Acórdão nº 1199/15.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução25 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório Na Instância Central de Guimarães -2ª Secção Cível- Juíz 4, da Comarca de Braga, em acção declarativa comum intentada por José e cônjuge, Maria contra “Banco A, S.A.”, entretanto substituído na lide por “Banco B, S.A.

” (vd. fls. 233 ss.), foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência condenou o réu a cumprir o contrato de arrendamento que celebrou com os autores, que se mantém em vigor, cabendo-lhe proceder ao pagamento das rendas que se venceram, sendo as não pagas até Abril de 2017 acrescidas de 50% e as demais no valor acordado, sem prejuízo do acréscimo desse percentual em caso de mora.

Na referida acção os autores tinham alegado ter celebrado com o réu um contrato de arrendamento de bem imóvel para fins não habitacionais pelo prazo expressamente acordado de 30 anos, tendo o réu, contudo, procedido à resolução antecipada do mesmo, em termos que consideram ilícitos. E o réu, após ser citado, tinha vindo pugnar pela improcedência da acção, invocando que a resolução foi lícita, posto que teve na sua origem a alteração das circunstâncias que fundaram o contrato.

Inconformado com esta decisão, o réu veio dela interpor recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo (arts. 629º,1; 644º,1,a; 638º; 645º,1,a e 647º,1 CPC).

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 1.

Deve ser dado como provado que: “Em 2007 o grupo BANCO A apresentou lucros na ordem dos 100 milhões de euros” (alínea b) dos factos não provados), de resto, confirmado no relatório de contas consolidado do Grupo Banco A do ano 2007, pag. 98 do relatório e contas do Banco A , SA de 2007, publicado no site da CMVM e acessível através do link http://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PC17372.pdf.

  1. Deve ser dado como provado que: “Os critérios definidos/impostos para o encerramento das agências assentaram essencialmente na rentabilidade e na localização geográfica” (alínea d) dos factos não provados).

  2. Deve ser dado como provado que: “A localização da agência de Cabeceiras de Basto ficava numa das zonas geográficas do interior do País em que o Banco A foi obrigado a reduzir a sua presença por ser zona não rentável ou que apresentava menores índices de rentabilidade” (alínea e) dos factos não provados).

  3. A alteração das respostas dadas, nos termos anteriores, funda-se no depoimento prestado pela testemunha Manuel, que era diretor da Assessoria Jurídica do Banco A, à data da aplicação do Plano de Capitalização e de Reestruturação ao Banco A, no dia 03.04.2017, 12:12:32 a 13.28:07, passagens: 4m14s a 5m09s, 38m30s a 39m15s, 39m40s a 40m46s, cuja transcrição se mostra efetuada nas páginas 2 e 3 do presente recurso.

  4. Deve ser corrigido o facto provado 6 de molde a ficar com a seguinte redação: “Mais acordaram que as rendas se vencem conforme os pontos 3, 4, 5 e 6 da cláusula 5ª; a partir do início do décimo primeiro ano de vigência do contrato, sendo que qualquer um dos outorgantes pode tomar a iniciativa de proceder a uma correção extraordinária da renda para o valor locativo do rés-do-chão nessa data, tendo em conta todas as circunstâncias objectivas que nela possam influir, nelas se incluindo o montante inicial da renda”.

    RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS 6.

    Face aos factos provados nos artigos 13 a 22, 32 e 33 e à alteração para provados dos factos vertidos nas alíneas d) e e) dos não provados, o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o Banco A deve ter-se por validamente resolvido, atenta a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que afetou o equilíbrio contratual, mostrando-se contrário à boa fé manter o banco vinculado ao cumprimento das obrigações do contrato.

  5. O pressuposto de aplicação deste instituto consiste no facto de as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – circunstâncias de expansão económica, de crescimento e estabilidade e prosperidade do Banco A e da economia em geral – ter sofrido uma alteração ou modificação.

  6. O primeiro requisito de aplicação exige que as circunstâncias fundamentais tenham sofrido uma alteração anormal, isto é, uma alteração extraordinária, de vulto, muito grave e significativa.

  7. As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, consubstanciada na grave crise económica e financeira mundial e nacional e na necessidade do Banco A recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários.

  8. O segundo requisito implica que a estabilidade do contrato de arrendamento envolva lesão para uma das partes: neste caso, para o banco.

  9. Atenta a necessidade de encerramento da agência de Cabeceiras de Basto, por força das medidas impostas pelas instâncias comunitárias, manter o banco obrigado ao pagamento das rendas durante mais 22 anos e 5 meses, sem nenhuma contrapartida, implica um prejuízo para o banco de € 296.655,89, considerando a renda de € 1.102,81 (facto provado 9), sendo certo que o seu valor podia ser atualizado).

  10. Esta obrigação atenta gravemente contra os princípios da boa fé, que consiste no terceiro requisito de aplicação do instituto.

  11. Quanto ao quarto requisito, a exigência da obrigação de pagamento de € 296.655,89 de rendas até ao termo do prazo do contrato (mais 22 anos e 5 meses), sem qualquer contrapartida de gozo e fruição da fração, como resultado da grave crise económica e financeira mundial e da necessidade do Banco A recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários, não está coberta pelos riscos próprios do contrato de arrendamento celebrado.

  12. Por fim, verifica-se também o quinto requisito, porquanto à data em que foi aprovado o Plano de Recapitalização que obrigou o Banco A a encerrar um grande número de agências (janeiro de 2013), e à data em que a agência foi encerrada (31.01.2015), o banco encontrava-se em perfeito cumprimento junto dos Autores (facto provado 9).

  13. Verificados os pressupostos de aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, deve o contrato de arrendamento considerar-se validamente resolvido com efeitos a 31.01.2015, devendo o banco ser absolvido dos pedidos formulados.

    O INDEFERIMENTO LIMINAR DO ARTICULADO SUPERVENIENTE. A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA 16.

    Como resulta do Anexo 3 da deliberação do BdP de 20.12.2015, os direitos e ativos que foram transferidos para o Banco B mostravam-se registados na contabilidade do Banco A.

  14. Ora, a agência de Cabeceiras de Basto do Banco A não se mostrava registada na sua contabilidade à data da transmissão dos ativos e passivos para o Banco B.

  15. As agências bancárias integraram a “área de negócio” transferida do Banco A para o Banco B, com exceção daquelas que não compunham a sua “área de negócio”, como foi o caso da agência de Cabeceiras de Basto – conforme doc. 1 do articulado superveniente, em que o BdP certifica que a agência de Cabeceiras de Basto estava encerrada em momento anterior à adoção da medida de resolução.

  16. Assim, a agência de Cabeceiras de Basto não estava registada na contabilidade do Banco A, como um “ativo” ou “direito”, à data da aplicação da medida de resolução, pelo que não transitou na “área de negócio” do Banco A para o Banco B.

  17. Além disso, a alegada responsabilidade do Banco A perante os Autores – emergente do alegado incumprimento do contrato de arrendamento – não estava registada na contabilidade daquele, e configura uma responsabilidade contingente e litigiosa à data da medida de resolução, pelo que constitui um passivo excluído da transmissão para o Banco B, por força do ponto 1, alínea b), subalíneas (vii) e (xii) da medida de resolução.

  18. Deste modo, os autos padecem de um vazio de objeto, na medida em que se pede que o Banco B cumpra um contrato em que não é parte, por não lhe ter sido transmitido da esfera jurídica do Banco A para a sua esfera jurídica.

  19. Em conclusão, a não transmissão do arrendamento para o Banco B e a consequente impossibilidade de o cumprir, no caso de procedência da ação, constitui um facto impeditivo do direito que os Autores pretendem exercer contra o Banco B.

  20. Acresce que a deliberação tomada pelo BdP ao determinar a irresponsabilização do Banco B, seja a que título for, por atos praticados pelo Banco A antes da aplicação da medida de resolução, desconhecidos e não registados na contabilidade – onde se inserem os factos que fundamentam a pretensão dos Autores nos presentes autos – configura uma causa que determina a ilegitimidade substantiva do Banco B.

  21. A legitimidade substantiva passa por determinar quem é o efetivo titular do direito em questão, relacionando-se com o mérito da ação, diferentemente do que sucede com a legitimidade ad causam, pressuposto processual que não se prende com o mérito do pedido.

  22. A legitimação ou legitimidade substantiva é o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do facto jurídico.

  23. Ora, face à deliberação do BdP, enquanto verdadeiro ato normativo, inexiste qualquer responsabilidade que possa ser assacada ao Banco B no âmbito da presente ação.

  24. A ausência de legitimidade substantiva do BANCO B constitui uma exceção peremptória inominada que conduz à absolvição dos pedidos nos termos do artigo 576º, nº 1 e 3 do CPC.

  25. Pelo que, independentemente da substituição processual operada nos autos entre o Banco A e o Banco B (legitimidade processual), deve ser julgada procedente a excepção perentória de ilegitimidade substantiva do Banco B, devendo este ser absolvido dos pedidos formulados de cumprimento do contrato e de indemnização.

  26. Salvo melhor opinião, quanto à matéria invocada no articulado superveniente não existe caso julgado formal, pelo que o articulado superveniente não podia ter sido liminarmente indeferido.

  27. O Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da norma do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT