Acórdão nº 6947/16.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO A Autora N. HOME, S.A.

intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum(1) pedindo a condenação da Ré N. ESTUDOS, S.A.

a pagar-lhe a quantia de € 73.844, acrescida dos juros vencidos e vincendos que em 5 de Dezembro de 2016 ascendiam a € 1.144 até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que a Ré lhe encomendou 20.000 toalhas brancas com desenho a definir, ao preço unitário de € 4,55, acrescido de IVA, no valor global de € 119.930, a pagar € 20.000 com a confirmação da encomenda, € 20.000 antes da entrega das primeiras 10.000 unidades produzidas, valores que a mesma pagou, € 30.000 antes da entrega das restantes unidades e o valor remanescente 60 dias após a entrega das restantes; também acordaram que as primeiras 10.000 toalhas seriam entregues na 31ª semana e as restantes 10 a 15 dias depois e após o aludido pagamento; após fornecimento pela Ré da maquete com o desenho, produziu amostras, que a mesma aprovou e, subsequentemente, produziu as toalhas de acordo com a amostra; concluída a produção, a Ré deslocou-se às suas instalações para inspecção e fiscalização da produção, que aprovou; em 26 de Julho de 2016 entregou 10.013 toalhas, a 29 remeteu a factura correspondente, ficando a aguardar instruções e o pagamento acordado para entregar as restantes 10.000 unidades; após ter solicitado informação, em 8 de Setembro a Ré comunicou que tivera um atraso na divulgação e promoção da campanha, esperando o final de Setembro para estar em condições de agendar a entrega da restante encomenda, ao que acedeu; em 4 e 7 de Outubro solicitou o pagamento da factura e solicitou novamente instruções, respondendo a Ré, em 11 de Outubro, que pretendia liquidar o valor remanescente da factura e solicitar a entrega faseada da restante mercadoria contra o pagamento da mesma, ao que acedeu novamente.

Refere que ao fim de três meses relativamente à entrega, a Ré remeteu uma carta apresentando reclamação relacionada com gramagem inferior ao definido, solicitando a reparação ou substituição da mercadoria que estava na sua posse e a redução do valor pago na mercadoria que já não se encontrava consigo, o que repudiou; devido a essa recusa de cumprimento, emitiu a factura do valor de € 57.806,25 concedendo o prazo de quinze dias para o seu pagamento, que enviou, transmitindo que aguardava instruções para o envio das restantes toalhas; a Ré não pagou e mandou responder à sua carta alegando que a reclamação se baseava em relatórios do CT apesar de os mesmos serem posteriores.

A Ré contestou contrapondo que é uma sociedade que se dedica à realização de projectos de arquitectura mas aceitou o desafio de uma plataforma social, em cuja parceria, desenvolveu uma campanha publicitária a favor da Plataforma de Apoio aos Refugiados Linha da Frente que tinha como objectivo a angariação de quantia monetária; contactou a Autora para lhe fornecer toalhas esteticamente compostas por si; levou a cabo uma campanha de divulgação, no entanto, o plano de vendas não produziu os efeitos pretendidos traduzindo-se em vendas muito escassas em face do esperado; em finais de Setembro encontrava-se com mais de 7.000 toalhas em stock e mais de 10.000 encomendadas, pelo que encetou contactos com empresas do ramo de comercialização têxtil para proceder à sua venda ainda que a preço inferior ao contratado com a demandante, o que conseguiu pelo preço de € 3,50; contudo, quando, em meados de Outubro levou amostras à interessada, esta referiu que não tinham a gramagem que a Autora assegurara; em 27 de Outubro submeteu as toalhas à apreciação do CT, remeteu àquela carta dando nota da eventual desconformidade; em 4 de Novembro, recebido o resultado da análise constatou que as toalhas produzidas e vendidas pela Autora possuem uma gramagem de 297gr/m2 em vez das 400gr/m2 e apresentam desconformidade no tamanho, o que implica uma desvalorização, reduzindo o preço de mercado a retalho para cerca de € 1,50/toalha.

Deduziu reconvenção pedindo que, julgada provada a excepção de não cumprimento do contrato, a Autora seja condenada na eliminação dos defeitos de que padecem os bens em crise, e em alternativa, se tal não se afigurar possível, a sua condenação na redução do preço dos bens, atentos os defeitos de que padecem e sua condenação no pagamento da quantia de € 24.500.

Alega que se comprometeu a pagar à Autora € 4,55 por unidade produzida e fornecida, o que era aceitável para toalhas com gramagem na ordem de 400gr/m2; ao produzir os bens com menos gramagem, por cada três toalhas, a Autora ganhou matéria-prima para outras sem qualquer custo, sendo que os defeitos influenciam o seu preço de mercado, impediu-a de realizar a venda em Outubro de 2016 por € 3,50/unidade e determina que valham cerca de 1,50/unidade; devido ao defeito ficou impedida de realizar a venda de 7.000 toalhas pelo valor total de € 24.500, causando a Autora prejuízo desse valor.

A Autora replicou argumentando que o método de ensaio seguido no relatório não é aplicável às toalhas prontas a usar e o número de amostras não respeita o estabelecido para a realização do teste; chama a atenção que o felpo das toalhas produzidas não é homogéneo, contendo partes com menos e outras com letras, conforme expressamente encomendado; refere desconhecer se o relatório se refere a toalhas por si produzidas e que partes; acrescenta que a produção respeitou a maquete fornecida pela Ré.

Realizada a audiência prévia e não tendo sido possível a conciliação das partes, foi transmitida a intenção de proferir saneador-sentença, atenta a extensão da matéria de facto assente e o regime da venda, sobre amostra.

Seguiu-se saneador sentença que terminou com o seguinte dispositivo: I. Julgando a ação parcialmente provada e procedente condena a Ré N. ESTUDOS, S.A.

a pagar à Autora N. HOME, S.A.

a quantia de € 73.844, acrescida de juros de mora calculados à taxa prevista no artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto até integral e efetivo cumprimento: i) desde 3 de Novembro de 2016 sobre € 16.037,75; ii) desde 18 de Novembro de 2016 sobre € 57.806,25.

  1. Julgando a reconvenção não provada e improcedente absolve a reconvinda N. HOME, S.A.

dos pedidos formulados pela reconvinte N. ESTUDOS, S.A.

.

Custas da ação e da reconvenção a cargo da Ré.

Registe e notifique.

* Inconformada com essa sentença, apresentou a R.

N. ESTUDOS, S.A.

recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: I.

Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença de fls., que julgou parcialmente procedente a ação declarativa sob a forma de processo comum e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 73.844, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, até integral e efetivo cumprimento, desde 3 de novembro de 2016 sobre a quantia de € 16.037,75 e desde 18 de novembro de 2016 sobre a quantia de € 57.806,25 e, consequentemente, julgou não provada e improcedente a reconvenção.

II.

No que respeita aos factos que integram a relação material controvertida em crise, os mesmos encontram-se devidamente explanados no acervo factual dado como provado na Sentença do Tribunal a quo, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

III.

Por seu turno, quanto à caracterização do contrato celebrado entre as partes, andou bem o Tribunal a quo, considerando que “ (…) quando esteja em causa um tal negócio jurídico celebrado entre duas sociedades comerciais, no âmbito do qual uma encomenda à outra, sobre amostra pela primeira apresentada, produto final – tecidos, calçado, etc. –, destinado a revenda às suas clientes, o mesmo assume a veste de contrato de compra e venda de natureza comercial, regulado nos artigos 874.º do Código Civil, 2º, 13º § 2º e 463º § 1.º do Código Comercial.” IV.

Todavia, andou mal o Tribunal a quo ao considerar o contrato em crise nos presentes autos como “perfeito e eficaz” pois observou que “com a aprovação das toalhas produzidas de acordo com a maquete fornecida pela Ré e com as amostras a partir desta desenvolvidas, após inspeção, o contrato de compra e venda comercial sobre amostra tornou-se perfeito e eficaz”, bem como ao considerar como verificada e procedente a exceção de caducidade de denúncia dos defeitos que padecem os bens produzidos e comercializados pela Apelada, bem como, a considerar que tal circunstância obsta ao conhecimento das demais questões invocadas pela Ré.

V.

Para tal, o Tribunal a quo entendeu que a aqui Apelante reclamou da falta de gramagem de que padecem as referidas toalhas, por referência às características contratadas, “num momento em que o direito de denúncia de defeitos há muito havia caducado.” e que “o direito à eliminação de defeitos, à redução do preço e ao pagamento de indemnização de prejuízos não contemplados pelos mecanismos de suprimento do vício, que a Ré pudesse ter tido extinguiram-se pelo não exercício tempestivo.” VI.

Ora, tal entendimento, resulta de uma interpretação dos artigos 469.º e 471.º do Código Comercial, violadora dos princípios gerais do Direito e da legislação substantiva respeitante ao exercício da denúncia dos defeitos da coisa objecto do contrato em crise, pelo que nessa medida se impugna.

VII.

De acordo com o entendimento do Tribunal a quo, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda comercial na modalidade de venda sobre amostra, regulado no artigo 874.º do Código Civil.

VIII.

Dispõe o artigo 919.º do Código Civil que “sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se de convenção ou usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objeto.

”, acrescendo ainda os artigos 2º, 13º § 2º e 463º § 1.º todos do Código Comercial, aplicáveis à relação material em crise.

IX.

Dispõe o artigo 469.º do Código Comercial que: “as vendas feitas...

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