Acórdão nº 418/15.4T8CMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução31 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

Maria, residente na Rua (...), Caminha, intentou a presente ação declarativa, como processo comum, contra Helena e marido, Augusto, residentes na Rua (…), Caminha, pedindo que se: a- declare que o prédio identificado no art. 1º da petição inicial é sua propriedade; b- declare que a delimitação na estrema norte da propriedade daquele prédio é efetuada através de um muro, construído em pedra e cimento, com cerca de 1,50 m. de altura, em toda a sua extensão; c- declare que o muro referido na alínea anterior é parte integrante do prédio da Autora, isto é, propriedade exclusiva desta; d- declare que a Autora tem uma servidão de vistas, nomeadamente para o prédio da Ré, a partir da janela aberta no respetivo alçado norte da sua casa de habitação, constituída por usucapião; e- condene os Réus, no prazo de quinze dias após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, a demolir toda a estrutura construída sobre o muro da Autora, bem como o anexo construído junto ao mesmo; f- condene os Réus, em caso de incumprimento, a pagar uma taxa compulsória de 15,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da decisão; e g- condene os Réus a pagarem à Autora a quantia de 3.000,00 euros, a título de danos morais e patrimoniais.

Para tanto alega, em síntese, ser proprietária do prédio que identifica no art. 1º da petição inicial, prédio esse que adquiriu por compra em 05/04/2002 e cuja propriedade se encontra inscrita, no registo, em seu nome, sendo que ainda que assim não fosse, já teria adquirido o direito de propriedade sobre esse prédio por usucapião; Os Réus são proprietários do prédio identificado no art. 11º da petição inicial; O prédio da Autora confronta pelo lado norte com o limite sul do prédio propriedade dos Réus, sendo o limite norte do primeiro estabelecido por um muro em pedra; Os Réus arrendaram aquele prédio e os arrendatários do mesmo, com a autorização dos primeiros, procederam à construção de uma estrutura em madeira sobre aquele muro, passando esse muro, em virtude da colocação dessa estrutura, a ter uma altura de cerca de 2,93 metros, tapando totalmente a janela existente no alçado norte da habitação da Autora, lesando a servidão de vistas que o prédio desta beneficia e que se processa através daquela janela, servidão essa que se constituiu por usucapião; Acresce que essa estrutura viola o disposto no art. 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e no art. 37º do Regulamento Municipal das Urbanizações do Município de Caminha; Essa estrutura não cumpre o disposto no art. 37º, n.º 4 daquele Regulamento; Os referidos arrendatários, com o consentimento dos Réus, construíram um anexo junto àquele muro, encontrando-se a respetiva estrutura cravada nesse muro, violando o direito de propriedade da Autora e a servidão de vistas que se processa através da supra identificada janela.

Por força da descrita situação, os Réus causaram à Autora danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.

Os Réus contestaram impugnando parte da factualidade alegada pela Autora.

Concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente e que os mesmos sejam absolvidos do pedido.

Deduziram reconvenção pedindo que se declare que o muro entre as propriedades dos Réus e da Autora é meeiro.

Subsidiariamente, que se declare que aquele muro é parte integrante do prédio de que são proprietários, isto é, sua propriedade exclusiva.

Para tanto alegam, em síntese, que o muro divide os prédios dos Réus-reconvintes e da Autora-reconvinda, não existindo diferença de cotas entre os terrenos de ambos os prédios, pelo que é meeiro.

Caso assim não se entenda, então esse muro faz parte do terreno adquirido pelo pai da Autora e da Ré-mulher em 1965, ou seja, do prédio agora propriedade dos Réus, e não da casa que aquele pai da Autora e da Ré-mulher já possuía e que veio a ser adquirida pela Autora.

A Autora replicou impugnando a factualidade alegada pelos Réus-reconvintes em sede de reconvenção.

Conclui pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente e que a mesma seja absolvida deste pedido.

Realizou-se audiência prévia em que se admitiu a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o valor da ação (5.001,00 euros), o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.

Realizada perícia, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: I- Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a ação, e em consequência:

  1. Declaro que a autora Maria é proprietária e nessa qualidade lhe pertence o imóvel: “Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro com superfície coberta de 110 m2 e logradouro com 350 m2, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha, a confrontar de norte com os réus Helena e marido Augusto, a sul com herdeiros Miguel , nascente com o caminho-de-ferro e do poente com a Rua (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 753”.

  2. Declaro que a delimitação da extrema norte desse prédio é estabelecida através de um muro, em pedra antiga e cimento, com a altura de cerca de 1,55m, em toda a sua extensão, o qual confronta com o limite sul do prédio pertencente aos réus Helena e Augusto correspondente à ”fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a habitação, composta por uma garagem no rés-do-chão do lado sul e por um logradouro do lado direito situado a nascente, que corresponde ao 1º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, a confrontar a sul com a autora, a nascente com o caminho-de-ferro, a poente com a Rua (...) e a norte com M. P., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2622º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)-B, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha.”.

  3. Declaro que esse muro, descrito em b), é parte integrante do prédio pertencente à autora Maria, descrito em a), sendo sua propriedade exclusiva.

  4. Declaro que está constituída a favor da autora Maria uma servidão de vistas, nomeadamente, para o prédio pertencente aos réus Helena e Augusto, a partir da janela aberta no alçado norte da sua casa de habitação, descrita na alínea a).

  5. Condeno os réus Helena e Augusto a demolir toda a estrutura construída sobre o muro descrito na alínea b), bem como o anexo construído junto ao mesmo, que será levada a cabo no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado desta sentença.

  6. Condeno os réus Helena e Augusto, em sanção pecuniária compulsória, que se fixa em €15,00 (quinze euros), por cada dia de atraso no cumprimento desta sentença.

  7. Condeno os réus Helena e Augusto a pagar à autora Maria, a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a qual será acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vencidos após o trânsito em julgado desta sentença, calculados à taxa supletiva legal aplicável às dívidas civis (atualmente 4%), até que ocorra o pagamento integral.

    II- Julgo totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência:

  8. Absolvo a autora/reconvinda Maria dos pedidos reconvencionais formulados pelos réus/reconvintes Helena e Augusto.

    III- As custas da ação serão suportadas pela autora, na proporção de 2, 5% e pelos réus, na proporção de 97,5%. As custas da reconvenção serão inteiramente suportadas pelos réus/reconvintes.

    Irresignados com o assim decidido, vieram os Réus interpor o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões: NULIDADE DA SENTENÇA A QUO Falta de Fundamentação I.

    A sentença proferida omite os factos que fundamentaram a decisão.

    II.

    Segundo o artigo 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

    III. Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.

    IV. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.

    V. Em certo sentido, uma decisão vale o que valerem os seus fundamentos; a força obrigatória da sentença está na decisão, mas, como diria Alberto dos Reis, mal vai à força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é justa.

    VI. O legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral no artigo 154º do CPC, onde se prescreve: “1- As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

    2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” VII. A fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido.

    VIII. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes - nº 2 do preceito.

    IX. Quanto a este ponto, atente-se no ponto 15, 25 e 36 da sentença a quo, em que não se consegue atender quais os fundamentos, ou prova, que levaram a que os mesmos fossem dados como provados.

    X. Onde estão os fundamentos para considerar como provados aqueles pontos? XI. A falta de fundamentação gera a nulidade da sentença - artigo. 615º, nº 1 b. do C.P.C.

    XII. A fundamentação da sentença tem regulamentação específica – artigo 607º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT