Acórdão nº 3769/14.1T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | JORGE TEIXEIRA |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO Carlos e a sociedade CV, Unipessoal, Lda, devidamente identificado nos autos, vieram deduzir embargos de executado à execução que lhe move o Banco A, alegando, em síntese, que transmitiram para a outra sociedade executada, Abrigo X, Unipessoal, Lda, a dívida exequenda, o que a exequente aceitou, exonerando os embargantes, além de que o contrato de mútuo dado à execução é nulo por vício de forma, o que torna nula a fiança prestada pelo executado/embargante Carlos.
Acrescentam ainda que pretendiam celebrar com a exequente um contrato de crédito em conta corrente, no montante de € 70.000,00, mas o certo é que a exequente não lhes fez entrega de qualquer quantia, tendo apenas efectuado um movimento contabilístico de crédito e débito, sem o seu acordo.
Concluem por isso que não existiu qualquer contrato de mútuo, pugnando pela procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução.
A embargada/exequente contestou, reafirmando a dívida exequenda e referindo que não deu consentimento à referida transmissão da dívida, nem exonerou os executados da mesma.
Acrescenta ainda que os executados quiseram e celebraram o referido contrato de mútuo, recorrendo a este meio para reestruturar um outro empréstimo, sendo que o mesmo não padece de vício de forma, pois trata-se de um mútuo bancário e tem a forma escrita exigida por lei (DL 32765 de 29-04-1943).
Refere também que os executados além de não alegarem erro na declaração ou no objecto do negócio, tais vícios gerariam a anulabilidade, a qual só poderia ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício, o que há muito expirou.
Conclui, assim, pela improcedência dos embargos.
Após efectuado o convite aos embargantes para apresentarem a requerimento inicial em numeração arábica (substituindo a numeração romana apresentada), nos termos de fls. 51, foi realizada a realizada audiência prévia, nos termos de fls. 92 a 94 dos autos, sendo proferido despacho saneador, despacho a identificar o objecto do litígio e enunciação dos temas da prova e despacho sobre os requerimentos probatórios.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu pela improcedência dos embargos, determinando o prosseguimento da execução.
Os Embargantes interpuseram ainda recurso de apelação do despacho saneador, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraíram, em suma, as conclusões que também a seguir se referem: 1- Os ora Recorrentes e a ora Recorrida celebraram em 05/05/2010 um contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º (...) com o limite máximo de 50.000,00€ (cfr. documento junto em audiência de Julgamento realizada em 06/03/2017).
2- A par deste contrato foi constituída pela parte devedora (a ora Recorrente) uma garantia hipotecária sobre um imóvel, com cláusula de efeito abrangente.
3- O imóvel onerado com a hipoteca foi pela ora Recorrente vendido em 23/08/2011 à executada ABRIGO X – UNIPESSOAL, Lª.
4- Naquela escritura a compradora declarou que assumia integralmente as responsabilidades inerentes à hipoteca em apreço.
5- Comprometendo-se, assim, a prestar à exequente/embargada (aqui Recorrida) todas as obrigações ali firmadas pela ora Recorrente.
6- Manifestou, assim, a compradora, incontornavelmente, um acto que se traduz no instituto da assunção de dívida.
7- Daquele acto depreende-se que a ora Recorrente exonerou-se do seu dever de prestar a obrigação junto da ora Recorrida.
8- Tal exoneração foi expressamente aceite pela ora Recorrida, uma vez que esta passou directamente a estabelecer negociações com a assuntora, Abrigo X Lª, reconhecendo-a como a nova devedora.
9- Em momento algum a ora Recorrida intimou os ora Recorrentes com vista ao pagamento de qualquer dívida, designadamente resultante do contrato de abertura de conta corrente referido no “ponto 1” destas conclusões.
10- A assuntora (Abrigo X- Unipessoal Lª) entregou à ora Recorrida uma proposta de pagamento da dívida assumida (cfr. doc. nº1 adjunto com a P.I. de embargos).
11- Desta forma evidente, consubstanciou na perfeição o instituto jurídico da Assunção de Dívida e, assim, liberou os ora Recorrentes da dívida contraída junto da ora Recorrida (ex-vi do artº 595º, nº1, alínea b) do C, Civil).
12- Do mesmo passo, a ora Recorrida com a aceitação da assuntora ratificou o contrato celebrado entre a ora Recorrente e a nova devedora (Abrigo X – Unipessoal. Lª).
13- Face aos documentos de prova juntos e ao disposto no artº 595º do C. Civil, o Mmº Juiz a quo devia ter reconhecido a transmissão da dívida e declarados exonerados os ora Recorrentes, devendo ainda declarar que o ora Recorrente, Carlos, era parte ilegítima na demanda (excepção tempestivamente alegada), uma vez que apenas interveio naquele contrato como mero representante legal da ora Recorrente (CV – Unipessoal, Lª), não tendo, por isso, ali assumido qualquer qualidade de garante.
14- A ora Recorrida juntou aos autos um CONTRATO DE MUTUO E FIANÇA que alegadamente diz ter celebrado em 15 de Fevereiro de 2013 com os ora Recorrentes.
15- Contudo é falso que a ora Recorrida tenha celebrado tal contrato de mútuo com os ora Recorrentes.
16- Os ora Recorrentes solicitaram à ora Recorrida um “plafond” de 70.000,00€ em regime de contrato de abertura de crédito em conta corrente.
17- A ora Recorrida através de um seu funcionário dirigente informou os ora Recorrentes que lhes concedia o empréstimo solicitado.
18- Naquele referido dia 15 de Fevereiro de 2013 os ora Recorrentes ficaram convencidos que subscreveram um contrato de crédito em conta corrente, pois informação diferente não lhes foi transmitida.
19- Aliás, até foi referido ao ora Recorrente/fiador que o montante do empréstimo (71.000,00€) ficava imediatamente disponível para ser utilizado.
20- Para ter a certeza do que lhe foi dito o ora Recorrente introduziu na máquina “Multibanco” a caderneta da empresa ora Recorrente, tendo verificado que foi lançado na conta da ora Recorrente o montante de 71.000,00€, e no mesmo acto através de outro lançamento o referido montante foi-lhe retirado, ou seja, 1.585,60€ foi transferido para pagamento de imposto e despesas do contrato, e 69.276,77€ foram transferidos para liquidação de um crédito denominado P/EMPR. 123- 37.000261-0, que a Recorrida se arrogava credora, i.e., o contrato de abertura de Crédito em conta corrente aludido no “ponto 1” destas conclusões.
21- É de realçar que, nenhum daqueles movimentos de transferência seja a crédito ou a débito foram feitos por ordem ou por acção dos ora Recorrentes, tudo ocorreu de motu próprio da ora Recorrida.
22- Ora tendo a ora Recorrida dado o seu acordo a um pedido de empréstimo solicitado pela embargante ora Recorrente (vide: teor do contrato de mútuo junto aos autos), o contrato só estaria perfeito com a entrega da quantia mutuada, ou seja, com a possibilidade real de, após o lançamento na conta da embargante/Recorrente, esta poder efectivamente dispôr dela.
23- Maxime, o empréstimo de certa quantia em dinheiro implica a transferência desse dinheiro do mutuante para o mutuário.
24- Com efeito, o contrato de mútuo é um contrato real pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto, e que se completa pela entrega da quantia mutuada.
25- Desta forma, não foi celebrado qualquer contrato de mútuo entre as partes, ou seja, o dinheiro nunca deixou de ser da ora recorrida, que se limitou a uma mera operação contabilística da qual retira os efeitos de uma NOVAÇÃO.
26- Por isso, a efectiva transferência do dinheiro efectuada pelo mutuante é, no mútuo bancário, elemento constitutivo ou integrante do contrato, de tal modo que este não existe sem que o banqueiro proceda á entrega efectiva da quantia mutuada. Só então nasce a única obrigação resultante do contrato unilateral, que é o mútuo – a obrigação do mutuário restituir a quantia mutuada e respectiva remuneração.
SEM ISSO NÃO HAVERÁ OBRIGAÇÃO ALGUMA.
27- Com efeito, a ora Recorrida, através da concessão de um crédito à ora Recorrente, extinguiu, unilateralmente, um (alegado) preexistente crédito sobre ela (o contrato de abertura de crédito em conta corrente identificado com o nº (...) de 5/05/2010), de modo a que, EM LUGAR DE DOIS, passaria a ter um só crédito.
28- E tudo isto sem a colaboração da vontade da embargante, contrariamente ao disposto nos artigos 857º e 859º do C. Civil.
29- Efectivamente a ora Recorrida não celebrou um contrato de mútuo com os ora Recorrentes, mas fez coisa bem diferente, ou seja, acabou por tratar dos seus próprios interesses, PAGANDO-SE PELAS SUAS PRÓPRIAS MÃOS DE UM ALEGADO DÉBITO PROVENIENTE DE UM OUTRO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONCEDIDO À ORA RECORRENTE.
30- A ora Recorrida ao realizar aquela operação enganosa violou ostensivamente a obediência às regras da boa-fé que devem estar sempre presentes na formação dos contratos (vide: artº 227º do C. Civil).
31- Com esta mirabolante operação quis a ora Recorrida retirar os efeitos de uma NOVAÇÂO e pretendeu ainda salvaguardar a eventualidade de ter de discutir o crédito preexistente e conseguir suprir dificuldades provenientes da assunção de dívida manifestada pela assuntora/executada, Abrigo X – Unipessoal, Lª na escritura de compra e venda celebrada com a embargante em 23 de Agosto de 2011.
32- Incontornável é que sem a vontade dos contraentes ora Recorrentes, não era permitido à ora Recorrida liquidar o seu (alegado) crédito anterior á custa de um novo crédito acabado de conceder à ora Recorrente.
33- Perante isto, é sintomático que a ora Recorrida agiu de má-fé, surpreendendo os ora Recorrentes com uma operação enganosa.
34- Tal certeza advém dos documentos de prova adjuntos e da análise das declarações de parte prestadas em audiência de julgamento pelo ora Recorrente, na qualidade de legal representante da ora Recorrente (CV-Unipessoal, Lª), que o Mmº Juiz a quo transcreveu na...
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