Acórdão nº 6432/06.3TBGMR-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução01 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

  1. V., instaurou execução para pagamento de quantia certa contra S. – Comércio de Têxteis, S.A., em 07/11/2006, com vista à cobrança coerciva da quantia de 145.633,99 euros, sendo 110.631,99 euros de capital em dívida e 34.999,70 euros de juros de mora vencidos até 27/10/2006, calculados às taxas sucessivas indicadas a fls. 5, acrescidas de 8 pontos percentuais, a que acrescem os juros de mora vincendos a partir de 27/10/2006, até integral pagamento.

No requerimento executivo a exequente alegou que por sentença do 1º Juízo Comercial do Tribunal Estadual de Muenster, na Alemanha, proferida em 22/12/2004, a executada foi condenada a pagar à exequente a quantia de 106.204,80 euros, acrescida de juros a uma taxa superior em 8 pontos percentuais à taxa base desde 21 de maio de 2004, bem como a quantia de 615,99 euros, acrescida de juros a uma taxa superior em 8 pontos percentuais à taxa base desde 21 de maio de 2004 e, bem assim custas e despesas do processo; A executada recorreu dessa sentença para o Tribunal Superior de Hamm, que negou provimento a esse recurso; Por despacho de 02/11/2005, o Tribunal Estadual de Muenster fixou as custas e as despesas do processo a pagar pela executada à exequente no montante de 3.811,20 euros; Essas sentenças e despacho transitaram em julgado e são executórios no Estado Membro de Origem; Por sentença de 06/02/2006, proferida pela 1ª Vara Mista do Tribunal de Guimarães, Proc. 129/06.1TCGMR, foi declarada a executoriedade em Portugal das referidas sentenças e despacho; A executada recorreu dessa sentença, tendo esse recurso sido julgado improcedente; A executada interpôs recurso para o STJ, o qual foi admitido como de revista e com efeito meramente devolutivo; A executada não prestou caução (cfr. fls. 2 a 134).

Por requerimento entrado em juízo em 04/12/2014, a executada veio arguir a ilegalidade da aplicação à mesma da sanção pecuniária compulsória, sustentando que: a- as condenações no pagamento de sanções pecuniárias compulsórias, no caso de sentença estrangeira, apenas são executórias se a sentença efetivamente condenar no seu pagamento e ainda se fixar o seu montante; b- o instituto da sanção acessória não é aplicável ao caso dos autos; e c- o pagamento de qualquer quantia a título de sanção pecuniária compulsória não foi peticionado pela exequente, no requerimento executivo (cfr. fls. 135 a 150).

Observado o contraditório, a exequente respondeu, concluindo pela improcedência dos argumentos aduzidos pela executada no que respeita à ilegalidade do cálculo efetuado pela agente de execução da sanção pecuniária compulsória (cfr. fls. 153 a 159).

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da pretensão da executada (cfr. fls. 163 a 166).

Notificada desse parecer a executada manteve a sua posição (cfr. fls. 176 a 183).

Por decisão proferida a 05/04/2017, foi julgada improcedente a pretensão da executada, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, indeferindo-se, quanto à sanção pecuniária compulsória, o requerido de fls. 940 a 955, determino que são devidos juros compulsórios desde o trânsito em julgado da decisão que atribui executoriedade à referida sentença estrangeira”.

Inconformada com o assim decidido, a executada veio interpor o presente recurso de apelação daquela decisão, apresentando as seguintes conclusões: 1. O princípio geral encontra-se consagrado no Regulamento (CE) n." 44/2001 do Conselho de 22 Dezembro de 2000, nos artigos 36° e 49, porquanto da conjugação desses artigos as partes conseguem com alguma certeza, após a prolação da decisão judicial emanada em qualquer Estado Membro, calcular e prever os possíveis desenvolvimentos na sua esfera jurídica.

  1. Dos artigos 36° e 49° Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 Dezembro de 2000 resulta que a condenação contida na sentença estrangeira está balizada e é imutável, não sendo permitido aos Tribunais lex fori aplicar qualquer norma de direito substantivo interno.

  2. Da sentença condenatória estrangeira e do despacho de fixação de custas de 02 de Novembro de 2005 não resulta qualquer condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória e resulta do art. 49° supra aludido que ainda que a Executada estivesse condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória, esta decisão só seria executória em Portugal, se o respectivo montante tivesse sido definitivamente fixado pelo Tribunal do Estado Membro de Origem, ou seja, do Tribunal Estadual de Münster, pelo que jamais poderia tal sanção ser, de aplicação automática e imediata nestes autos.

  3. Acresce que à decisão proferida pelo Tribunal Português, tribunal lex fori, não é subsumível ao disposto no art. 829-A do C.C., pois esta não condena a executada no pagamento em dinheiro corrente, mas apenas declara a executoriedade daquela decisão, no foro nacional.

  4. Nos termos dos artigos 36° e 49° ambos do Regulamento (CE) n.º 44/2001do Conselho de 22 Dezembro de 2000 a sentença condenatória encerra em si o seu fim e os seus limites, pelo que a aplicação automática de qualquer norma do direito Português, no caso, o art. 829° -A do C.C - sanção pecuniária compulsória, viola o Regulamento (CE) n.º 44/2001do Conselho de 22 Dezembro de 2000 e viola o Principio da Segurança e Confiança Jurídica, pelo que não se pode manter.

  5. O artigo 829-A n.º 4 do CC estabelece que quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

  6. O escopo da sanção pecuniária compulsória no sistema jurídico Português é compelir o devedor a cumprir, no mais reduzido espaço temporal, porque só deste modo o credor conseguirá a satisfação plena do seu interesse e salvaguardar a autoridade das decisões judiciais emanadas no Território Nacional.

  7. Para se verificar a aplicação do disposto no art. 829º -A n.º 4 do CC é necessário (i) decisão judicial emanada pelos Tribunais Portugueses e (ii) que essa decisão condene determine o pagamento em dinheiro corrente.

  8. No caso sub judice a decisão judicial condenatória dada à execução NÃO FOI proferida por Tribunal Português e por outro lado a decisão proferida pelo Tribunal Português, somente declara a executoriedade daquelas decisões, no foro nacional, 10. Logo, ainda que se considerasse abstratamente aplicável às sentenças estrangeiras com atribuição de executoriedade pelos Tribunais Portuguese o art. 829º -A do CC, o mesmo não seria ainda assim aplicável, pois as sentenças em causa carecem dos requisitos essenciais para sua aplicação.

  9. A aplicação automática do art. 829º- A do CC no caso dos autos viola o escopo e a finalidade da sanção pecuniária compulsória.

  10. O instituto da sanção pecuniária compulsória consubstancia uma forma de coacção ou intimidação do devedor ao cumprimento da prestação devida, visando compelir o obrigado ao cumprimento voluntário.

  11. Trata-se, porém, de um instituto de aplicabilidade extremamente limitada, pois que, para além de não poder ser decretada oficiosamente pelo tribunal, exigindo-se o requerimento do credor, só é permitida em relação a obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.

  12. sendo certo que a adopção deste instituto visou suprir as insuficiências e inaptidão das figuras da execução específica e sub-rogatória, para obter eficazmente o cumprimento das obrigações infungíveis. Visou, assim, compelir as obrigações que exigem uma conduta por parte do devedor.

  13. Ora, no caso dos autos, estamos perante uma execução para o pagamento de quantia certa, não sendo, por isso, imprescindível o comportamento do devedor, dado que é possível obter o pagamento pelo tribunal, através do processo executivo. Nesse caso, o processo executivo é suficiente para assegurar o cumprimento da injunção judicial (pagamento), não se justificando a previsão de qualquer medida compulsória do cumprimento.

  14. Da análise dos (1) factos articulados, do (2) pedido formulado e da (3) liquidação realizada no requerimento executivo verifica-se, sem margem para dúvidas que a exequente apenas pretendeu o pagamento da quantia de 145.631,99€ já acrescida dos juros calculados até 27 de Outubro de 2006 e os juros vincendos.

  15. Não decorre de qualquer parte do título dado à execução ou do requerimento executivo que é devida/peticionada qualquer quantia a título de sanção pecuniária compulsória.

  16. Por força do art. 551° do CPC ao processo executivo aplicam-se os mesmos princípios do processo declarativo, designadamente o princípio da estabilidade processual, principio do contraditório e o princípio do dispositivo, estabelecidos nos artigos, 260°, 3°, 810° todos os CPC respetivamente.

  17. Decorre daqueles artigos que deve constar do requerimento executivo a exposição dos factos que fundamentam o pedido, a formulação do pedido e a liquidação da obrigação (810º do CPC), que o Tribunal não pode resolver conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição (art. 3º do CPC) e por fim que citado o Réu in casu a executada, a instância deve manter-se a mesma, quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.

  18. Ora, como a sanção pecuniária compulsória não consta dos títulos dados à execução e como não foi peticionado o pagamento dessa sanção pela exequente, não se deparou, a executada com a necessidade de contestar a liquidação da obrigação, pelo que, ficou a instância estabilizada.

  19. A possibilidade em fase de liquidação da responsabilidade da executada, acrescentar à dívida exequenda, a quantia de 56.225,30€ a título de sanção pecuniária compulsória, que não foi peticionada no requerimento executivo, constitui uma grosseira violação dos...

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