Acórdão nº 6166/15.8T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A executada Maria veio deduzir oposição, mediante embargos, à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por Banco A, S.A.
anteriormente denominado Banco B, PLC, alegando, em síntese, que: - nunca assinou a livrança dada à execução, nem nunca tal livrança lhe foi apresentada; - a executada/embargante celebrou com o exequente um contrato de mútuo sob forma de crédito pessoal com finalidade alheia à actividade comercial ou profissional, pelo que se subsume no conceito de consumidor para efeitos do DL 133/2009 de 2/6, não estando o referido contrato de mútuo excluído do âmbito de aplicação daquele diploma legal; - o credor mutuante só pode fazer operar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, por incumprimento do mesmo, se preencher cumulativamente os requisitos do artº. 20º do citado DL 133/2009, que enuncia nos artºs 10º a 14º da petição de embargos; - a obrigação exequenda era inexigível por violação, em particular, das regras e procedimentos estatuídos no mencionado artº. 20º do DL 133/2009, tendo a execução sido intentada sem ter havido qualquer resolução contratual, ou interpelação para o cumprimento de qualquer eventual mora; - a executada/embargante nunca deixou de pagar qualquer prestação, porquanto todos os meses, com o conhecimento e consentimento do exequente, pagava parcialmente a prestação relativa ao mês, entregando ao Banco B em média € 150, sem nunca ter sido advertida de que tal facto a faria incorrer em mora; - o contrato de mútuo celebrado com o exequente é nulo, porquanto a executada/embargante padece desde há muitos anos de uma incapacidade grave e permanente de 70%, incapacidade essa que, para além das sequelas e limitações físicas, acarreta também para a executada graves problemas cognitivos, que a limitam e impedem de possuir um alcance normal conhecido ao cidadão comum, e a subscrição do referido contrato não foi acompanhada por notário tal como impõe o artº. 373º, nº. 3 do Código Civil, e ainda por violação do dever de informação a que o exequente estava obrigado pela Lei nº. 24/96 de 31/7; - o montante em dívida aquando da propositura da acção executiva era manifestamente inferior ao indicado no requerimento executivo, tendo em atenção o documento emitido pelo exequente em 20/10/2015; - o exequente não adoptou previamente à execução nenhum dos procedimentos obrigatórios previstos no DL 227/2012 de 25/10 e Aviso do Banco de Portugal nº. 17/2012 de 4/12, designadamente o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), interpondo desde logo uma acção executiva, na qual imputa juros, custas e outras despesas para além do capital em dívida, consubstanciando-se num desrespeito grave do princípio da boa-fé, fazendo um uso abusivo do seu direito de crédito.
Conclui, pedindo a procedência dos presentes embargos, com a consequente absolvição do pagamento da quantia exequenda.
O exequente apresentou contestação, na qual impugnou a versão apresentada pela embargante no seu articulado inicial, alegando, em suma, que: - as assinaturas apostas nos Doc. 1 junto com o requerimento executivo (livrança) e Doc. 1 junto com a contestação (contrato de crédito ao consumo) são idênticas; - o valor mutuado pelo exequente foi creditado na conta à ordem nº. (...); - a embargante encontrava-se obrigada a pagar mensalmente a quantia de € 492,48, sendo que no decurso do prazo do empréstimo nunca depositou uma prestação igual à contratada, tendo efectuado depósitos de valor variável e, por vezes, fora do prazo do contrato; - o exequente interpelou a embargante para proceder à regularização dos valores em dívida, cinco meses após a celebração do contrato, conforme cartas juntas como Doc. 2 e 3; - a embargante recebeu essas cartas, nada disse e não regularizou as prestações vencidas, tendo mantido a situação de incumprimento verificada; - em consequência e atendendo ao reiterado incumprimento contratual, o exequente resolveu o contrato (cfr. Doc. 4), sendo que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações determinava o vencimento imediato de todas as outras, conforme resulta da cláusula 10 do contrato; - o exequente não tinha conhecimento nem tinha como saber que a embargante padecia ou padece de qualquer incapacidade; - não tem qualquer fundamento legal a invocação do diploma relativo ao PERSI, porquanto o DL 227/2012 de 25/10 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013, sendo que são automaticamente integrados no PERSI os devedores que à data de entrada em vigor do referido diploma estejam em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito pendentes, desde que o vencimento tenha ocorrido há mais de 30 dias; - o incumprimento do contrato remonta a Julho, Agosto e Setembro de 2011 e tendo o contrato sido resolvido em Abril de 2012, este diploma não é aplicável ao caso “sub judice”.
Termina, pugnando pela improcedência da oposição à execução e o prosseguimento da mesma até efectivo e integral pagamento, requerendo, ainda, a realização de exame pericial para reconhecimento das assinaturas constantes do contrato junto com a contestação e da livrança que serve de título executivo.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual foi verificada a regularidade e a validade da instância, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou os presentes embargos de executado improcedentes e determinou o prosseguimento da execução contra a embargante.
Inconformada com tal decisão, a executada/embargante dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: A.
Da inexigibilidade da obrigação exequenda por incorrectamente julgados os factos provados nº 8 e 11 B. 1. Foi julgado provado que em 26 de Abril de 2011, a Exequente celebrou com a ora Recorrente um contrato de mútuo pessoal, no montante de € 27.931,85, ao qual acresceram os respetivos juros remuneratórios, conforme contrato de mútuo junto aos autos, fls. 231 a 239 – Cfr. facto provado nº 5.
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No âmbito do aludido contrato, ficou convencionado que a cifra mutuada seria paga em prestações mensais no valor de € 492,48.
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Em virtude do inadimplemento da Recorrente, a Exequente, ora Recorrida, preencheu uma livrança, alegadamente subscrita pela primeira, no valor do montante mutuado, acrescidos dos respetivos juros.
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A Recorrida lançou mão da prerrogativa estatuída no artigo 781º do CC.
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Dispõem o art.º 781º do CC que «se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas».
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O credor tem de manifestar ao devedor a sua vontade de aproveitar este privilégio que a lei lhe concede.
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O vencimento imediato das restantes prestações não exclui a necessidade de interpelação, por se tratar de uma faculdade do credor que ele pode exercer ou não. E, assim sendo, é a partir da interpelação que os efeitos da mora devem começar a contar.
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A Exequente, ora Recorrida, incorre no ónus de provar as competentes interpelações, porquanto se consubstanciam num facto impreterível da constituição do seu direito, conforme o disposto no artigo 342º, nº 1 do CC.
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O douto Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito, considera “(…) que as cartas de interpelação foram dirigidas para a morada convencionada, o que invalida a necessidade de qualquer outra prova adicional para ajuizar a sua ocorrência”. – v. pág. 14 da Sentença objeto de recurso.
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Considera ainda que “neste contexto, facilmente concluímos que o banco exequente apresentou prova da exequibilidade desse mesmo contrato de mutuo e respectiva livrança (…), de que a obrigação, para além, de certa e líquida, é exigível à ora embargante”. v. pág. 14 da Sentença objeto de recurso.
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A resolução contratual opera mediante comunicação dirigida à contra-parte, configurando-se numa declaração recetícia, nos termos do artigo 224º, nº 1 do CPC.
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Compulsados os autos, infere-se que, não obstante as missivas apresentadas pela Recorrida, não há qualquer elemento ou meio de prova que demonstre a receção das mesmas por parte da Apelante.
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O TRG, no processo nº 213/14.0TBFAF, decidiu que cabe ao Banco Exequente comunicar ao Executado a sua intensão de beneficiar da prerrogativa prevista no artigo 781º do CC, incorrendo no ónus de juntar prova documental da referida comunicação.
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O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão exatamente com o mesmo acórdão, sem que a Recorrida/Exequente tenha provado a receção das competentes interpelações e subsequente resolução contratual, mesmo após ser oficiada para o efeito por aquele órgão jurisdicional, aquando da prolação do despacho saneador.
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A Exequente/Recorrida, apenas juntou cópia das cartas sem que tivesse produzido qualquer outra prova complementar, nomeadamente os respetivos talões de registo e os avisos de receção, uma vez que só estes meios seriam admissíveis e idóneos para demonstrar a receção das mesmas, ficando o Tribunal a quo irremediavelmente limitado na sua apreciação, nos termos e para os efeitos do artigo 607º, nº 5 do CPC.
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O Tribunal a quo ao julgar provado a resolução contratual e as interpelações dirigidas à Apelante, e consequentemente considerar a obrigação exigível, decidindo improceder a execução, recorrendo a um arresto jurisprudencial, para fundamentar a sua decisão, cujo entendimento é o de que a prova da receção das interpelações e resolução contratual só é admissível mediante prova documental, gera a nulidade da Sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC.
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A eficácia das interpelações e da resolução contratual, expedidas pela Recorrida, só ocorre no momento em que chegue ao poder da Recorrente, devendo aquela provar tal facto, mediante prova documental...
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