Acórdão nº 653/14.2TBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018
Magistrado Responsável | RAQUEL TAVARES |
Data da Resolução | 08 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório FC & CIA LDA deduziu os presentes embargos de executado por apenso à execução n.º 653/14.2TBGMR em que é Exequente Banco X, pedindo a extinção da execução.
Alega em síntese que a Exequente não figura no título dado à execução e que a cessão de créditos é alheia à Embargante.
Que não consta da livrança qualquer endosso à exequente pelo que esta não pode accionar a Embargante.
Que não sabe que cálculos fez a Exequente para atingir os valores que refere, nem sabe se esses valores, e todos eles têm algum suporte legal, ou se o mútuo subjacente à livrança está vencido, e quando, ou desde quando.
Mais alega que se é verdade que a embargante terá entregue a livrança em questão ao Banco A, e se é verdade que lhe terá concedido o direito de preencher essa livrança, nos espaços em branco, já não é verdade que lhe tenha concedido o direito da a preencher sem informar previamente a embargante dos valores que apurar, nem é verdade que tenha ao Banco A consentido o direito - rigorosamente “intuitu personae” - de caber a outrem o direito de a preencher, não sendo admissível conceder esse direito anonimamente a um funcionário qualquer da Exequente, e menos ainda a esta, genericamente.
A Embargada veio contestar alegando ser justificado o preenchimento da livrança, atento o pacto de preenchimento que faz parte integrante do contrato, mais concretamente a Convenção de Preenchimento da Livrança em Branco com o N.º ...9 e que a embargante foi devida e efectivamente interpelada, para o domicílio convencionado, relativamente ao incumprimento do contrato, agindo com má fé.
Foi realizada tentativa de conciliação, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido saneador sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decido: 9.1- julgar os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa contra a ora embargante.
9.2.- Custas pela executada/embargante.
9.3.- Registe e notifique, sendo a embargante para se pronunciar sobre o pedido de litigância de má-fé deduzido pela embargada.
9.4.- Informe a AE do teor da presente sentença.” Inconformada, apelou a Embargante da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES 1- A sentença recorrida sustenta erradamente que a embargante, na sua petição inicial, “alega, em síntese, que a exequente é parte ilegítima porquanto nunca teve conhecimento da cessão de créditos que a mesma alega no requerimento executivo”, quando a verdade é que a embargante invocou a ilegitimidade da exequente, mas com base no facto de a mesma não constar do título executivo, nem de qualquer dos documentos posteriormente juntos aos autos.
2- Assim, ao fazer aquela referência e ao omitir decisão sobre as demais questões postas, cometeu a sentença a nulidade prevista pelo n.º1, al. b) do artigo 615º do Código de Processo Civil, de que importa conhecer, com as necessárias consequências, designadamente a de se julgar a sentença nula, a fim de serem decididas as questões que devia ter abordado.
3- Com efeito, alegou a embargante que a exequente não é portadora legítima do título dado à execução, uma livrança, pois desta não consta qualquer endosso a favor da mesma exequente, e no texto da petição da ação executiva refere-se expressamente que os factos que constituem a causa de pedir da execução “constam exclusivamente do título executivo”, e deste não consta qualquer alusão ou referência à exequente, sendo certo que a exequente teria de justificar o seu alegado direito de acionar com base na livrança, por uma série ininterrupta de endossos (artigo 16º da LULL e Vaz Serra BMJ, 61,181), questão que o tribunal devia ter abordado e conduz necessariamente à improcedência da execução.
4- Alegou ainda a embargante que, para além da insuficiência do título dado à execução, nem do contrato de trespasse nem do contrato de cessão de créditos consta qualquer referência à transmissão do crédito do Banco A para a exequente, como claramente resulta dos textos respetivos que acima se resumem, e pediu a notificação da exequente para comprovar documentalmente a invocada cessão do crédito, o que a exequente, apesar de notificada por duas vezes, não fez, pelo que a sentença não podia dar por assente, como deu, que ocorreu a indicada transmissão do crédito, e antes devia julga-la não provada.
5- A embargante, posta ante o preenchimento da livrança com os valores que dela constam, impugnou esses valores por não ter elementos para saber que cálculos foram feitos pelo exequente, pelo que também por isso o tribunal não podia considerar assente como devido o valor que foi dado à execução e pelo qual foi preenchida a livrança, pois o mesmo não pode ter-se por assente.
6- Para além disso, tendo a embargante entregue a livrança dada à execução em branco ao Banco A, para que este a preenchesse de acordo com um pacto de preenchimento entre ambos celebrado, alegou a embargante que esse direito concedido ao Banco A devia ter-se por um direito estritamente pessoal, que só se confere em razão de grande confiança pessoal, e que, por isso, não podia ter-se transmitido para a exequente, o que ou permitia ao tribunal desde já julgar a execução improcedente, ou, no mínimo, devia levá-lo a considerar a matéria controvertida e proceder a julgamento”.
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso, devendo conhecer-se das apontadas nulidades, e julgar-se desde já a acção executiva improcedente e não provada, ou ordenar os posteriores termos do processo, com julgamento, para aí se demonstrar qual é a quantia exequenda e se era legítima a transmissão para a exequente do direito de preencher a livrança.
A Embargada contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes: 1 - Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil; 2 - Saber se a livrança pode ser validamente transmitida a terceiro por outra forma que não seja o endosso, designadamente através de escritura pública de cessão de créditos; 3 - Saber a quem incumbe o ónus de alegação e prova da violação do pacto de preenchimento; 4 – Saber se livrança em branco e a autorização do seu preenchimento assumem carácter intuitu personae impeditivo da sua transmissão com a cessão de créditos.
***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1- A embargante celebrou com o extinto Banco A o contrato de mútuo com hipoteca junto a fls. 41 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2 - No âmbito desse contrato identificado em 1., a embargante subscreveu a livrança junta a fls. 7 dos autos de execução, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3 - A embargante entregou à exequente a livrança em branco apresentada à execução.
4 - A embargante subscreveu o pacto de preenchimento da livrança apresentada à execução junto a fls. 60 e 60 v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5 - A exequente, por carta datada de 30-12-2003, comunicou à subscritora da livrança identificada em 2., a remessa da mesma à cobrança bancária pelo valor total de 329.510,22 euros, conforme carta junta a fls. 62, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
6 - Até à presente data, a livrança não está paga por nenhum dos obrigados.
***Factos considerados não provados em Primeira Instância: Consta da decisão recorrida que “Não se provaram os demais fatos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos fatos provados ou estejam em contradição com estes.” ***3.2. Da nulidade da sentença A Recorrente vem arguir a nulidade da decisão recorrida com fundamento na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (embora seguramente por manifesto lapso de escrita refira nas conclusões a alínea b), consta da página 3 do corpo das alegações a referência expressa à alínea d) por entender que a decisão...
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