Acórdão nº 7255/16.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório José, NIF …, residente em Vizela, intentou, no Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Maria, NIF …, residente em Vizela, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 26.983,34, acrescida de juros de mora, até integral e efetivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que é o valor de ½ das poupanças resgatadas pela Ré, sem consentimento do Autor, depois de cessada a convivência do casal e antes de entrada da ação de divórcio, e que eram bens comuns do casal.

*Contestou a Ré, nos termos constantes de fls. 68 a 74, pugnando pela total improcedência da ação.

Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que algumas dessas quantias eram dos seus filhos e herança por morte de seus pais e que o dinheiro foi gasto com o agregado familiar, em despesas com os dois filhos do casal.

*Realizou-se audiência prévia, na qual, após a frustração da tentativa de conciliação, foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância; procedeu-se à identificação do objecto do litígio, foram admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 89).

*Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. acta de fls. 119 a 121).

*Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença, datada de 14/07/2017, (cfr. fls. 122 a 130), nos termos da qual decidiu julgar «a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência», absolveu a Ré do peticionado.

*Inconformado, o autor José interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 132 a 142) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)): 1/ No ponto 2 da sentença, o tribunal a quo errou ao dar como provado que "A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das suas poupanças através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios - Balcão de Vizela, conta aforro n." ...0." 2/ Na verdade, o capital investido era resultante por poupanças do casal, acumuladas durante o matrimónio e fruto do trabalho e rendimento de ambos.

3/ É também falsa a alegação de que estas poupanças resultavam, quase exclusivamente, do seu trabalho, quer como assistente operacional na Escola Secundária X, quer como funcionária nos armazéns do recorrente.

4/ A recorrente auferia, como assistente operacional, cerca de € 600,00 mensais (vide faixa 20170628160816_5391110_2870583 - minuto 07:15).

5/ Por sua vez, o recorrente auferia mensalmente € 1.000,00 líquidos, quantia à qual acresciam os lucros gerados pelas empresas que detinha e que eram, regularmente, divididos entre os sócios (vide faixas 20170628151550 5391110 2870583 minuto 06:58 e 20170628151550_5391110_2870583 - minuto 07:35).

6/ Ao contrário do que alegou, a recorrida colaborava poucas horas no armazém do recorrente, e fazia-o esporadicamente nos seus tempos livres, pelo que nunca poderia auferir um salário, e muito menos semelhante ao deste último.

7/ Esta factualidade foi confirmada pela irmã da recorrida (testemunha por esta arrolada), que afirmou o seguinte: "quando o Zé [recorrente] tinha o armazém, ela ajudava o Zé no armazém ... fins-de-semana, quando saía das aulas ... quando saía da escola ia para lá" (faixa 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 02:50).

8/ Que afirmou ainda que a recorrida não recebia nada pelo que fazia no armazém (faixa 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 15:00).

9/ Quanto a este ponto, refira-se ainda que a recorrida mentiu ao tribunal, quando afirmou que: "trabalhava no armazém, trabalhava na escola à noite, mudei o meu horário, pedi na escola para mudar o meu horário para a noite para poder trabalhar no armazém ... " (faixa 20170628160816_5391110_2870583 - minuto 01:56).

10/ Tendo em conta as declarações da sua irmã, se a recorrida trabalhava na escola no turno da noite, era-lhe impossível trabalhar no armazém depois de sair deste emprego, porquanto este se encontrava fechado, como é normal nesse tipo de atividade.

11/ Por aqui se percebe que a atuação da recorrida preenche os requisitos para ser condenada por litigância de má-fé, ao contrário do que julgou o tribunal a quo.

12/ Como tal, ficou provado que o dinheiro aplicado na subscrição de certificados de aforro resultou de poupanças acumuladas pelas partes na constância do matrimónio, pelo que o ponto 2 da sentença deve ser julgado como não provado.

13/ De seguida, no ponto 7 da sentença, o tribunal dá como provado que "Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido € 5.000,00, por conta de herança dos pais".

14/ No que diz respeito ao dinheiro amealhado pelos filhos, a sua menção não faz qualquer sentido, uma vez que não fazem parte do objeto do processo.

15/ Até porque esses certificados de aforro já foram objeto de divisão, facto confirmado pela recorrida (vide faixa 20170628160816_5391110_2870583 - 10:30).

16/ Por outro lado, também nenhuma prova foi feita relativamente aos € 5.000,00 recebidos pela recorrida a título de herança dos pais, designadamente, quando se e quando foi recebida esta quantia.

17/ E ainda que o recebimento desta herança tivesse sido provado, circunstância que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe (mas não concede), estaríamos, em todo o caso, a falar de apenas € 5.000,00, num montante global de certificados de aforro que ultrapassa os € 50.000,00.

18/ Por tudo isto, também o ponto 7 da sentença terá de ser julgado como não provado.

19/ Temos, ainda, o ponto 8 da sentença, no qual o tribunal a quo deu como provado que "A Ré levantou as poupanças para fazer face às despesas, para alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações." 20/ Convém esclarecer, desde já, que a recorrida não apresentou qualquer prova (em particular, documental - faturas ou recibos) relativa a estas despesas, tendo o tribunal a quo formado a sua convicção com base, apenas, nas declarações da mesma, as quais, como vimos nas nossas considerações relativas ao ponto 2 da sentença, não têm qualquer credibilidade.

21/ Em relação ao veículo que diz ter adquirido, a verdade é que não apresenta o registo de propriedade do mesmo.

22/ Como tal, por se tratar de um bem sujeito a registo, a prova da sua aquisição só pode ser feita através de prova documental.

23/ Além disso, à data da separação de facto do casal, o filho mais velho do casal já trabalhava (vide declarações das testemunhas António e Albina, faixas 20170628151550_5391110_2870583 - minuto 11:30 e 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 17:50).

24/ Como tal, a recorrida não tinha despesas com o sustento do filho, uma vez que este já tinha rendimentos que lhe permitiam suportar as suas despesas normais.

25/ Além disso, a maioria dos certificados de aforro reclamados (vide ponto 6 da sentença) foram resgatados no espaço de pouco mais de um ano (entre 08/05/2006 e 10/01/2007), ou seja, recorrida resgatou mais de € 45.000,00 no primeiro ano de separação de facto do casal.

26/ Ora, é pouco verosímil que a recorrida precisasse de tanto dinheiro (ao qual acrescia o seu salário mensal) em tão pouco tempo, a não ser que passasse a gozar de um estilo de vida muitíssimo superior ao que tinha durante o matrimónio ...

27/ Sendo também difícil de perceber como conseguiu manter o mesmo nível de vida até ao decretamento do divórcio, uma vez que a partir de 2007, deixou de proceder ao resgate de certificados, passando a viver apenas com o seu salário mensal. ..

28/ Caso o dinheiro investido em certificados tivesse sido utilizado para suprir as despesas normais da recorrida e da filha, isto é, a recorrida levantaria um certificado de cada vez, conforme fosse necessitando de dinheiro para as despesas familiares.

29/ O que aconteceu foram são resgaste de mais do que um certificado de cada vez (ou seja, avultadas quantias de dinheiro), num espaço de tempo muito reduzido, facto demonstrador de que o dinheiro foi sendo desviado para fins não relacionados com as despesas familiares da recorrida.

30/ Sem prescindir do supra alegado, sempre se dirá que as despesas invocadas pela recorrida não podem ser objeto de compensação nos presentes autos, porquanto, a existirem, deviam ter sido reclamadas no apenso ao processo de divórcio onde se discutiu a regulação das responsabilidades parentais.

31/ Mas levanta-se, ainda, a seguinte questão: se a recorrida tinha dificuldades no sustento da filha por que razão só em 2009 reclamou uma pensão de alimentos ao recorrente? 32/ Se em 2006 já passava dificuldades, podia ter dado início ao processo de divórcio o mais rapidamente possível, tomando desnecessário o recurso às poupanças familiares.

33/ Apenas não o fez porque precisava de tempo para, de forma calma e matreira desviar do património comum a meação que cabia ao autor, escondendo-a e apropriando-se, ilegitimamente, daquilo que não lhe pertencia.

34/ Em função de tudo isto, não podem Vossas Excelências dar como provada a factualidade descrita no ponto 8 da sentença.

35/ O tribunal a quo entendeu que "não resultou provado que a Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação [do recorrente], subtraindo valor ao património comum".

36/ No entanto, de toda a prova existente nos autos ressalta uma evidência que o tribunal a quo ignorou: a recorrida não provou nenhuma da factualidade (relevante) descrita na sua contestação, ao contrário do recorrente que provou todos os factos que fundamentavam o seu pedido.

37/ Apesar da intenção da recorrida ter pouca relevância para o caso, não tendo esta provado que gastou as ditas poupanças para ocorrer aos encargos normais do agregado familiar, toma-se óbvio que esta pretendeu subtrair bens ao património comum.

38/ Pois ao fazê-lo tinha perfeita...

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