Acórdão nº 121/15.5GAVFL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 04 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em audiência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 121/15.5GAVFL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (transcrição [1]): «VI. Dispositivo Termos em que: 1.
Condeno o arguido L. V. pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152º, n.º 1, al.a) e al.c), n.º 4 e n.º 5, todos do Cód. Penal, aplicando-lhe a pena de dois anos e oito meses de prisão; 2.
Suspendo a execução da pena de prisão por idêntico período subordinada à seguinte condição: a.
sujeição a um programa específico de prevenção de violência doméstica, o qual deverá incidir especificamente sobre a consciencialização da ilicitude da sua conduta, o controlo da agressividade e o aprender a gerir mais adequadamente as suas emoções em situação familiar (arts. 53º, 54º e 152º, n.º 4 do Cód. Penal; 3.
Condeno o arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de armas durante um período de tempo equivalente ao da suspensão da pena de prisão (art. 152º, n.º 4 do Cód. Penal). 4.
Em sede de pedido de indemnização civil, condeno o arguido a indemnizar a ofendida na quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não-patrimoniais ocasionados com a sua conduta.
*Custas criminais pelo arguido, as quais se fixam em 2UC (art. 513º, n.º1 do Código de Processo Penal).
Custas cíveis pelo arguido (art. 527º, n.º 2 do Código Civil)*Remeta boletim à D.S.I.C (art. 6º, al.a) da Lei n.º 37/2015).
*Registe e deposite (art. 373º, n.º 2 e art. 372º, n.º 5 do Código de Processo Penal).» 2.
Inconformado com essa condenação, o arguido recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões (que embora pela sua excessiva extensão se afastem claramente do que é legalmente previsto e desejável - um resumo das razões do pedido -, ainda assim se opta por transcrever integralmente): «CONCLUSÕES: I – O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, que condenou o recorrente: “1. […] pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152º, n.º 1, al.a) e al.c), n.º 4 e n.º 5, todos do Cód. Penal, aplicando-lhe a pena de dois anos e oito meses de prisão; 2. Suspen[dendo] a execução da pena de prisão por idêntico período subordinada à seguinte condição: a. sujeição a um programa específico de prevenção de violência doméstica, o qual deverá incidir especificamente sobre a consciencialização da ilicitude da sua conduta, o controlo da agressividade e o aprender a gerir mais adequadamente as suas emoções em situação familiar (arts. 53º, 54º e 152º, n.º 4 do Cód. Penal; 3. Conden[ando] o arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de armas durante um período de tempo equivalente ao da suspensão da pena de prisão (art. 152º, n.º 4 do Cód. Penal).
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Em sede de pedido de indemnização civil, conden[ando] o arguido a indemnizar a ofendida na quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não-patrimoniais ocasionados com a sua conduta.
”.
II – Do erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP) III – Em primeiro lugar, e de acordo com o facto provado n.º 27., constante da sentença ora recorrida, resulta o seguinte: “O arguido pretendeu amedrontar e intimidar J. F. com o anúncio da prática, no futuro, de atos atentatórios da sua vida e integridade física, o que conseguiu e se revelou adequado a provocar-lhe sentimentos de insegurança, intranquilidade e de medo, prejudicando a sua liberdade individual de decisão e de ação.”. (negrito e sublinhado nossos).
IV – Sucede, porém, que do facto não provado n.º 34, decorre exatamente o contrário, atentemos: “Que J. F. tenha passado a evitar locais, trajetos e situações em que previsse a presença do requerido e a evitar comportamentos que previsivelmente o enfurecessem, ficando limitada, de forma continuada, na sua liberdade de agir e de se deslocar.
”. (negrito e sublinhado nossos).
V – O erro notório na apreciação da prova é um vício da decisão, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
VI – Tal vício verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
VII – Atendendo a que os factos supra transcritos decorrem do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito, o que inviabilizaria a arguição do vício nos termos requeridos, dúvidas não podem subsistir sobre a sua efetiva verificação.
VIII – Isto é, o Tribunal a quo ao dar como provado que a ofendida viu a sua liberdade de decisão e de ação prejudicadas, não pode, ao mesmo tempo, e em flagrante contradição, dar como não provado que a ofendida não ficou limitada na sua liberdade de agir e de se deslocar.
Mais, IX – O douto Tribunal a quo deu ainda como provado que “[…]o arguido circulou com J. F. no seu veículo automóvel a uma velocidade superior ao limite legal de 50KM/h, na freguesia de F.” – facto provado n.º 11.
X – Contudo, entendeu por provado que a ofendida “J. F. abriu a porta do mencionado veículo automóvel e o arguido agarrou tal porta e fechou-a.”. – facto provado n.º 13.
XI – De acordo com as regras da experiência comum, bem como da lógica inerente, afigura-se-nos manifestamente impossível – para não dizer deveras hollywoodesco – que alguém que conduza uma viatura a alta velocidade consiga alcançar a porta do lado do passageiro – entretanto aberta pela ofendida numa “pseudo” tentativa de se atirar da viatura – fechando-a de seguida.
XII – Não é de todo plausível, credível ou sequer viável que um condutor conseguisse, nas circunstâncias descritas pela ofendida, alcançar a porta do lado do passageiro enquanto conduz desenfreadamente o veículo, desafiando as mais básicas regras da física.
XIII – Ao dar como provada tal factualidade o Tribunal a quo, salvo devido respeito, desafiou as regras de experiência e senso comum, pelo que tal factualidade deverá ser tida como não provada.
XIV – Quanto aos factos INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS, resultam os mesmos do teor das declarações da ofendida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como do teor do depoimento das testemunhas arroladas e inquiridas naquela sede.
XV – A valoração da prova em sentido diverso – fora o caso de erro notório supra invocado – ao pugnado pelo arguido, merece tratamento em sede erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º do CPP, através do controlo do erro na apreciação das provas (sobre a sua admissibilidade e valoração dos meios de prova) e a consequência imediata da sua procedência, é a modificação da matéria de facto – ex vi artigo 431.º do CPP.
XVI – Mais se diga a este título que a livre apreciação da prova não significa pura convicção subjetiva.
XVII – Conforme salienta FIGUEIREDO DIAS in “Direito Processual …”, p. 139, está associada ao “... dever de perseguir a chamada “verdade material”-, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efetivos).” XVIII – Nesta senda, não se conforma o arguido com o julgamento efetuado pelo douto Tribunal a quo acerca dos pontos de facto contidos nos n.ºs 8. a 15., 17. e 20. a 28. do elenco dos factos provados, uma vez que, no seu entendimento, deles se não fez prova em sede de audiência de discussão e julgamento! XIX – Pelo que invoca, para o efeito de demonstrar e defender que se justifica a alteração do sentido do decidido, as declarações da ofendida e os depoimentos das testemunhas inquiridas, que de seguida irá transcrever, observando o ónus imposto pelo disposto no artigo 412.º, n.º 4 do CPP.
XX – De acordo com as declarações da ofendida, o reatar da relação correu bem durante os três meses – Dezembro de 2014 e Março de 2015 –, em que arguido e ofendida viveram na casa desta última em F..
XXI – Contudo, após o arguido ter regressado à Suíça – e encontrando-se este a mais de 1500 km de distância da ofendida –, começaram os episódios “traumáticos” segundo a ofendida, nomeadamente, chamadas telefónicas realizadas pelo arguido para o seu telemóvel e para o número fixo da sua residência – facto provado n.º 8.
XXII – Em tais telefonemas, de acordo a matéria de facto provada, o arguido dizia que a ofendida “Tinha dois amantes, um em Vila Real e outro em Mirandela” e “Vais para a discoteca em Macedo de Cavaleiros” – facto provado n.º 9.
XXIII – Com tais expressões, ademais constantes dos factos provados da sentença ora recorrida, entende o Tribunal a quo que o mesmo pretendeu ofender a sua honra e consideração, atentando contra a sua dignidade pessoal.
XXIV – Não podemos, porém, concordar com a interpretação levada a cabo pelo douto Tribunal a quo, sem mais.
XXV – O Tribunal a quo, ao decidir em relação ao teor dos telefonemas, acusações de ter amantes e de frequentar discotecas, valorando integralmente as declarações da ofendida, na medida em que a mesma referiu tais factos – não sendo percetível que tivesse desposto com animosidade em relação ao arguido ou com intenção de inventar factos para o incriminar, deixando, bem pelo contrário, no Tribunal a perceção de ter deposto com considerável objetividade – andou mal! XXVI – Nesta senda, do depoimento da ofendida acerca desta factualidade resulta, saliente-se, a mero título exemplificativo, que a mesma revelou (in)fundadas suspeitas de relacionamentos mantidos pelo arguido com outras mulheres, atribuindo a tais relacionamentos a origem do alegado “tratamento” que o arguido lhe dava.
XXVII – Salvo melhor opinião, do depoimento transcrito nas motivações do presente recurso, e que ora damos por reproduzido para os devidos e...
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