Acórdão nº 6499/15.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- A. C., residente em Fafe, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Maria, também residente em Fafe, pedindo que: a) esta Ré seja condenada a reconhecer que a quantia de € 250.000 é um bem comum do ex-casal, composto por si, Autor, e por ela, Ré; b) seja declarado e reconhecido que a Ré, em 26 de Fevereiro de 2007, se apropriou indevidamente da quantia de € 250.000, sem o seu consentimento e autorização, que nunca teve acesso a esse montante e não teve qualquer benefício; c) a Ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de € 168.136,99, sendo a quantia de € 125.000 correspondente à sua meação no património comum do casal e a quantia de € 43.136,99, referente aos juros calculados à taxa legal, contados desde 26 de Fevereiro de 2007 até 12 de Outubro de 2015 e nos juros vincendos desde 13 de Outubro de 2015 até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que foram casados e encontram-se divorciados estando pendente inventário para partilha dos bens comuns, no qual desempenha as funções de cabeça de casal, tendo relacionado a quantia de € 250.000; perante a reclamação da Ré, foi decidido remeter os interessados para os meios comuns e manter essa verba na relação de bens. Esclarece que a Ré foi exclusiva titular da conta Banco A nº (...), conta esta que, em 1 de Julho de 2004, apresentava um saldo de € 250.000 e se encontra encerrada desde 22 de Maio de 2007; esse montante pertencia a ambos, na proporção de metade, e existia à data da instauração da acção de divórcio, mas a Ré fê-la sua em 26 de Fevereiro de 2007, retirando-a daquela conta e utilizando-a em proveito próprio sem a sua autorização.

A Ré contestou contrapondo que a referida conta foi aberta em 1 de Julho de 2004 com o saldo inicial de € 250.000, ficando em seu nome exclusivo por insistência do Autor. Contudo, apesar de ser por si exclusivamente movimentada, foi-o em cumprimento de instruções do demandante, sendo usada para proceder ao pagamento de fornecedores da sociedade comercial que ambos detinham. Referiu ainda que em Fevereiro de 2007 as relações entre ambos estavam deterioradas devido a maus tratos que lhe eram infligidos pelo Autor e, quando este lhe exigiu o levantamento do saldo da referida conta, temendo que ele esbanjasse o dinheiro com a mulher com quem vivia, passou o saldo então existente para uma sua conta do Banco B, S.A., sem que aquele soubesse disso no imediato; porém, quando ele tomou conhecimento do levantamento, compeliu-a, mediante ameaça, a deslocar-se a esse Banco para proceder ao levantamento, em notas, da quantia aqui depositada, o que foi concretizado em Março desse ano, tendo entregue todo o dinheiro ao Autor, que o escondeu e deu o destino que quis, nunca mais ela, Ré, havendo sabido do seu paradeiro.

Deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor/Reconvindo a restituir-lhe a quantia de € 169.232,88, sendo € 125.000 correspondente à sua meação, € 44.232,88 a título de juros legais vencidos até 6 de Janeiro de 2016 e juros vincendos sobre a referida quantia desde essa data até efectivo e integral pagamento.

O Autor replicou aceitando a confissão quanto ao levantamento do dinheiro depositado na conta do Banco A e o seu depósito na conta do outro banco e pediu a condenação da Ré como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, no mínimo de € 50.000, alegando que esta insiste em histórias rocambolescas com intuito apropriativo.

A Ré exerceu o contraditório, pedindo, por sua vez, a condenação do Autor como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, em montante nunca inferior a € 50.000.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que: I - julgando a acção parcialmente provada e, nessa medida, procedente: a) condenou a Ré a reconhecer que a quantia de € 250.000 é bem comum do ex-casal, que formou com o Autor; b) declarou e reconheceu que a Ré se apropriou da quantia referida em a), sem autorização do Autor; c) condenou a Ré a restituir ao património comum a quantia referida em a), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 26 de Fevereiro de 2007 até efetivo e integral cumprimento; d) absolveu a Ré dos demais pedidos formulados.

  1. Julgando a reconvenção não provada e improcedente, absolveu o Reconvindo dos pedidos formulados pela Reconvinte.

  2. Julgando procedente o incidente de litigância de má fé suscitado pelo Autor e improcedente o suscitado pela Ré, condenou esta como litigante de má fé na multa 10 de UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas que a lide implicou para aquele Autor.

Inconformada, traz a Ré/Reconvinte o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita decisão, e a sua suBanco Bituição por outra que julgue a acção improcedente, absolvendo-a do pedido contra si formulado, e julgue procedente a reconvenção, condenando o Autor/Reconvindo no pedido reconvencional.

Contra-Alegou o Autor propugnando para que se recuse provimento ao recurso e se mantenha integralmente a decisão impugnada.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

**II.- A Apelante/Ré formulou as seguintes conclusões: 1ª O Tribunal recorrido errou na fixação da matéria de facto.

  1. Os pontos 9, 10 e 12 dos factos provados, deveriam ter sido dados como não provados e os artigos 8º a 11º da contestação e 18º a 20º da reconvenção deveriam ter sido dados como provados.

  2. As respostas referidas na conclusão anterior derivam da conjugação dos depoimentos de parte do Autor e da Ré e dos depoimentos das testemunhas M. C., Laura, António, José e M. S., todos prestados em audiência de julgamento ocorrida no dia 08/11/2017, com início às 14 horas, conforme consta da respetiva ata, dando-se aqui por reproduzidas todas as passagens e incongruências aludidas na alegação supra.

  3. A sentença em recurso constitui decisão surpresa quanto à questão dos sinais de riqueza da Ré, em especial quanto à propriedade da loja Tons X, não tendo o tribunal a quo dado à Ré a oportunidade de exercer o contraditório e demonstrar que tal loja não era sua aquando da sua abertura em 2007, mas sim do seu filho e respetiva mulher, os quais dispunham de elevados rendimentos, o que se pretende agora suprir juntando aos autos, ao abrigo do disposto no art. 651º do Código de Processo Civil, diversos documentos, os quais, não constituindo documentos pessoais, foram fornecidos pelo filho e pela nora da Ré apenas após a prolação da sentença em recurso; 5ª A loja hoje explorada pela Tons X, apenas foi vendida à Ré, mediante contrato de trespasse, outorgado em 31/12/2011, pelo valor de € 62.959,41, pagos em 6 prestações, valor este que a Ré pagou com o que foi amealhando com o salário auferido no período que mediou entre Agosto de 2007 e Dezembro de 2011, com o dinheiro que herdou da sua mãe falecida em Fevereiro de 2007 (€ 19.000) e com o lucro que a sociedade ia gerando após o trespasse; 6ª Da certidão permanente resulta demonstrada à saciedade a propriedade das quotas da referida sociedade à data da sua constituição, demonstrando a falsidade do que foi vertido na sentença em crise.

  4. O tribunal errou ao aplicar ao caso concreto o regime da responsabilidade civil por perdas e danos, afirmando, como se de uma ação de prestação de contas se tratasse, que “cabia à Ré demonstrar que o saldo então existente constituía o remanescente do valor inicial após aplicação do montante em falta em proveito comum do casal, o que não alcançou…”.

  5. Ora de acordo com o disposto no artigo 1681º, n.º 1 do Código Civil cabia ao Autor carrear para o processo factos capazes de integrar o facto voluntário, ilícito, doloso (já que se exige intenção de causar prejuízo), lesivo e danoso e ainda o nexo de causalidade entre o facto, a lesão e o dano.

  6. No caso concreto, o Autor não cumpriu o seu ónus nem de alegação nem de prova e, nessa medida, terá de ver a sua ação improceder por falta de prova (cfr. Acs do STJ de 26/01/2014, 2/5/2012, 22/2/2011 e 17/11/1994, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

  7. No caso concreto, não houve qualquer facto ilícito pois que o levantamento do dinheiro pela Ré, única titular do depósito, é lícito ao abrigo do disposto no art. 1680º e a Ré quando levantou o dinheiro não o fez com intenção de o guardar para si, ficando com a metade do Autor, antes o levantou e entregou na totalidade ao Autor, como acima se pugnou.

  8. Mas, ainda que assim não fosse, sempre os factos dados por provados seriam insuficientes para considerar provado qualquer ato ilícito e muito menos uma intenção dolosa da Ré contemporânea com o momento do levantamento, como é a ratio do citado dispositivo legal.

  9. Na petição inicial o Autor fez um pedido, na alínea c), o qual consistiu na condenação da Ré a restituir-lhe a quantia de € 168.136,99, sendo a quantia de € 125.000,00 correspondente à sua meação no património comum do casal, e a quantia de € 43.136,99, referente a juros…”.

  10. Ao condenar a Ré na restituição ao património comum do casal dos € 250.000,00, a sentença condenou em valor muito superior ao pedido e em objeto diverso do pedido, o que viola flagrantemente o princípio do pedido, constituindo nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º, n.º1, alínea e) do Código de Processo Civil.

  11. A sentença em crise condenou ainda a Ré no pagamento de juros de mora desde o dia 26 de fevereiro de 2007. Ora, inexiste fundamento legal para tal. É que os juros de mora apenas são devidos a partir do momento em que o devedor se constitui em mora na entrega da prestação, tal como vem estatuído pelo art. 804º do Código Civil.

  12. Ora, até ao momento em que foi citada para a presente ação jamais a Ré tinha sido interpelada para entregar ao Autor os peticionados € 125.000,00, seja judicial ou extrajudicialmente, pelo que, jamais a Autora poderá ser condenada no pagamento de juros de...

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