esse que inviabilizaria o decretamento do arresto, assim pretendendo induzir o Tribunal em erro e causando danos ao requerido. Por tal motivo, pede a condenação dos requerentes em multa condigna e no pagamento de indemnização com o valor de € 3.000,00.
Na resposta, alegaram os requerentes serem titulares de um direito de retenção sobre o imóvel a que respeita o estabelecimento comercial objecto do referido contrato declarado resolvido, direito que, no seu entender, os legitima a celebrar contratos de subcessão de exploração do dito estabelecimento, com o que concluem, mais uma vez, pela probabilidade da existência do crédito.
A final veio o Tribunal a proferir sentença que julgou procedente a oposição deduzida e, em consequência, revogou a providência de arresto anteriormente decretada.
Mais decidiu condenar a requerente, como litigante de má-fé, no pagamento de multa no valor de duas unidades de conta e em indemnização com o valor de mil e trezentos euros.
Inconformada, a requerente veio interpor recurso, o qual foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 629º,1, 631º,1, 637º a 641º, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1, todos do Código de Processo Civil.
Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1.
As razões e a respectiva motivação da sua discordância com a douta sentença proferida nos autos assentam, fundamentalmente, nas circunstâncias de facto dadas como não provadas e, provados outros, sem se consubstanciar na prova devidamente produzida pela ora recorrente.
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Efectivamente, a recorrente nestes autos, celebrou com a Sociedade “RA” a 22 de Dezembro de 2004 um contrato que intitularam de “Cessão de Exploração” do Café X sito na Rua …, Peso da Régua, e na vigência do mesmo, a recorrente, desde Janeiro a 16 de Fevereiro de 2005, realizou obras uteis e necessárias no locado.
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Em face de resolução de contrato referido em 2, a recorrente exigiu o ressarcimento do valor das obras ali realizadas quer às senhorias no âmbito do Proc. N.º 357/08.5TBPRG que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua – Juiz 2 do Tribunal da Comarca de Vila Real quer à sociedade cedente no âmbito do Proc. N.º 258/15.0T8PRG – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2 que ainda se encontra em fase de recurso.
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Goza, por isso, a recorrente de Direito de Retenção sobre o locado nos termos do artigo 1406º - 1 do CC, equiparado ao possuidor de má-fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado.
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Veja-se a este propósito o Ac. TRC N.º 458/07.7TBTND.C1 de 09/13/2011 “Em matéria de benfeitorias o arrendatário é, por via do artigo 1406º - 1 do CC, equiparado ao possuidor de má-fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado…, assistindo-lhe quanto às benfeitorias úteis o direito a levantá-las, desde que não haja detrimento para a coisa; não sendo o levantamento possível é o arrendatário de acordo com as regras do enriquecimento sem causa; V – À ideia da recuperação pelo arrendatário, em valor, das benfeitorias não passíveis de levantamento preside a mesma lógica subjacente à obrigação de indemnizar fundada em enriquecimento sem causa por prestação (artigo 473º e ss. do CC): dar resposta a situações em que, por motivos de alterações dominiais, ocorrem transferências de valores entre patrimónios distintos.
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Aliás “como é sabido, nos termos do artigo 759º nº 3 [CC], até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações. Ou seja, caducado o contrato de arrendamento, não há que falar em rendas vencidas ou vincendas, importando sim apurar os direitos das partes, e o certo é que a R/Reconvinte tinha (e tem) o direito de reter a coisa até que lhe seja paga a indemnização pelas obras ali realizadas; uma vez satisfeita esta indemnização, é que passam os AA. a ter o direito de exigir uma qualquer indemnização por uma hipotética ocupação indevida do imóvel – é nisto que se traduz o direito de retenção. Um dos deveres do retentor é então, por força do artigo 671.º a) [CC], o de guardar e administrar, como um proprietário diligente, a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação.
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E ainda os Ac. TRP N.º 10752/11.7TBVNG-A.P1de 02/26/2013 e TRG n.º 2544/08.2 de 01/22/2009 “As providências cautelares, cujo procedimento está previsto nos arts. 382º e ss do Código de Processo Civil, visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao autor, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 23.
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Chamam-se procedimentos e não acções porque carecem de autonomia – dependem de uma acção já pendente ou que vai ser seguidamente proposta pelo requerente (ibid.)”. Para que a providência cautelar proceda, basta que o requerente demonstre, perfunctoriamente, a existência do direito que visa acautelar - “bonus fumus juris”- e que comprove a existência de justo receio da perda ou frustração desse direito, caso a tutela que reclama não lhe seja deferida - “periculum in mora”. Entre as providências cautelares especificadas, conta-se o arresto, que consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, a que são aplicáveis, em princípio, as disposições relativas à penhora – artº 622º do CCivil e 406º, nº 2, do CPCivil.
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Dispõe o nº 1 do artº 619º do CCivil que “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo”, estando por isso tal procedimento regulado nos artºs 406º a 411º do CPC. Assim, dispõe igualmente o nº 1 do artº 406º do CPCivil, que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer arresto de bens do devedor”. Examinadas as provas produzidas e mostrando-se preenchidos os requisitos legais, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária (arts. 407º, nº 1, e 408º, nº 1, ambos do CPCivil). São requisitos cumulativos da providência cautelar do arresto preventivo a probabilidade da existência do crédito do requerente e o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
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Tendo em conta, não só a estrutura simplificada do procedimento cautelar do arresto, mas também a sua natureza provisória, tem-se entendido que, no que respeita ao primeiro requisito, basta uma prova indiciária ou um juízo de mera probabilidade, tal como resulta aliás, do preceituado no artº 384º nº 1 do CPC. Ou seja, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir-se o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se impõe relativamente aos fundamentos da acção principal, bastando que se conclua pela probabilidade séria da existência do crédito do requerente, que se reconduz à mera aparência do respectivo direito.
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Por outro lado, a oposição ao arresto por parte do requerido, que tem lugar depois do seu decretamento, destina-se à alegação de factos ou à produção de provas que possam afastar os...
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