Acórdão nº 648/17.4T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução31 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Manuel (aqui Recorrido), residente na Avenida (...), Edifício (...), Lote (...), em Bragança, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros X Portugal, S.A.

(aqui Recorrente), com sede na Rua (...), em Lisboa, pedindo que · a Ré fosse condenada a reconhecer que os danos ocorridos na fracção autónoma de que ele próprio é proprietário, mercê da entrada de água das chuvas no seu interior, se encontram cobertos por um contrato de seguro previamente celebrado com ela; · a Ré fosse condenada a pagar-lhe, pelo menos, a quantia de € 23.785,74 (a título de indemnização pelos ditos danos e do custo de trabalhos que ele próprio suportou para os reparar), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo proprietário de uma fracção autónoma (que melhor identificou), afecta ao uso e habitação dele próprio e de sua família, celebrou com a Ré um contrato de seguros multirriscos habitação, prevenindo qualquer sinistro que a atingisse, quer em termos de construção, quer do seu recheio.

Mais alegou que, encontrando-se então ausente em férias, entre Janeiro e Fevereiro de 2016, fruto de chuvas e ventos fortes, que provocaram a queda de uma antena e a fractura com ela de diversas telhas, veio a sua fracção autónoma a sofrer a infiltração continuada de água das chuvas, o que lhe provocou danos (que melhor discriminou).

Por fim, o Autor alegou que, tendo-se a Ré recusado a repará-los, alegando indevidamente que não se encontrariam cobertos pelo contrato de seguro celebrado, procedeu ele próprio a essa reparação, despendendo a quantia de € 18.313,74 com ela; e à mesma acresceram as quantias de € 1.722,00, com o depósito do armazém onde transitoriamente guardou os seus móveis, de € 1.750,00, com as rendas de uma provisória habitação, e de € 2.000,00, idónea a reparar o profundo mal-estar psicológico, desespero, angústia, sensação de impotência e sérios incómodos registados (e que ainda hoje regista) em consequência de toda esta situação.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (Companhia de Seguros X Portugal, S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, ter sido a factura de telhas invocada pelo Autor provocada por Terceiro (que se deslocou ao telhado), a quem seriam por isso imputáveis os danos, e a responsabilidade pela sua reparação.

Mais alegou que, sendo o telhado parte comum do edifício, os danos nele registados por arremesso ou projecção de objectos mercê de ventos fortes estariam excluídos do âmbito da cobertura contratada; e o mesmo sucederia com o alagamento pela queda de chuva no interior da fracção do Autor, já que aquela queda teria de ter ocorrido em consequência de prévios riscos prevenidos (no caso, por fractura provocada por acção directa de ventos fortes, que tivessem arremessado ou projectado objectos contra a própria fracção autónoma segura, permitindo depois a dita entrada de chuva).

Por fim, a Ré alegou ser de apenas de € 11.454,06 o montante necessário à reparação dos danos que aceitou como verificados.

1.1.3.

Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 23.785,74; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio («Averiguar da causa das infiltrações que provocaram danos na habitação do Autor e da responsabilização da Ré na sua reparação por força do contrato de seguro celebrado quando aos eventos/danos cobertos») e enunciando os temas da prova (13, tendo por objecto factos controvertido necessários à decisão do objecto do litígio); e apreciando os requerimentos probatórios das partes, bem como designando dia para realização da audiência final.

1.1.4.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos e, em consequência: i) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 13.429,41 (treze mil quatrocentos e vinte e nove euros e quarenta e um cêntimos), pelos danos ocorridos no interior da fracção do Autor que foram participados em 22.03.2016 e estão cobertos pela apólice de seguro n.º (...), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; ii) absolvo a Ré do demais contra si peticionado pelo Autor.

*Custas a cargo de Autor e Ré na proporção de 44% para o primeiro e de 56% para a segunda (cfr. artigos 527.º, n.º 1, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.).

Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso (fundamentos) Inconformada com esta decisão, a Ré (Companhia de Seguros X Portugal, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente, sendo proferido acórdão que revogasse a sentença recorrida e a absolvesse inteiramente do pedido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo ipsis verbis as respectivas conclusões): 1.

Não pode a Recorrente conformar-se com o decidido na sentença em crise, porquanto entende, com o devido respeito e salvo melhor opinião, face à matéria de fato efectivamente apurada, que o Tribunal a quo errou no enquadramento do sinistro em causa nos autos nas cláusulas contratuais do contrato de seguro titulado pela apólice n.º (...) e, inelutavelmente, na aplicação do direito.

  1. O objecto seguro consiste tão somente na fracção autónoma sita na Avenida (...), Bragança, nos termos contratualmente estabelecidos e dados como provados através do ponto 3 da matéria de facto dada como provada na sentença em crise.

  2. Ao invés, não se encontram cobertos os riscos inerentes às partes comuns do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida (...), Bragança.

  3. Nos termos contratuais da cobertura «Tempestades», os danos provocados por alagamento por queda de chuva, previstos no artigo 1.º, 1.1., B.1., al. b), das Condições Contratuais da Apólice, apenas se encontram cobertos se forem provocados em consequência de danos causados pelos riscos mencionados na alínea a) do mesmo ponto.

  4. Conforme se encontra vertido no ponto 9 da matéria de facto da sentença em crise, os danos provocados pelo vento e objectos arremessados pelo mesmo, consistiram em danos numa telha, por onde se infiltraram águas que vieram a causar danos na fracção autónoma do A., telha que constitui parte comum do prédio em causa.

  5. Os danos provocados ao telhado do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida (...), Bragança não se encontram cobertos ao abrigo da al. a) do artigo 1.º, 1.1., B.1., das Condições Contratuais da Apólice, uma vez que a Recorrente não assumiu os riscos inerentes às partes comuns do prédio em causa, não consubstanciando as referidas partes comuns «bens seguros», requisito da cobertura «Tempestades».

  6. Pelo contrário, a responsabilidade pelos danos causados ao A., a existir, será imputável ao condomínio do prédio urbano sito na Avenida (...), Bragança, a título de responsabilidade civil extracontratual, uma vez que é sua a responsabilidade pelos danos causados decorrentes das partes comuns do referido prédio.

  7. Destarte, não se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual sub judice, por falta de cobertura do risco causador dos danos em causa nos autos, e, consequentemente, por falta de enquadramento do sinistro em causa nos autos no âmbito das coberturas contratadas, razão pela qual, impõe-se a absolvição integral da Recorrente do pedido.

  8. Considerando tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 236.º, 405.º, 406.º, 762.º do Código Civil.

  9. Sendo certo que, através da correcta interpretação das supra referidas normas jurídicas, deve a Recorrente ser integralmente absolvida do pleito.

*1.3. Contra-alegações O Autor (Manuel) não contra-alegou.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal: · Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito aplicável, considerando indevidamente contido no âmbito do contrato de seguro em causa o sinistro invocado nos autos (devendo, pelo contrário, considera-lo excluído do mesmo, com a inerente improcedência total da acção) ?*III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. Factos Provados Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, e renumerados): 1 - Pela Ap. 15 de 1990/05/02, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) a aquisição por compra, a favor de Manuel (aqui Autor) e mulher, Ana, da fracção autónoma designada pelas letras «(…)», correspondente ao 6.º andar centro trás do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av.ª (...) - Edifício (...) Lote …, em Bragança.

(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 1) 2 - A dita fracção encontra-se afecta ao uso e habitação do Autor (Manuel) e família.

(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 2) 3 - O Autor (Manuel) celebrou com Companhia de Seguros X Portugal, S.A. (aqui Ré) um contrato de seguro do ramo multirriscos...

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