Acórdão nº 573/14.0TBCTB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução03 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. Manuel (aqui Recorrente), residente na Avenida …, em Castelo Branco, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Maria (aqui Recorrida), residente na …a, freguesia de ..., em Viana do Castelo, e contra José (aqui Recorrido), residente na Praça …, freguesia de ..., em Viana do Castelo, pedindo que · fosse decretada a ineficácia, quanto a si, do actos de compra e venda havidos entre a Ré (Maria), como vendedora, e o Réu (José), como comprador, tendo por objecto um prédio rústico e um veículo automóvel (que melhor identificou); · e fosse ordenado ao Réu (José) a restituição à Ré (Maria) dos ditos prédio rústico e veículo automóvel, por forma a que ele próprio se pudesse pagar - junto dela - à custa dos mesmos.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo emprestado à Ré (Maria) a quantia de € 16.700,00, e não lhe tendo sido a mesma restituída até 15 de Abril de 2005, conforme acordado, instaurou contra ela, em 14 de Outubro de 2010, uma acção executiva para pagamento de quantia certa, sendo a quantia então devida de € 20.374,92.

Mais alegou que, no decurso da dita acção, a Ré (Maria) vendeu ao Réu (José) o único prédio de valor e desonerado que possuía, pelo preço declarado de € 2.000,00, bem como um veículo automóvel de marca BMW, actuando ambos com o propósito concertado de frustrarem a garantia patrimonial do seu crédito.

Por fim, o Autor alegou que as ditas vendas impossibilitaram de facto a satisfação integral do seu crédito (ascendendo o mesmo neste momento a € 23.230,76), por a Ré (Maria) não possuir outros bens idóneos para o efeito.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus contestaram separadamente.

1.1.2.1.

A Ré (Maria) pediu, na sua contestação, que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, terem as compras e vendas (de prédio rústico e de veículo automóvel) sido realizadas porque necessitava de realizar de imediato dinheiro, por forma a enviá-lo para a sua Filha que residia nos Estados Unidos.

Mais alegou só ter conhecido o Réu (José) na altura em que negociou com ele as ditas compras e vendas, desconhecendo o mesmo se ela própria possuía dívidas ou processos judiciais em curso.

Por fim, a Ré alegou ser proprietária de outros bens, suficientes para o pagamento do crédito do Autor.

1.1.2.2.

O Réu (José) pediu, na sua contestação, que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, só ter conhecido a Ré (Maria) poucos dias antes de concretizarem as compras e vendas (de prédio rústico e de veículo automóvel), tendo-as celebrado apenas para a auxiliar economicamente, desconhecendo ele próprio quaisquer dívidas ou processos pendentes que a mesma possuísse.

Mais alegou que a Ré (Maria) seria proprietária de outros bens, suficientes para o pagamento do crédito do Autor.

1.1.3.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da acção em € 10.000,00; definindo o objecto do litígio («A (in) eficácia dos contratos de compra e venda que tiveram por objecto o prédio rústico sido em ..., (…) e o veículo automóvel marca BMW, matrícula PZ») e enunciando os temas da prova («

  1. Ao vender o veículo e o prédio a ré Maria pretendeu subtrair tais bens à satisfação do crédito da autora», «b) ao celebrarem os referidos contratos de compra e venda ambos os réus agiram com o propósito concertado entre si de ocultar património transmitido, a fim de este não ser afecto à satisfação do crédito do autor», «c) Aquando da celebração dos referidos contratos o réu José tinha conhecimento da existência da dívida da ré Maria para com o autor», e «d) os demais bens existentes no património da ré Maria são suficientes para satisfazer o crédito do Autor»); e apreciando os requerimentos probatórios das partes (nomeadamente, deferindo a realização de uma perícia de avaliação aos bens penhorados pelo Autor à Ré, e aos bens vendidos por esta ao Réu), bem como designando dia para realização da audiência final.

    1.1.4.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo os Réus do pedido.

    Custas pelo Autor ( art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).

    (…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos (do recurso do Autor) Inconformado com esta decisão, o Autor (Manuel) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, sendo substituída por decisão julgando a acção procedente.

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sendo as respectivas conclusões inicialmente sintetizadas - sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais -, e depois reproduzidas ipsis verbis): 1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha que se desse como provada a má fé do Réu (José).

    XV.

    A má fé, tratando-se de um elemento respeitante ao estado psicológico do agente, afigura-se de difícil prova, porque se poderá desconhecer o circunstancialismo específico em que agiu o terceiro, relevando, assim, de forma especialmente importante a demonstração de factos instrumentais, através dos quais se possa recorrer a presunções judiciais que permitam demonstrar o conluio entre duas pessoas para prejudicar terceiros.

    XVI.

    Foi provado nos autos que a Primeira Ré, mesmo após a alegada venda, continuou a ser vista a circular com o veículo alegadamente vendido.

    1. As afirmações do Segundo Réu de que tem praticado actos de conservação, designadamente de limpeza do prédio adquirido, foram absolutamente contrariadas pelo Senhor Perito António, que em esclarecimentos presenciais em sede de Julgamento atestou que quando foi ao terreno nem sequer conseguiu nele entrar, em virtude da vegetação densa que o cobria, o que revela a falta de conservação e limpeza do referido prédio.

      XVIII.

      Não se logrou provar o pagamento do preço - cuja prova incumbia aos Réus - nem a onerosidade do acto impugnado.

    2. E, provado ficou que ao vender o veículo e o prédio identificados, a Primeira Ré pretendeu - e conseguiu - evitar ser proprietária de qualquer bem imóvel ou móvel de valor que pudesse satisfazer o crédito do Recorrente.

      XX.

      Ora, todo este circunstancialismo só pode levar à conclusão que se tratou de vendas fictícias.

      XXI.

      E todo este circunstancialismo configura a factualidade instrumental através da qual fica demonstrada a má fé dos Réus, o conluio entre eles que visou o prejuízo do Recorrente, por via da diminuição/eliminação da garantia do crédito deste.

      1. - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e aplicação da lei (independentemente do sucesso da impugnação de facto feita), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (julgando-se a acção totalmente procedente, uma vez que ficou por demonstrar o carácter oneroso dos negócios em causa, dispensando-se assim a prova da má fé dos seus Intervenientes).

      I.

      Exige o artigo 610º do Código Civil que o impugnante seja titular de um direito de crédito, não sendo indispensável, todavia, que o mesmo se encontre vencido.

      II.

      Ora, tal pressuposto verifica-se no caso dos autos, como atesta o teor da alínea a) de «Factos provados».

      III.

      O critério para aferir do requisito da impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito, é o da «avaliação patrimonial do devedor» depois do acto impugnado, sendo que, a este propósito, é «Facto provado» que «l) Ao vender o veículo e o prédio identificados, a Ré Maria pretendeu evitar ser proprietária de qualquer bem móvel ou imóvel de valor que pudesse satisfazer o crédito do Autor». Pelo que, dúvidas não restam de que este segundo pressuposto da impugnação pauliana também se verifica in casu.

      V.

      Da conjugação das alíneas l), m) e n) de «Factos provados» apenas se pode retirar a conclusão de que, a 1ª Ré, ao vender o prédio e o veículo identificados e sobre os quais incide a presente impugnação pauliana, ficou sem património (móvel ou imóvel) relevante, capaz de satisfazer o crédito do ora Recorrente. Assim, temos que também este pressuposto da impugnação pauliana se encontra preenchido.

      V.

      A 1ª Ré, antes da venda ao 2º Réu do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., e do veículo automóvel da marca BMW, modelo 346L 3 ERREIHE, com a matrícula PZ, tinha uma situação patrimonial susceptível de satisfação do crédito do Recorrente.

      VI.

      Com a venda de tais bens - os únicos bens da 1ª Ré com valor capaz de satisfazer o crédito do Autor, sendo que os demais bens imóveis penhorados são de valor manifestamente irrisório - a 1ª Ré ficou voluntariamente sem património relevante e numa situação de impossibilidade patrimonial de satisfação do crédito do Recorrente, pelo que, também este pressuposto da impugnação pauliana se encontra preenchido.

      VII.

      Sendo o acto impugnado posterior ao crédito e oneroso, o credor terá de demonstrar a má fé do devedor e do terceiro adquirente, considerando o nº 2 do artigo 612º do Código Civil que a má fé é a consciência do prejuízo que o acto oneroso causa ao devedor, sendo que tal pressuposto (má fé) refere-se a actos praticados a título oneroso, como, aliás, a douta Sentença recorrida reconhece.

      VIII.

      Incumbia aos Réus provar a onerosidade do acto e o pagamento do respectivo preço, o que não se verificou.

      IX.

      Preenchidos que estão todos os outros requisitos da impugnação pauliana, não pode, salvo o devido respeito por opinião contrária, a presente lide improceder com o fundamento da falta do pressuposto «má fé», sustentado na ideia de que não foi possível apurar que o segundo réu tinha consciência ou representou como possível que a celebração de tais negócios prejudicaria o credor, porquanto tal requisito apenas tem aplicabilidade em actos praticados a...

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