Acórdão nº 3250/17.7T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães* 1 – RELATÓRIO Maria, casada, Antónia, casado, e Manuela, solteira, maior, interdita e representada pela 1ª requerente sua tutora, vieram intentar o presente procedimento cautelar de arrolamento(1), como preliminar de processo de inventário por morte do seu pai António, contra a viúva deste Joaquina, pedindo o arrolamento dos saldos bancários titulados pela requerida até ao valor global de € 850.000,00, sem audiência prévia, alegando que tal valor pertence à herança aberta por óbito do seu falecido pai, providência que foi decretada tal como requerida, sendo o arrolamento limitado ao montante global de € 800.000,00.

Tendo tomado conhecimento do decretamento da providência, veio a requerida a fls. 99vº e 100 arguir a nulidade de tal decisão, por não se mostrar fundamentada a sua não audição prévia. Outrossim, agora a fls. 103vº, arguiu a nulidade da falta de notificação de um documento junto com o requerimento inicial.

Vindo também deduzir oposição, a fls. 106vº e ss., e, não pondo em causa que os valores objecto do arrolamento constituem a receita da venda de bens exclusivamente pertencentes ao falecido pai das requerentes, veio alegar, em síntese, que as transferências bancárias referidas nos autos foram todas efectuadas em execução da vontade e por decisão do marido da requerida; que, em execução das suas ordens os valores em causa foram transferidos da conta titulada por si, pela sua mulher e pela sua filha Maria, para uma conta titulada por si e pela sua mulher e constituído um aforro a ela associado e, posteriormente, em Maio de 2016, também segundo a sua vontade, desta conta titulada por ambos para uma conta exclusivamente titulada pela requerida e que o mesmo deixou disposição testamentária instituindo vários legados a favor da requerida por conta da sua quota disponível, sendo dois desses legados relativos aos bens imóveis que decidiu vender, dando ao produto da venda o referido destino.

No mais, impugnou de forma motivada, a factualidade alegada pelas requerentes e dada como sumariamente provada, dizendo que as requerentes litigam com má-fé.

A requerida veio ainda defender que as contas em causa podiam ser livremente movimentadas por qualquer dos seus titulares e as transferências em causa constituíram meio idóneo para operar a tradição e tornar efectivo o apossamento das quantias depositadas.

Terminou pedindo a procedência da oposição e, em consequência, fosse ordenado o levantamento do arrolamento, revogando-se a providência cautelar decretada.

Notificadas da oposição, as requerentes apresentaram requerimento a fls. 148vº e ss., em que exerceram o contraditório relativamente à invocada litigância de má-fé, se pronunciaram “quanto ao restante”, além de contradizerem a prova documental junta pela requerida, tendo juntado documentos.

A fls. 187vº e 188, veio a requerida arguir a nulidade do antecedente requerimento e documentos apresentados pelas requerentes, que, na parte que excede a pronúncia relativamente à invocada litigância de má-fé configura uma resposta à oposição, articulado não admissível, pedindo o seu desentranhamento, bem como dos documentos com ele juntos.

Foi proferido despacho a conhecer das três arguidas nulidades supra referidas, o que ocorreu nos seguintes termos: 1ª falta de notificação do despacho que dispensou a audiência prévia da requerida: reconhecendo-se a existência da nulidade cometida no acto de citação da requerida, deferindo-se a nulidade invocada, foi ordenada a notificação à requerida do despacho em causa, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para, querendo, exercer o contraditório relativamente ao mesmo ou interpor recurso; 2ª falta de notificação do documento nº 10 junto ao requerimento inicial: por todos os documentos juntos com o requerimento inicial terem sido enviados à requerida com a citação, nomeadamente o nº 10, o qual se reporta à venda dos prédios efectuada pelo falecido pai das requerentes, foi julgada manifestamente improcedente a nulidade em causa; 3ª apresentação pelas requerentes do requerimento datado de 27-10-2017 e respectivos documentos: tendo as requerentes direito ao contraditório relativamente ao pedido da requerida da sua condenação como litigantes de má-fé e pronúncia quanto aos documentos juntos com a oposição, foi julgada manifestamente improcedente a nulidade em causa, tendo-se quanto à pertinência da prova aí requerida, relegado para momento posterior a sua apreciação.

A requerida veio pronunciou-se relativamente à primeira das três arguidas nulidades a fls. 197vº/198.

Considerando suficientes os elementos juntos aos autos e sem necessidade de proceder à produção de qualquer outra prova, nomeadamente, à prova testemunhal indicada pela opoente, o tribunal julgou-se desde logo habilitado a apreciar o mérito da oposição da requerida, tendo proferido decisão a fls. 200 a 205, na qual indeferiu a oposição deduzida, mantendo a providência decretada nos seus exactos termos, entendendo não existirem sinais evidentes de litigância de má-fé e imputando as custas à requerida.

*Inconformada com o teor do despacho que indeferiu a arguida “nulidade pela apresentação pelas requerentes do requerimento datado de 27-10-2017 e respectivos documentos” e a decisão que indeferiu a oposição deduzida, mantendo a providência decretada, apresentou a Requerida recurso de apelação contra as mesmas, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: I- Notificadas da oposição, as requerentes apresentaram a peça processual ref.ª 27182661 destinada a, como especificado separadamente: - numa primeira parte, exercerem o contraditório relativamente à “litigância de má fé invocada pela requerida no art 100º do seu articulado de oposição” (sic); quanto ao restante impugnarem a factualidade trazida pela requerida na oposição apresentada; -numa segunda parte, contradizerem a prova documental junta pela requerida (arts 50º a 54º).

II- Juntaram dez documentos e requereram prova documental para prova do alegado nos artigos 12º, 15º, 43º, 44º, 45º do requerimento e contraprova do alegado nos artigos 82º, 96º e 97º da oposição.

III- Reagindo, a requerida, invocando o disposto no art 185º do NCPC, dirigiu aos autos requerimento, pugnando pelo desentranhamento do requerimento e documentos, por não ser admissível a resposta à oposição, não o sendo, igualmente, os documentos com ela apresentados.

IV- Considerando que o requerimento em questão foi apresentado com o fito de exercer o contraditório quanto ao pedido da requerida de condenação das requerentes como litigantes de má fé e responder aos documentos apresentados com a oposição, a apresentação do requerimento seria lícita e legítima.

V- Ora, a requerida não pediu, contrariamente ao sustentado no despacho ora impugnado, tal condenação, limitando-se a alegar no art 100º da oposição que as requerentes litigam com má fé, alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa. Nada mais.

VI- Por outro lado, na peça processual das requerentes alegam-se factos novos - arts 17º, 19º, 20º, 23º, 24º, 30º, 31º, 32º, 33º, 35º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 43º, 44º, 45º, 46º- que, sem contraditório, nos autos ficaram, ajudando a formar a convicção da senhora Julgadora a quo.

VII- Como ficaram os dez documentos juntos pelas requerentes, sem qualquer contraditório, posto que a apelante não foi notificada para tal e não houve audiência em que tal pudesse ser feito como preceituado nos artigos 367º, nº 1 ex vi artigo 372º, nº 1 alínea b) do NCPC.

VIII- Pelo que, nos presentes autos, as requerentes tiveram, então, o “privilégio” (termo que se retira de decisões da segunda instância) de: -ver deferida a providência sem audiência da parte contrária, -admitido um articulado resposta à oposição que, a pretexto de responder a uma nunca pedida litigância de má fé, carreou para os autos nova factualidade (cfr arts 17º, 19º, 20º, 23º, 24º, 30º, 31º, 32º, 33º, 35º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 43º, 44º, 45º, 46º) que nos autos ficou, ajudando a formar a convicção da senhora julgadora a quo, - com tal articulado juntar documentos que nos autos ficaram, sem contraditório da requerida, ajudando a sustentar tal convicção, - responder aos documentos juntos pela requerida na oposição.

IX- Tendo o tribunal a quo ajuizado pela legitimidade e licitude da apresentação da peça processual e documentos juntos, incorreu efectivamente numa nulidade, face à prática de um acto que a lei não permite, com manifesta influência no exame e decisão da causa, nomeadamente por determinar número de articulados admitidos, a prova documental produzida pelas requerentes (cfr. junção de dez documentos com a “resposta à oposição”) – artigo 195º, nº 1 do CPC.

X- Tendo a nulidade daqui resultante sido oportunamente arguida pela requerida/contraditada pelas requerentes e indeferida pelo Tribunal a quo, pode agora ser objeto de recurso e ser reconhecida pelo Tribunal ad quem (artigo 644º, nº 3 do CPC).

XI- Reconhecendo-se a nulidade ocorrida, deve anular-se a posterior decisão de mérito proferida e ordenar-se a produção de prova pela requerida.

XII- O tribunal julgou-se habilitado a apreciar o mérito da oposição apresentada pela requerida/apelante e proferiu decisão sem qualquer outra produção de prova por parte desta, designadamente a prova testemunhal indicada.

XIII- A decisão impugnada não elenca quaisquer factos que considera provados e não provados. Não discrimina os factos que considera provados, limitando-se a aludir à decisão cautelar proferida sem audiência da requerida em termos vagos (e.g. "conforme resulta dos factos”), discorre sobre parte da matéria alegada na oposição (e.g. “ tendo-se limitado a dizer que as transferências bancárias o foram de acordo com a vontade efetiva do falecido, e em vida deste”) para concluir que “as...

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