Acórdão nº 2608/16.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | ALEXANDRA ROLIM MENDES |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: José intentou a presente ação declarativa com processo comum contra Banco A, SA e Banco B, SA pedindo o seguinte:
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Se declare nula, anulável e de nenhum efeito a subscrição por parte do A. da aplicação da quantia de 150.000,00€, no dia 30/01/14, junto da 1ª Ré; em papel comercial; b) Condenar-se as Rés, solidariamente a pagar ou restituir ao Autor a quantia de 150.000,00€ que este aplicou no dia 30/01/14, junto da 1ª Ré, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data da respetiva citação até efetiva e integral restituição.
Alega para o efeito que abriu conta na 1ª Ré lá depositando a quantia total de 2.250.000,00€ que ganhou no jogo totoloto. Com tal quantia constitui diversos depósitos a prazo, nomeadamente a quantia de 150.000,00€ em papel comercial por 9 meses. Essa aplicação apenas foi feita pelo Autor porque o funcionário da 1ª Ré lhe garantiu que o capital investido não corria qualquer risco, pois as aplicações eram semelhantes a um depósito a prazo. Se o A. soubesse que corria risco de perder o capital nunca teria subscrito tal aplicação. O Autor não tinha conhecimentos técnicos para entender a ficha técnica e ficha de subscrição do mencionado produto, nem o conteúdo das mesmas lhe foi explicado.
No vencimento da mencionada aplicação verificou que a mesma não era de capital garantido e que tinha aplicado o seu dinheiro numa empresa denominada “RF”. Diz que foi o funcionário da 1ª Ré que o convenceu a aplicar a mencionada quantia na referida aplicação, convencendo-o de que era igual a um depósito a prazo, configurando tal atuação como de consultoria para investimento e execução de ordem por conta de outrem, invocando a nulidade dos atos de intermediação financeira praticados pela 1ª Ré.
Na sua contestação o Réu, Banco B, S.A., invocou a sua própria ilegitimidade para estar em juízo, afirmando que, quer a deliberação do Banco de Portugal invocada pelo Autore, de 3 de Agosto de 2014, quer a deliberação que se lhe seguiu, de 11 de Agosto de 2014, não transferiram do Banco A para o Banco B quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco A que, às 20.00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco A.
O Autor pronunciou-se sobre a exceção invocada pelo Réu, interpretando diferentemente as deliberações e dizendo ainda que as deliberações do Banco de Portugal referidas pelo Réu são ilegais e inconstitucionais. Conclui pela improcedência da invocação.
*Em sede de despacho saneador o Tribunal recorrido proferiu decisão em que, na parte com interesse para o presente recurso, julgou o Réu Banco B parte ilegítima e o absolveu da instância.
* Inconformado veio o interpor recurso formulando as seguintes Conclusões: 1. Não concorda o Recorrente com a douta decisão em apreço, que julgou a exceção de inutilidade perentória de ilegitimidade substantiva invocada pelo Réu Banco B (ora em diante Banco B) procedente e, em consequência, absolveu da instância o réu Banco B.
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Refere a douta sentença a quo que por força das deliberações do Banco de Portugal e especificamente, por força do disposto na subalínea (vii), da alínea b), do nº 1, do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, na versão consolidada que consta em Anexo à Deliberação do mesmo banco relativa ao perímetro, de 29.12.2015, as responsabilidades que o Autor imputa ao Banco A, SA (ora em diante Banco A) não foram transferidas para o Banco B, pelo que este não tem interesse em contradizer, nos termos em que este interesse é definido no artigo 30º do CPC.
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Sucede que, no nosso modesto entendimento, as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, não têm a virtualidade de asseverar a irresponsabilidade do Recorrido Banco B.
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Com efeito, a medida de resolução de aprovada em 3 de agosto de 2014 pelo Banco de Portugal afirma no seu ponto 11: “Na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade do Banco A, SA, a outra instituição de crédito autorizada, a criação de um banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo Banco A, SA., bem como um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão, revela-se como a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o Banco B dos riscos criados pela exposição do Banco A, SA. a entidades do Grupo A.” (sublinhado nosso) 5. Ou seja, invocando o interesse público da manutenção da atividade bancária do Banco A, o Banco de Portugal patrocinou a apropriação dos principais ativos e de toda a estrutura que permitia tal atividade a favor de uma entidade nova, o Banco B.
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Sendo que, do mencionado ponto 11 da medida de resolução de aprovada em 3 de agosto de 2014 pelo Banco de Portugal resulta que o R. Banco B sucedeu ao R. Banco A no exercício da atividade bancária, ficando com o capital que foi arrecadado nos negócios bancários (ativo), mas também com todas as obrigações (passivo), onde se incluía, como se inclui, o papel comercial.
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Ademais, já recaiu sobre esta matéria, decisão dos tribunais superiores que o Banco B sucedeu, tout court ao Banco A nomeadamente, no Ac. do TRL de 18/06/2015, proferido no processo nº 2318-12.0TJLSB-A.L1-8, publicado in www.dgsi.pt.
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Deste modo, a deliberação de 29 de dezembro de 2015, proferida posteriormente à medida de resolução de 3 de Agosto de 2014 e que procurou reverter tal transmissão do papel comercial do Banco foi escrita cirurgicamente com vista a proteger não qualquer interesse público, mas sim do Banco B, porquanto, uma deliberação que visa, supostamente, “clarificar” pontos constantes da deliberação de 03 de Agosto de 2014, reporta-se detalhadamente não só às ações judiciais que estavam pendentes à data, mas a todas as que entraram após aquela data, e a todas as que venham a ser intentadas, na qual se inclui a do Recorrente.
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Conhecendo os argumentos de que os lesados lançaram mão para defenderem os seus direitos, ao abrigo da legislação portuguesa e através dos meios judiciais competentes cujo acesso lhes é garantido pela Constituição da República Portuguesa, o Banco de Portugal tomou a iniciativa de, um ano e quatro meses depois, “clarificar” retroativamente a deliberação inicialmente tomada, intencional e cirurgicamente construindo uma nova deliberação potencialmente geradora de uma situação de ilegitimidade passiva do Banco B ou de inexequibilidade de qualquer decisão judicial que o condenasse, que antes daquela data (29/12/2015), não existia.
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O Banco de Portugal realizou, por via desta deliberação, uma manobra visando a “capitalização” do Recorrido Banco B e exonerando-o, retroativamente, de quaisquer obrigações que forem declaradas pelos tribunais.
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Ora, nos termos do disposto no art. 20º, 1 da CRP é inequivocamente inconstitucional a interpretação desta norma em termos que considerem que a Lei Fundamental permite que uma entidade administrativa sujeita ao controlo jurisdicional dos tribunais – o Banco de Portugal – pode, por ato discricionário impedir os efeitos de decisões judiciais que sejam contrárias às suas deliberações, ou qualquer interpretação que vá no sentido de permitir que a entidade sujeita a controlo jurisdicional – o Banco de Portugal - possa decretar que, na hipótese de os tribunais considerarem ilegais as suas deliberações, nenhuma responsabilidade possa ser imputada ao Banco B.
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Nos termos do art. 101º da Constituição da República Portuguesa, o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.
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Por outro lado, o art. 102º da mesma lei fundamental permite que o Banco de Portugal desafore a responsabilidade dos que exercem a atividade bancária com dinheiro apropriado através de engano dos depositantes, uma vez que tal dinheiro enquanto ativo foi transmitido para o Banco B.
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Sendo que é o Tribunal e não o Banco de Portugal a entidade competente para julgar as questões relativas à responsabilidade da atividade bancária do Banco A, a que sucedeu o Banco B S.A..
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Acresce que, a posição assumida pela douta sentença a quo põe completamente em crise a garantia patrimonial dos créditos do recorrente que foi afirmada, de forma perentória pelo Governador do Banco de Portugal pela deliberação de 3 de agosto, nestes precisos termos, que podem ler-se no sítio do Banco de Portugal: “O Banco de Portugal, em articulação com as autoridades europeias e tendo em conta o quadro legal em vigor, decidiu aplicar uma medida de resolução ao Banco A, SA., que passa pela criação de um banco novo para o qual é transferido o essencial da atividade até aqui desenvolvida pelo Banco A.” “Assim, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi criado um banco novo, denominado de Banco B, para o qual são transferidos, de imediato e de forma definitiva, a generalidade dos ativos e passivos do Banco A, SA., bem como os seus colaboradores e demais recursos materiais.” “O Banco B continuará a assegurar a atividade até aqui desenvolvida pelo Banco A, SA. e pelas suas filiais, em Portugal e no estrangeiro, protegendo assim os seus clientes e depositantes.” (sublinhado nosso) 16. Não pode, a posteriori, o Banco de Portugal deliberar com força normativa, a “clarificação” de uma deliberação anterior, à medida da conveniência de partes concretamente determinadas e após o próprio Banco B ter formulado propostas de acordo, nomeadamente, aos lesados emigrantes.
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Tanto mais que, não pode...
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