Acórdão nº 83/16.1T8VRL-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório No apenso de reclamação de créditos relativo à insolvência de Manuel e Maria, o Banco X, S.A. apresentou um requerimento (cfr. fls. 28 a 35), no qual, em resumo: - Arguiu a nulidade decorrente da não consideração na lista a que alude o artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E., da garantia real de que beneficia relativa a um crédito de terceiro, bem como a ulterior ausência de notificação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 129.º, n.º 4, do C.I.R.E..
- Arguiu a nulidade resultante da preterição do direito ao contraditório, por não lhe ter sido facultada a possibilidade de intervir no processo de insolvência.
- Subsidiariamente ofereceu um articulado de reclamação de créditos espontâneo.
*Datado de 8/09/2017, o Tribunal a quo proferiu despacho (cfr. fls. 53 a 62), nos termos do qual decidiu: «a) Julgar não verificadas as nulidades arguidas pelo Banco X, S.A.; b) Não admitir a apresentação de reclamação de créditos espontânea pelo Banco X, S.A., em consonância com o disposto no artigo 788.º, n.º 3, do C.P.C.; c) Condenar o Banco X, S.A., nas custas do incidente, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 1 (uma).
" *Inconformado com esta decisão, o Banco X, S.A. dela interpôs recurso, pedindo o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedentes as nulidades arguidas e, em consequência, anule todos os actos subsequentes à apresentação da lista definitiva de créditos apresentada pela Administradora da Insolvência, ordenando, ainda, o cumprimento, perante o Recorrente, do aviso constante do artigo 129.º n.º 4 do CIRE, ou, subsidiariamente, a admissão da reclamação de créditos espontânea do Recorrente (cfr. fls. 64 a 72).
A terminar as respectivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)): «1.º Os Insolventes não figuram nos contratos hipotecários de onde decorre o crédito do Banco Recorrente, garantido por hipoteca sobre imóvel apreendido à ordem da massa insolvente, o qual à data do celebração dos contratos pertencia aos Srs. José e Manuela e que apenas foi transmitido aos insolventes em 03/08/2010 – materialidade que, em sede de decisão da matéria de facto, deve ser dada como provada com base nos documentos junto ao requerimento apresentado pela Recorrente.
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Ao Banco Recorrente nunca foi dada hipótese de se pronunciar quanto à hipoteca registada sobre o imóvel apreendido à ordem da massa insolvente.
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A Sra. Administradora da Insolvência, assim que se apercebeu da existência do ónus existente sobre prédio apreendido a favor da massa insolvente, deveria ter ouvido credor hipotecário sobre a hipoteca existente, sendo certo que não o tendo feito violou o princípio do contraditório e que tal actuação consubstancia uma nulidade processual, uma vez que não foi conferida ao ora Requerente a oportunidade de se pronunciar quanto à existência da Hipoteca registada a seu favor – tudo nos termos do artigo 195.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE – assim lhe causando um prejuízo directo e imediato em virtude de o seu crédito não se ver verificado e graduado nos autos.
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Caso a Sra. Administradora da Insolvência tivesse ouvido o Recorrente no que concerne à sua hipoteca, na sequência da apresentação do auto de arrolamento, o Recorrente sempre poderia, tempestivamente, lançar mão do expediente da Verificação Ulterior de Créditos.
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Não existe qualquer regime no CIRE que impeça a aplicação subsidiária do artigo 788.º n.º 3 do CPC, ficando o papel de um credor de um terceiro alheio à insolvência, que seja titular de um direito real de garantia sobre imóvel apreendido à ordem da massa insolvente, reduzido à participação no processo de insolvência no que respeita à venda do bem sobre o qual detém essa garantia – devendo, assim, ser admitida a reclamação de créditos espontânea do Recorrente.
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Era impossível o Recorrente ter tido conhecimento da presente insolvência na sequência da mera publicação de anúncios ou editais, uma vez que os insolventes não são seus devedores, pelo que e em face disso, os presentes autos não poderão merecer o mesmo entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/09/2016 convocado pelo Mmo. Juiz a quo.
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A Sra. Administradora da Insolvência deveria ter notificado o Recorrente nos termos previstos no artigo 129.º n.º 4 do CIRE, uma vez que lhe era exigível conhecer do crédito do Recorrente a partir do momento em que existe uma hipoteca registada em imóvel apreendido à ordem da massa insolvente.
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Ao não o ter feito, essa omissão consubstancia uma nulidade processual uma vez que influi claramente no exame ou na decisão da causa (artigo 195.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE) para efeito de reclamação de créditos, devendo ser assim anulados todos os actos processuais que se seguiram à omissão do aviso a que se refere o referido n.º 4 do artigo 129.º do CIRE.
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Caso assim não se entenda fica desprovida de todo e qualquer sentido prático a constituição de garantias reais em casos, como o presente, que (com toda a certeza, por força da liquidação de todo o activo) culminarão em venda executiva de bens, que garantiam créditos concedidos a terceiros alheios à insolvência, por força do estatuído no artigo 824.º n.º 2 do Código Civil – colocando em causa princípios tão básicos de um estado de direito como o princípio da confiança na ordem jurídica.
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Por força do estatuído no artigo 164.º n.º 5 do CPC gerar-se-á um impasse jurídico em todo o processo de insolvência na medida em que a venda não poderá ter lugar uma vez que tal prejudicará a satisfação do crédito do Recorrente, crédito esse já exigível.
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A única forma de evitar que a satisfação do crédito saia prejudicada, que a venda do imóvel se possa concretizar e que processo de insolvência possa ser encerrado, é a de incluir o ora Requerente na lista definitiva de créditos, como deveria, aliás, ter constado desde o momento em que a Sra. Administradora da Insolvência deu conta que sobre um dos imóveis apreendidos existia uma hipoteca do Recorrente.
Termos em que, E nos melhores de Direito que V/Exas. certamente suprirão, deve o Despacho recorrido ser revogado e substituído, ou ordenado substituir, por outro que julgue procedentes as nulidades arguidas pelo Recorrente, e acto contínuo, serem anulados todos os actos subsequentes à apresentação da lista definitiva de créditos apresentada pela Sra. Administradora da Insolvência, ordenando-se, ainda, o cumprimento, perante o Recorrente, do aviso constante do artigo 129.º n.º 4 do CIRE, ou Subsidiariamente, ser admitida a reclamação de créditos espontânea do ora Recorrente.
Assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!».
*A administradora de insolvência (AI) apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão proferida no despacho de 08/09/2017 com todos os efeitos legais, porquanto não violou quaisquer preceitos legais, “maxime” os mencionados pelo recorrente (cfr. fls. 74 a 78).
*O recurso foi admitido por despacho de 6 de novembro de 2017, como de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo (cfr. fls. 97 v.º).
*Foram colhidos os vistos legais.
*II. Objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes: 1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto; 2.ª – Da nulidade por violação do princípio do contraditório; 3.ª – Da admissibilidade da reclamação de créditos apresentada espontaneamente pela recorrente ao abrigo do art. 788º, n.º 3 do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE.
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– Da nulidade por violação do art. 129º, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, abreviadamente, designado por CIRE), aprovado pelo Dec. Lei n.º 53/2004, de 18/03; 4ª – Da aplicação do artigo 164.º n.º 5 do CIRE.
*III. Fundamentação de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Em 14/01/2016, Manuel e Maria apresentaram-se à insolvência.
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Em 27/01/2016 foi proferida sentença de declaração de insolvência de Manuel e Maria.
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Em 28/01/2016 a sentença de declaração de insolvência foi publicitada na plataforma “Citius”.
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Em 05/02/2016 e 17/02/2016 foram afixados editais de publicitação da sentença de declaração de insolvência nas instalações do Tribunal e na habitação dos insolventes, respectivamente.
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No apenso A), em 11/05/2016 a Srª. Administradora da Insolvência apresentou a lista a que alude o artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E., nos termos constantes de fls. 3-6 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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No apenso A), em 24/11/2016 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos constantes de fls. 30-36 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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No apenso B), em 11/05/2016 a Srª. Administradora da Insolvência apresentou o auto de arrolamento, nos termos constantes de fls. 2-4 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), no qual, entre o mais, foi incluída, sob a verba n.º 6, a fracção autónoma designada pela letra “D”, integrante do prédio urbano sito na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 222 e inscrito na matriz predial sob o artigo 111.º.
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Relativamente ao imóvel indicado em 7 constam inscritos no registo os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa: - constituição de hipoteca a favor do Banco X, S.A., realizada por José e Manuela, para garantia de um financiamento, no montante global de € 102.750,00, mediante a apresentação n.º 50, de 27/10/2006; -...
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