Acórdão nº 270/16.2T9CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 – RELATÓRIO Neste processo nº. 270/16.2T9CH, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde – Juízo Local Criminal de Chaves, tendo sido denunciados Joaquim e José findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº. 1, do C.P.P., por entender não existirem indícios que permitam imputar aos arguidos a prática de factos denunciados que integrariam o crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º do C.P.

A denunciante Maria constituiu-se assistente e requereu a abertura de instrução, tendo o requerimento apresentado tendo em vista esta última, sido rejeitado por mesmo ser legalmente inadmissível, nos termos do disposto no artigo 287º, nº. 3, do C.P.P, mormente por não descrever nenhum facto concreto ao nível do elemento subjetivo do tipo legal de crime que é imputado ao arguido e a deficiência de que enferma ser insuprível, conforme jurisprudência fixada no AFJ nº. 7/2005, de 12/05/2005.

Não se conformando com o assim decidido, recorreu a assistente, para este Tribunal da Relação, apresentando motivação e dela extraindo as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso vem interposto do douto despacho do Mmo. Juiz de Instrução que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente, com o fundamento no mês mo ser legalmente inadmissível e insuprível (art° 283 n° 3 do Código de Processo Penal).

2 - Porquanto no entender do Meritíssimo Juiz de Instrução, a Assistente no RAI não imputa aos Denunciados nenhum facto concreto ao nível do elemento subjectivo, e que possa consubstanciar a prática do ilícito penal imputado.

3 - Salvo o devido respeito, o RAI apresentado preenche todos os requisitos legalmente previstos.

4 - A Assistente ora Recorrente discordou do arquivamento dos presentes autos primeiramente porque nunca foi chamada a prestar declarações complementares sobre os factos, como por norma ocorre.

5 - Não tendo por isso, oportunidade de fazer a junção de mais documentos, conforme pretendia, tendo acabado por fazê-lo no seu requerimento de abertura de instrução.

6 - No RAI também descreveu a factualidade que considera ser consubstanciadora dos ilícitos praticados pelos dois denunciados.

7- O Denunciado José Declarou sobre Joaquina que “Ela deve ter feito o testamento aí um ou dois meses antes de entrar em casa dos primos”, quando o testamento é datado de 2007, e Joaquina mudou-se para a residência de António no ano de 2006.

8 - Declarando ainda que “(…) a Senhora esteve sempre num estado perfeito, senhora de si (…)” quando o relatório do gabinete medico-legal junto aos autos, diz precisamente que esta padecia de demência senil, pelo menos desde 2006.

9 - Por seu turno, António A. afirmou ter visto Joaquina nas festas de Folgosa, Maia, em 2008/2009, quando segundo a testemunha Bruna e a documentação médica junta, aquela acamou definitivamente em 2009.

10 - Assim, da leitura do conteúdo da documentação junta, e da audição dos depoimentos prestados pelos Denunciados, facilmente se entende que os mesmos estão feridos de falta de verdade, consubstanciando por isso o crime de falsidade de testemunho.

11 - Ao artigo 360º do CP exige-se é que o agente tenha a consciência da falsidade da declaração, não exige o tipo penal a prova da “verdade” que deveria ter constado do depoimento verdadeiro, nem a certeza sobre a data da consumação do crime, APENAS A CONSCIÊNCIA.

12 - Não há dúvidas quanto à intenção e convicção dos Denunciados, até porque, que se saiba, não se encontravam em estado de inimputabilidade ou erro, na data em que prestaram os seus depoimentos desprovidos de verdade, pelo que o intuito dos mesmos era efectivamente faltar à verdade ao tribunal.

13 - O Requerimento de abertura de instrução apresenta todos os requisitos legalmente exigidos para a sua admissibilidade, nomeadamente: a discordância quanto ao arquivamento nos seus artigos 4º a 39º; a indicação dos actos de instrução que a Assistente pretende que sejam levados a cabo (declarações dos denunciados e prova por acareação); a indicação e junção de meios de prova não juntos na fase inicial do inquérito (vide artigos 40º, 41º, 43º, 45º); indicação dos factos que se pretende serem dados como provados (vide artigos 23º a 38º); a narração dos factos que fundamentam a aplicação aos denunciados de uma pena ou de uma medida de segurança, inclusive, em termos de lugar e tempo da sua prática (vide artigos 11.º a 35º) e por último a indicação das disposições legais aplicáveis (vide artigos 46.º e 47º).

14 - Com todo o respeito, dos factos constantes no requerimento para abertura de instrução podem inferir-se os elementos subjectivos do tipo.

15 - Tal requerimento contém factos que permitem assacar aos denunciados a prática do crime de falsidade de testemunho, assim como a sua vontade e convicção ao fazê-lo.

16 - Para além do que, não está o juiz de instrução dispensado de investigar, como bem decorre do que se estatui no art. 288.°, n.º 4, do C.P.P., aditando esse facto á decisão, caso se prove toda a factualidade que o suporta, tendo em conta o que se dispõe nos arts.303º, n.º 1 e 358.°, n.º 1, ambos do C.P.P.

17 - O Meritíssimo Juiz de Instrução, com o fundamento invocado, não pode rejeitar o requerimento do assistente da forma como o fez.

18 - O despacho ora posto em crise deve por isso ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

19 - O douto despacho impugnado viola o disposto nos artigos 287º, nº 1,2 e 3 e 283º, nº 1 e 3 Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.

20 - Violação que determina a invalidade daquela decisão e a sua substituição por outra que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente e declare aberta a fase de instrução.

Termina a recorrente pugnando para que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, que o despacho recorrido deve ser substituído por outro que declare aberta a instrução.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto pela assistente, nos termos constantes de fls. 138 a 152, formulando, a final, as seguintes conclusões: A) Foi proferido a fls. 100-112 (ref.ª 30560608) despacho judicial de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente Maria, por o mesmo ser legalmente inadmissível e insuprível, atento o preceituado no art.º 287º, n.º3 do Código de Processo Penal (doravante, apenas C.P.P.), com o consequente arquivamento dos autos; B) Tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento do inquérito em relação aos denunciados e tendo sido a assistente quem requereu a abertura de instrução, tinha esta, por força do disposto neste normativo, aplicável ex vi n.º2, parte final, do art.º 287.º do C.P.P., indicar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação a alguém de uma pena ou de uma medida de segurança, bem como as disposições legais aplicáveis, devendo indicar, se possível, o lugar, tempo e motivação da sua prática e o grau de participação do agente; C) A assistente não descreve qualquer facto, limitando-se no requerimento de abertura de instrução a alegar, ainda que de forma genérica, a sua discordância em relação aquele arquivamento, discordância esta assente, apenas, na sua própria convicção; D) A assistente não cumpriu o ónus de especificação que sobre ela impendia e tal exigência impõe-se em nome de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente, o direito de defesa e a estrutura acusatória do processo penal; E) O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, mas tem de ter em conta e atuar dentro dos limites da vinculação factual fixados pelo requerimento de abertura de instrução; F) Os factos têm de ser alegados pela assistente, tendo de ser a assistente e só ela a descrever e/ou concretizar “quem fez o quê, onde, sob que espécie de resolução ou vontade e com que consequências”; G) No caso dos autos, o requerimento de abertura de instrução é total e absolutamente omisso quanto a factos e bem assim quanto aos elementos subjetivos dos crimes, o que torna a instrução irremediavelmente inadmissível, por falta de objeto (art.º 287.º, n.º3 do C.P.P.); H) A consequência não podia ser outra senão a sua inadmissibilidade legal, atenta a nulidade plasmada no art.º 283º, n.º3, do C.P.P., como bem decidiu o Tribunal a quo.

Termina no sentido de o recurso dever improceder, confirmando-se o despacho recorrido.

Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 195 a 196, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, a o não foi exercido o direito de resposta.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir: 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

Delimitação do objeto do recurso É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. artº. 412º do C.P.P.), sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.

Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, a única questão suscitada e que há que apreciar e decidir é a de saber se existe fundamento para que seja liminarmente rejeitado o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente.

Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente o teor do despacho recorrido.

2.2.

Decisão recorrida O despacho recorrido é do seguinte teor: «(…) Requerimento para abertura de instrução (fls. 59 e ss.

) Dispõe o art.º 286º, n.º1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a...

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