Acórdão nº 5182/15.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | EUG |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A herança de António C., representada pelo cabeça de casal Domingos C., intentou ação declarativa, com forma de processo comum, contra Palmira C.
, pedindo: - que se declare que a Ré se encontra na posse da quantia que lhe foi doada por seu pai António C., em 26 de Janeiro de 2001, quantia esta que por ter sido de 74.820,00 €, por virtude da atualização da moeda, corresponde ao montante de 97.509,62€, à data do óbito daquele; - que se declare que tal quantia, porque doada por conta da legítima da donatária, ora Ré, terá de ser trazida a conferência, por colação, da herança de seu pai para, assim, se apurar o quinhão hereditário de cada um dos herdeiros daquele.
Alega, para tanto, que a doação feita por cheques, em vida pelo pai de ambos à Ré foi efetuada por conta da legítima e, como tal, em sede de inventário por morte daquele deve ser levada à colação.
A Ré, citada, contestou, defendendo-se por exceção, ao invocar a ilegitimidade do autor para, por si, ainda que como cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai mas desacompanhado os restantes herdeiros, estar na lide, e no mais, aceitando a doação, data e valor da mesma - cfr art. 14º -, impugna a alegada intenção com que foi feita, invocando que o foi com intenção de a beneficiar, tendo sido feita por conta da parte da herança disponível de seu pai.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada improcedente a exceção invocada pela ré. Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, despacho que não foi objeto de reclamação.
*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
*Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Com tais fundamentos julgo a ação procedente por provada e consequentemente: - declaro que a quantia de 97.509,62€ correspondente ao valor atualizado da doação de 74.820,00€ ocorrida no ano de 2000 pelo falecido pai António C. à ré foi por conta da legitima e terá de ser levada à colação para igualação dos quinhões hereditários de cada um dos herdeiros.
Custas a cargo da ré”.
*A Ré apresentou recurso de apelação pugnando pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto quanto à matéria provada constante de e), f) e g) (alíneas que correspondem ao vertido nos artigos 8º a 10º, da petição inicial), que devia ter sido considerada não provada e pela revogação da sentença proferida, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I) Os factos correspondentes ao vertido nos artigos 8, 9 e 10 da P.I. e levados à base instrutória sob os quesitos e), f) e g), tendo, todos eles, sido considerados “provados” quando deveriam ter merecido a resposta de “não provados”.
II) Sobre tal matéria pronunciaram-se as testemunhas, Celeste e Manuel. Ora, ao contrário do que se afirma na douta sentença, os depoimentos das referidas testemunhas e declarantes foram imprecisos, calculistas e tendenciosos, pois limitaram-se a falar sempre no mundo das hipóteses, “teria”, “terá acontecido”, “foi assim”, pois nunca viram nada, não assistiram a nada, ou seja, afirmar aquilo que o Autor quis ouvir, que o dinheiro dado à sua irmã tem de ser levado à colação para igualação dos quinhões hereditários.
II) Ora, a obscuridade é evidente: a testemunha Celeste quando questionada se o seu Pai alguma vez beneficiou os seus irmãos e a ela própria, a mesma foi perentória ao afirmar que o seu pai nunca tinha favorecido o seu irmão nem a ela própria.
IV) Sucede porém que, analisados os documentos juntos aos autos, nomeadamente os testamentos e a relação de bens, desmentem categoricamente o afirmado pela referida testemunha, isto porque, tanto a Celeste como o seu irmão foram beneficiados pelo seu Pai.
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Acresce ainda, que a referida testemunha foi perentória ao afirmar que o documento denominado “Declaração”, valorado como prova, era um documento manuscrito, não sabe quem o fez e que o traduziu.
VI) Assim, “o rigoroso e sóbrio” depoimento foi prestado por alguém que está de relações cortadas com a sua irmã e a sua cunhada Celeste – Ré – há mais de vinte anos.
VII) Pelo que, existem sérias dúvidas que a assinatura constante na Declaração fosse feita pelo punho do inventariado, pois a perícia foi limitada pelo traçado irregular, com paragens e pouco característico das escritas em confronto e por maioria das assinaturas remetidas para comparação se apresentarem em fotocópias, algumas pouco nítidas.
VII) A quantia de € 74.820,00 foi doada com dispensa de colação. Logo: não deve vir ao acervo patrimonial do inventariado, posto que era intenção do inventariado privilegiar de forma inequívoca a donatária em relação aos outros co-herdeiros.
IX) Na douta decisão impugnada foi totalmente ignorada a vontade do inventariado.
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Como é consabido: o instituto da «colação» cifra-se na restituição, feita pelos descendentes, dos bens ou valores que o ascendente lhes doou, quando pretendam entrar na sucessão deste.
Tem por fim a igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança (art. 2104º do C. Civil).
Dito isto.
XI) Estabelece o art. 2113.º do C. Civil (Dispensa da colação): “...1. A colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou posteriormente. 2. Se a doação tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por testamento, pode ser dispensada a colação. 3. A colação presume-se sempre dispensada nas doações manuais e nas doações remuneratórias...”.
Assim: XII) A dispensa da colação por ato do doador tem natureza negocial. Deve ser expressa. Se tácita, terá de ser concludente: expressamente, o doador não dispensa a colação.
XIII) Nada dizendo, ou sendo omissa qualquer referência, o que se presume é que não há dispensa da colação e que o doador não quis beneficiar os donatários senão pela antecipação do gozo e fruição do bem doado. Nessa situação funciona o regime supletivo previsto no art. 2108º do C. Civil. O beneficiário da doação fica obrigação a conferir.
XIV) Aqui vontade, a extrair do texto do documento, de acordo com as regras da interpretação do negócio jurídico (artigos 236 a 238º do C. Civil), não se presume.
XV) A colação, na sua dinâmica, corresponde, a uma operação intelectual de restituição fictícia dos bens doados, para efeito de cálculo e igualação da partilha, devendo ser conferidas todas as doações, como tal sendo havidas as despesas referidas nos artigos 2110º, nº1, 2111º e 2113º, nº, 3 do C. Civil.
XVI) No que concerne à determinação do valor dos «bens doados», é o que eles tiverem “...à data da doação...”, princípio que é a afloração da regra geral da relevância do momento da abertura da sucessão (art. 2109º, nº 2 do C. Civil).
XVII) Na situação sub iudicio resulta claro, que o inventariado doou, com dispensa expressa de colação, a quantia de € 74.820,00, à ora recorrente.
XVIII) Por evidente se conclui, operada a atinente subsunção legal, que tal quantia não deve ser relacionada.
XIX) Não devia o Tribunal a quo basear-se apenas nas regras da experiência comum, mas também nas concretas circunstâncias do caso, nomeadamente, e ao contrário do que é entendido pelo Tribunal recorrido, nenhuma semelhança existe entre as assinaturas apostas na Declaração, nos cheques, nos testamentos e no Bilhete de identidade.
XX) De uma simples observação óptica verifica-se as discrepâncias entre as variadas assinaturas dos documentos juntos aos autos.
XXI) Nas assinaturas efectuadas pelo punho do inventariado, no nome, verifica-se não coloca o rasgo final curvo e descendente da barra final da assinatura.
XXII) O rasgo final curvo e descendente da barra final da assinatura demonstra que tal assinatura não foi feita pelo inventariado, porquanto em nenhum dos documentos juntos aos autos se verifica o referido rasgo final curvo.
XXIII) Só este facto seria suficiente para abalar a convicção do Tribunal a quo, quanto à veracidade da assinatura e do documento, no entanto, existem outros factos, que colocam em causa tal veracidade, nomeadamente, as declarações da testemunha Celeste Carvalho ouvida na audiência de discussão e julgamento.
XXIV) Foi afirmado pela testemunha, que a alegada Declaração seria um documento manuscrito, feito pelo punho do seu Pai, só ela conseguia traduzir, e que não viu de facto quem a assinou.
XXV) Certo é que essa alegada Declaração manuscrita não foi junta aos autos, para comparação com a Declaração feita a computador.
XVI) Mas mesmo assim para o Tribunal recorrido "...serviu ainda cormo auxiliar da formação da convicção, o depoimento da testemunha Celeste e do seu marido Manuel e da referida Declaração.
XXVII) Deve ser alterada a matéria de facto, não se podendo dar como provado que foi o inventariado quem assinou a Declaração, concluindo-se que desta forma que não é deve ser levada à colação para igualação de cada um dos herdeiros.
*O Autor respondeu, oferecendo contra-alegações, onde pugna por que se mantenha a decisão proferida, negando-se provimento ao recurso, sustentando que deve manter-se, na íntegra, a matéria dada como provada, pois que a apelante confessou a matéria constante dos factos provados das alíneas e), f) e g) e que o fez no processo de inventário, conforme se pode verificar pelo teor do documento 8 que o recorrido juntou aos autos com a sua petição inicial, e que essa confissão foi reiterada pela recorrente no artigo 14 da sua contestação da presente ação, tendo, nessa sequência, o Tribunal a quo considerado como assentes esses factos, logo no despacho saneador.
*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*II. FUNDAMENTAÇÃO - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os...
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