Acórdão nº 707/17.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

Relatório A Autora pediu a condenação da Ré a pagar-lhe: .

  1. a quantia de 3.000,00 €, entregue pela Autora na execução do contrato celebrado com a Autora, depois de ser reconhecida judicialmente a resolução do contrato operada pela Autora; .

  2. a quantia de 1.590,00 € a título de indemnização pelos danos patrimoniais e .

  3. a quantia de 1.000,00 € a título de compensação pelos danos morais infligidos pela Ré à Autora.

    subsidiariamente a condenação da ré no pagamento da quantia de 3.000,00 € com base no enriquecimento sem causa, tudo acrescido de juros moratórios à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    Alegou para tanto, em síntese, acordou com a R. adquirir-lhe o estabelecimento de estética de que esta era proprietária, e que funcionava em espaço arrendado pela demandada, pelo preço de €5.000, a pagar fracionadamente (€2.000 com a outorga do contrato e o remanescente de forma faseada, dependente dos rendimentos que viesse a auferir); posteriormente a esse acordo, e a pedido da R., anuiu a que esta explorasse no mesmo espaço onde se encontrava instalado o estabelecimento de estética um estabelecimento comercial de venda de vestuário (pronto-a-vestir), ficando ambas responsáveis pelo pagamento da renda do locado bem como das despesas referentes aos consumos de água, electricidade, internet e alarme, na proporção de metade cada uma. Por conta do preço convencionado entregou à Ré €2.000 em 17.04.2016 e €1.000 em 19.04.2016, a qual lhe entregou as chaves do locado.

    Após ter recusado pagar à Ré, em julho de 2016 o pagamento do remanescente do preço, por não ter ainda capacidade financeira para o fazer, a Ré em 20.07.2016, substituiu a fechadura da única porta que permite o acesso ao locado, sem nada lhe dizer, e impediu-a de, a partir dessa data, aceder ao espaço e abrir o seu estabelecimento comercial. Por esse motivo, por carta datada de 01.08.2016, a Autora procedeu à resolução unilateral do contrato, reclamando a devolução dos €3.000 que tinha pago à R. a título de preço.

    Na contestação, em súmula, a Ré negou ter tido alguma vez a intenção de trespassar o estabelecimento, mas aceitou, para a ajudar, que a Autora permanecesse no espaço comercial, o que seria compensado com o valor de 5.000,00 a pagar pela Autora à Ré, paulatinamente. A Autora desinteressou-se do negócio, furtou materiais ali existentes e rasgou folhas da agenda de marcações, com prejuízos para o negócio.

    Deduziu reconvenção, que sofreu convite a aperfeiçoamento, satisfeito, pedindo o valor dos produtos furtados e valor desses prejuízos sofridos o negócio e pede a condenação da Autora como litigante de má-fé.

    Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: -- Declarar nulo, por falta de forma, o contrato de trespasse celebrado entre A. e R. tendo por objecto mediato o estabelecimento comercial dedicado à prestação de serviços de estética e cuidados de beleza e que girava comercialmente sob a denominação "ESPAÇO AP"; -- Condenar a R. na restituição à A. da quantia de €3.000 (três mil euros); -- Condenar a A. na restituição à R. dos objectos não devolvidos após 21.07.2016 (ou o respectivo valor), a apurar em incidente de liquidação, com o limite de 2 brocas, com um valor unitário de €120, 2 ponteiras, com um valor unitário de €80, 3 primários de gel, com um valor unitário de €24; -- Absolver a R. do mais peticionado pela A. no âmbito da acção principal; -- Absolver a A. do mais peticionado pela R. no âmbito da acção reconvencional; -- Absolver a A. como litigante de má fé; -- Condenar a R. como litigante de má fé em multa que se fixa em 7 (sete) UC e indemnização a favor da A. correspondente às despesas a que a obrigou, incluindo os honorários do seu mandatário, a fixar por despacho ulterior.” O presente recurso de apelação foi interposto pela Ré, pugnando pela improcedência da ação, com a alteração da matéria de facto provada e diversa aplicação do direito.

    Formula as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz 3, no Processo nº 707/17.3T8GMR, a qual, considerando que o “acordo verbal/negócio” celebrado entre a Autora e a Ré no âmbito da cedência/partilha, embora restrita a determinada parte do espaço comercial da titularidade da Ré, configura um verdadeiro “contrato de trespasse” celebrado entre as partes litigantes e, uma vez que tal acordo/contrato assim considerado pelo Tribunal a quo padece de vício em termos formais, tal contrato seria nulo e, Consequentemente, 2. Decidiu condenar a Ré a restituir à Autora a quantia de €3.000,00, inicialmente recebida pela Ré, a título de uma parte do preço globalmente estabelecido para o negócio - €5.000,00.

    Mais decidiu o Tribunal a quo, de entre o mais, 3. Absolver a Autora do pedido reconvencional deduzido pela Ré.

    4. Condenar a Ré como litigante de má-fé, numa multa de sete UC’s, acrescida de indemnização à Autora por despesas e honorários do seu Mandatário.

    Vejamos, 5. Decorre do despacho saneador elaborado nos autos e consta da douta sentença por referência em “II – Saneamento”, são questões essenciais a decidir nos presentes autos as seguintes, que se transcrevem com a devida vénia: Da celebração, entre A. e R. de um contrato de compra e venda de um estabelecimento comercial (de estética); Da validade desse contrato; na negativa, efeitos; na afirmativa, Da eficaz resolução do mesmo e respectivos efeitos.

    Da litigância de má fé de A. e R.

    Assim sendo, 6. Para decidir o litígio em causa entre as partes, o Tribunal a quo, teria, em primeiro lugar, de averiguar da existência de um “aventado” contrato celebrado entre as partes; 7. Na eventualidade da existência desse contrato, a sua validade e ou invalidade e depois, sim, decidir quanto às inerentes consequências daí advindas.

    Matéria de facto dada como provada: Transcrevendo da douta sentença: 1. DOS FACTOS 1.1. Factos Provados Com relevo para a boa decisão da causa, provados estão os seguintes factos: a) A R. é empresária em nome individual e dedica-se (ou dedicava-se) com intuito lucrativo e, por forma habitual e sistemática, à atividade de estética, cuidados de beleza e afins, tendo a correspondente formação profissional para o efeito; b) Em data não concretamente apurada mas posterior a Maio de 2014, a R. abriu e ficou proprietária de um espaço comercial que girava comercialmente sob a denominação "ESPAÇO AP" e que tinha por objeto a prestação de serviços de estética e cuidados de beleza; c) O espaço referido em b) foi instalado em imóvel tomado de arrendamento pela R., sito na Rua …, da freguesia de … e concelho de Guimarães, por cujo gozo a R. pagava uma renda mensal de €250; d) Em inícios do ano de 2016 a R. resolveu vender o espaço comercial referido em b), por lhe ter sido diagnosticado um problema de saúde decorrente de uma alergia a todo e qualquer produto de estética; e) Em Abril de 2016 A. e R. acordaram verbalmente em que esta venderia àquela, pelo preço de €5.000, o espaço comercial referido em b); f) A A. entregou à R. em Abril de 2016, por conta do preço referido em e), a quantia de €3.000, tendo ficado convencionado que o remanescente seria pago à medida das possibilidades da A.; g) Após o referido em e), mas ainda em Abril de 2016, a R. propôs à A. a partilha do locado onde se encontrava instalado o espaço comercial vendido, de forma a ali instalar, adicionalmente, uma loja de pronto-a-vestir, que seria por si explorada, ficando a A. a explorar a loja de estética; h) Para efeitos do referido em g), o espaço destinado à A. seria transferido para a parte interior/traseira do imóvel e o espaço de pronto-a-vestir ficaria instalado na parte frontal da loja, com montra virada para a rua principal, ficando A. e R. responsáveis pelo pagamento conjunto, na proporção de metade cada uma, do valor da renda do imóvel, bem como das despesas de água, luz, internet e alarme; i) A A. aceitou a proposta referida em g) e h); (negrito e sublinhado nossos) 8. Como se verifica da matéria de facto dada como provada supra transcrita, o Tribunal a quo considerou que a Ré é empresária – facto enumerado em 1.1. a), explorando por sua conta e risco um determinado estabelecimento (espaço) comercial instalado num imóvel arrendado – factos enumerados em 1.1. b) e c).

    9. No início do ano de 2016, a Ré resolveu vender o espaço comercial – facto 1.1.d).

    10. Em Abril de 2016, a Autora e a Ré acordaram verbalmente em que esta venderia àquela, pelo preço de €5.000,00, o espaço comercial em questão – facto 1.1. e).

    11. Em Abril de 2016, a Autora entregou à Ré a quantia de €3.000, 00, “por conta do preço”.

    12. Em Abril de 2016, a Ré propôs à Autora a partilha do locado onde se encontrava o espaço comercial vendido – facto 1.1. g).

    13. A Autora aceitou a partilha do espaço comercial da Ré – facto 1.1. i).

    Como decorre da matéria de facto dada como provada em referência, dúvidas não restam que o objeto do negócio celebrado entre Autora e Ré é um “estabelecimento comercial”.

    14. O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio – cfr. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Lex, Reprint págs. 117 a 120; Barbosa de Magalhães, Do Estabelecimento Comercial, 2ª ed., 1964 e Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª ed., 1979, pág. 259.

    15. “O estabelecimento comercial, envolve um conceito normativo, cuja identidade se revela através da funcionalidade económica e destino comercial, industrial ou agrícola, de prestação de serviço, ou outro fim empresarial lícito como objeto negocial de livre circulabilidade como individualidade de direito, e diferente da soma atomística das partes dos seus valores componentes” – cfr. Ac. STJ, datado de 18-04-2002, Proc. 02B538 (Neves Ribeiro). (sublinhado nosso) 16. O estabelecimento comercial, embora contendo uma universalidade de...

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