Acórdão nº 259/15.9T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA AMÁLIA SANTOS |
Data da Resolução | 11 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Maria, melhor identificada nos autos intentou contra o Banco A, S.A., a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na qual pede a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 5.026,00, acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável, vencidos desde 18.11.2014 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que é legítima possuidora do cheque n.º 1901274130, da conta solidária n.º 00371277298, do Banco B, actualmente Banco A, S.A., no montante de € 5.000,00, datado de 25.06.2010. com o local de emissão em Braga, o qual veio à sua posse por lhe ter sido endossado por José, pessoa à ordem do qual o mesmo foi emitido, como consta do próprio título.
Pretendia aquele José pagar-lhe, através do referido cheque, um empréstimo que lhe foi concedido pela Autora.
Assim, na posse daquele cheque, no dia 13 de Novembro de 2014, a Autora deslocou-se à dependência de Vila Verde do Banco A, S.A., com vista a depositar na sua conta aquele cheque, tendo-se previamente assegurado, junto do balcão, de que a conta referente àquele cheque tinha provisão suficiente para lhe pagar aquela quantia.
Após ter depositado o aludido cheque, e convencida de que o mesmo ser-lhe-ia pago, deu a A. ao referido endossante quitação de recebimento de € 5.000,00, correspondente à quantia titulada no mesmo.
Todavia, ainda hoje não recebeu aquela quantia, pois que no dia 19 de Novembro de 2014, recebeu do Banco A uma carta, datada de 18.11.2014, a informá-la que haviam debitado na sua conta o valor do cheque e respectivas despesas, no valor global de € 5.026,00, por ordem de não pagamento do cheque, por parte do seu titular, alegadamente por justa causa – extravio do cheque.
E consultado o cheque em mérito, no seu verso resulta, em menção manuscrita aposta no carimbo próprio, que o mesmo foi devolvido pelo serviço de compensação do Banco A, S.A., em 18 de Novembro de 2014, por “cheque revogado por justa causa – extravio”.
Motivo que é falso, uma vez que o cheque em causa foi preenchido pelos seus titulares, que o entregaram de livre e espontânea vontade ao endossante José, à ordem de quem foi o mesmo emitido, facto que era do conhecimento da instituição bancária que recusou o seu pagamento, tendo assim prejudicado a A. no montante do cheque.
* Contestou a Ré, impugnando parcialmente a matéria alegada na Petição Inicial, mais alegando que recebeu do sacador, com quem mantém uma relação comercial de confiança, no dia em que o mesmo foi apresentado a pagamento, uma ordem de proibição de pagamento do referido cheque por extravio, fundamento que, por si só, constitui motivo sério e suficiente, não recaindo sobre a Ré qualquer obrigação de investigar ou indagar a veracidade da declaração.
Acresce que a Ré não tinha razões para desconfiar do sacador quando este lhe deu a ordem de proibição de pagamento, pois tratava-se de um cliente com quem mantém relações comerciais e que movimentava regularmente a conta.
Ademais, o artigo 32.º da LUCH e o artigo 14.º do Decreto n.º 13 004 não são aplicáveis ao extravio; a revogação e o extravio do cheque são realidades distintas que não se confundem, o que implica que se não possa aplicar a este (ao extravio) as consequências da revogação do cheque.
Assim, a declaração ou simples informação de extravio de um cheque por parte do seu sacador torna lícita a sua recusa de pagamento pelo banco sacado.
Para além disso, havia ainda que provar o requisito da sua culpa, pois ainda que a referida declaração fosse falsa, como alega a Autora, a Ré não tinha conhecimento da mesma, nem tinha de indagar sobre ela.
Por outro lado, a recusa de pagamento não impedia a Autora, enquanto beneficiária desse cheque, de demandar criminalmente o sacador ou de exigir judicialmente o pagamento do capital por ele titulado e os respectivos juros, não sendo exigível ao banco sacado que, recebida a comunicação de extravio, tenha de alguma forma de policialmente indagar junto do portador da veracidade ou não das invocações do sacador, não lhe competindo assegurar o contraditório entre o sacador e portador do cheque e dirimir o litígio.
A Ré certificou-se, no entanto, de que a comunicação e extravio procedia do titular da conta sacada e da inexistência de indícios sérios de que o facto comunicado (extravio) era falso.
* A Ré apresentou ainda articulado superveniente, no qual invoca a excepção peremptória de sua ilegitimidade substantiva, a qual foi julgada improcedente, por despacho de fls. 87 a 97.
*Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “Nestes termos e face ao exposto, julgo improcedente a acção e em consequência, absolvo do pedido a Ré, “Banco A, S.A.”.
Custas pela Autora – Cfr., art.º 527.º, n.º 1.º, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe”.
* Não se conformando com a decisão proferida, veio a A dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “1- O presente recurso incide sobre a matéria de facto dada como provada e não provada e questões de direito, sendo que, quanto às questões de facto, e começando pelos factos dados como provados, nada há a dizer dos factos provados de 1 a 14 inclusive.
11- Ou seja, a contrario, a única e grave - dizemos nós - mácula do douto aresto neste particular, e que influiu decisivamente em todo este processo, diz respeito ao facto provado identificado com o nº 15: "A Ré recebeu do sacador, com quem mantinha uma relação comercial, uma comunicação, dando-lhe instruções para não pagar e para cancelar o cheque referido em I, alegando que o mesmo se havia extraviado.".
111- Para o efeito, refere a douta sentença, "Os depoimentos das testemunhas João e António permitiram a demonstração do ponto 15 dos Factos Provados, matéria que é do conhecimento de ambas, em virtude do exercício das respectivas funções - sendo a primeira funcionário da agência onde foi comunicado o extravio, comunicação de que tem conhecimento directo." IV- Nesse desiderato, convém, então, analisar os depoimentos das testemunhas do R. João e António.
V- Quanto ao primeiro, diz o douto aresto: "A testemunha João é funcionário bancário, referindo que, no ano de 2014, era gerente do balcão …, em Braga. Refere que o TF era seu cliente e que o mesmo foi ao balcão participar o extravio de cheques, apresentando cópia de participação às autoridades - esclarece que o banco não considera os cheques extraviados sem que lhe seja comprovada a participação às autoridades." VI- Desde logo, para o caso sob judice não interessará se o TF participou nesse balcão um qualquer extravio de cheques, mas tão só se participou o extravio do cheque em causa! Ficamos sem saber.
VII- Por outro lado, na qualidade de gerente daquele balcão, a testemunha João situa a dita participação em data que não especifica do ano de 2014, o que é demasiado vago.
VIII- Por sua vez, diz a douta sentença que "A testemunha António é funcionário bancário, trabalhando no Banco B desde 2003, exercendo as funções da área de compensação de cheques. Refere que o cheque em causa nos autos foi apresentado a pagamento e, no dia 1, foi devolvido por motivo de extravio. Segundo diz, pelo que se apercebe, esse cheque foi considerado extraviado em 15.11.2010, muito embora não tenha acesso à documentação que suporta fisicamente a menção de extravio." Mais "Esclarece que se a Autora tentasse levantar o cheque, tal não seria possível e que o documento junto a fls.7 é enviado pela Câmara de Compensação".
IX- Assim, fazendo uso, apenas, da composição factual inserta na douta decisão, resultará, desde logo e salvo melhor opinião, entre aqueles dois depoimentos, para além de deficiências irreparáveis, contradições insanáveis! X- Com efeito, como pode o António dizer que a participação de extravio ocorreu em 15/11/2010, "... muito embora não tenha acesso à documentação que suporta fisicamente a menção de extravio".
XI- Pelo seu depoimento haverá uma documentação que suporta fisicamente a menção de extravio mas se não tem acesso à mesma - aliás, ninguém a tem - como pode dizer a data (precisa) em que a mesma terá ocorrido? XII- E sendo uma data precisa do ano de 2010 há uma diferença de cerca de 4 anos em relação à outra data - em dia não determinado do ano de 2014 - dada pelo seu colega João, que alega ter conhecimento direto do facto.
XIII- Em que ficamos? Numa data determinada (15/11/2010) fornecida pelo António ou numa outra, indeterminada, algures pelo ano de 2014, fornecida pelo João? XIV- Depois, para além deste evidente anacronismo, é inexplicável e inconcebível que se dê alguma credibilidade a um depoimento (do João) que diz que em 2014 um determinado cliente, seja ele TF ou outro, foi ao balcão participar o extravio de cheques (repete-se, não do cheque em causa).
XV- Na verdade, sendo o cheque em causa datado de 25.06.2010 - facto provado 1 -, que razão estaria na base de o subscritor do cheque deslocar-se em 2014, decorridos cerca de 4 anos da subscrição e entrega do cheque, ao balcão do 360 em Braga, participar o extravio de cheques? XVI- Mas este depoimento pode ter outra interpretação que é o Banco ter dado extraviado o cheque em 15/11/2010 mas a declaração de extravio por parte do sacador ter sido feita em 2014.
XVII- Sendo certo que a possuidora do cheque e/ou o José nada lhe disseram nem tinham, como é óbvio, razões para o fazer, só por poderes de adivinhação tal poderia ter acontecido; ou então por uma enorme coincidência.
XVIII- Ora, como não acreditamos em adivinhos ou coincidências, o mais certo é tal não ter acontecido ou, a ter acontecido, a história estar mal contada, não competindo à A. - nem ao Tribunal - o papel de especular que outra história terá acontecido, XIX- O certo é que não obstante na sua douta contestação fazer repetidas alusões (Cfr., entre outros, os arts...
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