Acórdão nº 1443/14.8TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Nos presentes autos de execução ordinária, em que é Exequente S … Unipessoal, Ldª.

e executada J. Rodrigues, veio a exequente intentar a presente execução dando à execução o documento junto a fls. 5 e segts., denominado “ ACORDO DE PAGAMENTOS”.

Por decisão proferida nos autos foi liminarmente indeferido o requerimento executivo, por falta de título executivo, ao abrigo do disposto no art. 726º, nº 2, al. a), do C.P.Civil.

Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso a Exequente, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões: a) É fundamento específico da recorribilidade a interpretação da norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013, no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, porque manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e protecção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

  1. Não se conformando com a douta sentença que determinou o indeferimento liminar da presente execução por inexistência de título executivo, vem a Apelante interpor o presente recurso, atenta errada interpretação e aplicação do art. 703º do novo CPC; c) A Apelante e a Apelada outorgaram, em 16 de Março de 2012, um acordo de pagamentos, para regularizar uma dívida de € 95.203,34 que a segunda tinha perante a primeira, tendo a assinatura da Apelada sido reconhecida; d) As partes expressamente manifestaram, nesse documento, a vontade e intenção de lhe conferir força executiva, conforme resulta do teor do n.º 3 da Cláusula 2ª “O presente Acordo reveste carácter de documento de reconhecimento de dívida pecuniária, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 46º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.” – cfr. doc. 1 junto com o Requerimento Executivo; e) Isto é, à data da outorga desse acordo, e conforme a intenção e vontade das partes, o mesmo, em caso de incumprimento, era título executivo, estando preenchidos todos os requisitos exigidos pela lei à data para esse efeito, maxime, pela al. c), do n.º 1 do art. 46º do CPC de 1961; f) Estavam por isso as expectativas legitimamente criadas pelas partes devidamente acauteladas e protegidas pela lei, uma vez que o acordo de pagamentos estava incluído no elenco dos títulos executivos presentes no art. 46º CPC de 1961, constituindo assim título executivo na categoria dos documentos particulares, reunindo todos os requisitos legais ali exigidos; g) Contudo, após a entrada em vigor do novo CPC, foram abolidos do elenco de títulos executivos os documentos particulares, motivo pelo qual, no entendimento, incorrecto, adiante-se, do Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Apelante; h) Nessa sequência cumpre analisar a efectiva aplicabilidade do novo CPC a esta questão, nomeadamente aos títulos executivos devidamente constituídos como documentos particulares no âmbito de legislação anterior nos quais as partes depositaram a sua convicção de exequibilidade de uma pretensão; i) Estará em causa, nesta sede, considerar se a expectativa que os credores formaram de que estariam devidamente munidos de instrumento que, em caso de incumprimento, os permitiria ver o seu crédito garantido, é legal e suficientemente protegida; j) Por um lado, parece que tanto o novo CPC como a lei que o aprova pretenderam que a nova lei fosse imediata e retroactivamente aplicável a todos os documentos particulares, mesmo aqueles constituídos antes da sua entrada em vigor; k) Por outro lado, no entanto, entendemos que tal aplicação da lei nova não poderá ser aceite pois fere injustificadamente as legítimas expectativas criadas aquando da elaboração do documento que formaliza a vontade das partes, ao qual se pretendeu conferir força executória em obediência à lei então em vigor; l) Com efeito, a retroactividade da lei encontra-se limitada pelos princípios da Segurança Jurídica e o princípio da Confiança do Cidadão, partes integrantes do princípio de Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2º da Constituição da Republica Portuguesa que refere: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”; m) Poderá o legislador atribuir eficácia retroactiva a uma lei, em protecção de um interesse comum alegadamente superior; n) No entanto, não poderá fazê-lo em desconsideração de um qualquer regime jurídico em que o individuo depositou a sua confiança e agiu na expectativa da sua manutenção, sem que essa aplicação retroactiva constitua uma inconstitucionalidade, maxime, em violação do princípio de Estado de Direito Democrático; o) Não poderá ser exigível a um indivíduo que prescinda, sem mais, dos direitos que anteriormente lhe eram conferidos, e com base nos quais celebrou negócios jurídicos estando convicto de que a sua posição jurídica estaria protegida pela lei; p) Mas foi, no fundo, esse o entendimento do legislador na determinação da retroactividade da aplicação da lei nova a todos os títulos executivos, determinando a inutilidade dos documentos particulares que servem de base a execuções intentadas depois da entrada em vigor da nova lei, ainda que devidamente constituídos ao abrigo da lei vigente no momento da sua constituição; q) Com efeito, essa exigência seria contrária à Lei Fundamental, não podendo ser aceite pela ora Apelante, na medida em que o sacrifício que lhe é exigido pelo indeferimento liminar determinado pelo Tribunal a quo é incompatível com o seu direito enquanto credora em executar o seu crédito perante a Apelada, mas também com as suas legítimas expectativas e com a certeza e segurança jurídicas essenciais e fundamentais a um Estado de Direito Democrático; r) Acontece que, à data da celebração do contrato entre as partes, em 2012, foram cumpridos todos os requisitos exigidos pela lei vigente; s) Não sendo possível, nem possivelmente exigível, que se previsse esta abolição dos documentos particulares do elenco de títulos executivos, ficando assim, de forma completamente arbitrária, lesado o direito adquirido pela Apelante há cerca de um ano; t) Sendo cabalmente ignoradas, pela aplicação retroactiva da lei, as legítimas expectativas de ambas as partes, principalmente as da Apelante, que assim vê frustrada a sua intenção de recurso à acção executiva por uma interpretação inconstitucional do art. 703º do novo CPC conjugado com o n.º 3 do art. 6º da Lei 41/2013, de 26 de Junho, que pura e simplesmente eliminou imediata e retroactivamente os documentos particulares do elenco de títulos executivos; u) Nesta sede e adoptando esta posição importa chamar à colação recente Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, proferido no âmbito do processo n.º 374/13.3TUEVR.E1, que, no seu sumário, dispõe que “(…) A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e protecção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático. (…)” (Sublinhado nosso); v) No mesmo sentido também já se pronunciou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão datado de 26-03-2014, proferido no processo n.º 766/13.8TTALM.L1-4, concluindo que “(…) A interpretação das normas do art. 703º do novo CPC e 6º, n.º 3 da Lei 41/2013 de 26 de Junho, no sentido de o primeiro se aplicar a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC, e então exequíveis por força do art. 46º, n.º 1, al. c) do CPC de 1961, é inconstitucional por violação do principio da segurança e protecção da confiança.(…)” (Sublinhado nosso); w) Pelo exposto, resulta evidente o entendimento jurisprudencial no sentido de que a abolição dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos não poderá ser feita contrariamente à Constituição da República Portuguesa em desconsideração dos princípios fundamentais nela consagrados; x) Pelo que, sendo o acordo de pagamentos, datado de 16 de Março de 2012, ter-se-á de considerar os direitos adquiridos pelas partes desde a emissão desse documento, independentemente da entrada em vigor do novo CPC, que veio abolir os documentos particulares assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos; y) Donde se alcança que se encontram reunidos todos os requisitos para que a presente execução prossiga os seus termos com base no documento particular emitido em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, devendo ser considerada inconstitucional a interpretação do art. 703º do novo CPC conjugada com o art. 6º, n.º 3 da Lei 41/2013 de 26 de Junho, no sentido de aquele artigo se aplicar a documentos particulares emitidos em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, que desde já se alega.

*Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte: - Analisar se...

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