Acórdão nº 20/17.6T8TMC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARGARIDA FERNANDES
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório L. P.

, residente na Rua …, Torre de Moncorvo, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra A. M. e mulher, Maria, residentes na Rua …, pedindo que a condenação dos réus: - a reconhecerem a servidão de passagem, a favor do prédio da autora, existente pelo caminho a nascente, com 3,5 metros de largura, que se inicia no Largo (...), passando o prédio dos réus, tal como é elencado nos art. 11º, 13º, 16º, 17º e 19º da petição e no doc. 5; - a eliminarem as obras já realizadas que impedem a passagem da autora para o seu terreno, repondo a situação anterior e permitindo a livre circulação e acesso da autora como sempre foi feito, pelo caminho supra identificado.

- a absterem-se de praticar actos que obstaculizem o normal uso e fruição permanente pela autora da supra referida servidão de passagem e o acesso da mesma ao seu prédio identificado em 1º da presente Petição Inicial; - a indemnizarem a autora de todos os prejuízos patrimoniais causados com a criação dos impedimentos em apreço e outros que esta ainda venha a sofrer em consequência da não fruição da dita servidão de passagem, os quais deverão ser liquidados em sede de execução de sentença; - a indemnizarem a autora pelos danos morais provocados em quantia nunca inferior a € 2.500,00.

Para tanto alegou, em síntese, que é dona e legitima proprietária do prédio que identifica no artigo 1º da p.i., inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...º, desde 25/05/2016, por via de um contrato de compra e venda e desde essa data que usufrui do mesmo, plantando e recolhendo os respectivos frutos, gado, paga os respectivos impostos, posse essa pública e pacífica por si e seus antepossuidores há mais de 20, 30, 40 anos. Por seu turno, os réus são donos e senhores do prédio rústico sito no mesmo local, denominado por (...), inscrito na matriz predial rústica sob o art 1015º.

O terreno propriedade da autora nunca confrontou com a via pública, sendo que o acesso ao mesmo de pessoas, animais e veículos, inclusive veículos agrícolas, sempre se fez pelo prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, actualmente dos réus, e pelo Largo (...). O prédio dos réus confronta do lado sul com os réus, do lado norte e nascente com a via pública e a Capela (...). A referida passagem para a propriedade da autora tem o seu início junto ao Largo (...), tem 3,50 m de largura e atravessa o prédio dos réus até ao prédio da autora. Foi sempre por esse caminho que a autora, desde a data da compra e antes os seus antepossuidores, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, passaram para o seu prédio. No início de 2016 os réus taparam a passagem, colocando uma porta na entrada que dá do átrio (...) para o prédio dos réus e não mais deixaram passar pela sua propriedade.

Alega ter sofrido danos pelo que peticiona indemnização.

*Os réus contestaram dizendo que o prédio dos autores não se encontra encravado, tendo acesso pela via pública, e que estes nunca utilizaram o prédio dos réus, por si ou pelos seus antepassados, para aceder ao seu prédio.

*Dispensou-se a realização de audiência prévia tendo sido proferido despacho que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

* Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra: “Pelo exposto e nos termos referidos supra, decide-se: 1. Julgar a acção intentada pela Autora, parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Condenam-se os Réus, A. M. e M. M., a reconhecer a servidão de passagem, a favor do prédio da A., existente pelo caminho a Nascente, que se inicia no Largo (...), passando o prédio dos RR.

  2. Condena-se os Réus, A. M. e M. M., a absterem-se de praticar actos que obstaculizem o normal uso e fruição permanente pela Autora da supra referida servidão de passagem e o acesso da mesma ao prédio identificado em 1° dos factos provados.

    1. Absolvem-se os Réus, A. M. e M. M., do demais peticionado contra si.

      *Custas pelos Réus e Autores, na proporção de 85% e 15% - artigos 527°, n° 1 e 2, 528°, n°.1 do Código de Processo Civil *Notifique e registe (cfr. art 153°, 220°, n°.1, 247°, 253° todos do Código de Processo Civil).”*Não se conformando com a decisão recorrida vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. A autora/recorrida peticionou a constituição de uma servidão sobre o prédio dos RR/recorrentes, por usucapião, tudo nos termos do artigo 1548 do C.P.C., o que exige ao peticionante a demonstração de factos traduzidos em sinais visíveis, permanentes e inequívocos.

    2. A autora/recorrida não alegou factos na sua p.i., que se traduzam em factos concretos como lhe incumbia nos termos do artigo 342 do c.c., da existência desses sinais visíveis e permanentes, com exclusão da largura do presumido caminho.

    3. Apesar de tal facto estar alegado pela autora/recorrida, ficou dado como não provado; A passagem a que alude a Autora tinha 3 metros e 50 centímetros de largura (artigo 12 º e 13 º a petição inicial)” 4. Apesar de não estarem alegados os factos exigíveis para a constituição de uma servidão de passagem pelo imóvel dos RR/recorrentes nos termos do artigo 1548 nº 2 do c.c., o Tribunal a quo dá como provado que; 11. Sempre usando esse caminho com os sinais visíveis, permanentes e inequívocos, (artigo 25º a petição inicial) 5. Inequivocamente nos apercebemos que a matéria carreada pela julgador aqui descrita é conclusiva e contem já em si uma decisão. Diga-se uma expressão de direito constante do nº 2 do artigo 1548 do c.c. que necessita de ser densificada de facto, ou seja conter ocorrências concretas da vida real. Factos como "Terra batida? Delimitação vegetativa? Um leito calçado ou trilhado? Rodados dos veículos de tração? Uma entrada que liga o imóvel da autora ao dos RR.? 6. Não tendo o recorrido articulado factos que pudessem servir para prova da matéria de facto, não podia o Tribunal a quo, como o fez, à revelia do artigo 5 do c.P.c., substituir tais factos inexistentes por expressões jurídicas, que nada mais são do que a resolução concreta de uma das questões de direito nos presentes autos. Ou seja, o que está preceituado no nº 2 do artigo 1548 do c.c ..

    4. O julgador do Tribunal a quo, que, apercebendo-se da falta de elementos concretizadores e de especial importância para a constituição de uma servidão de passagem, deveria ter dado como não provada o peticionado absolvendo os RR/recorrentes do pedido, ao invés de condenar os RR/recorrentes a reconhecer a existência de uma servidão de passagem que nunca existiu.

    5. Sendo certo que só por manifesto erro dá como provado matéria manifestamente conclusiva, uma asserção de direito (nº 2 do artigo 1548 do c.c.) tentando porventura colmatar o erro da p.i. que não concretiza faticamente os sinais visíveis e aparentes exigíveis por aquele preceito.

    6. Opção esta do julgador que, procurando um juízo que já contem a decisão da própria causa, para além de beneficiar a A./recorrida, cria um prejuízo manifesto para os RR/recorrentes com um encargo injusto sobre o seu imóvel, violando o artigo 5 do c.P.c., bem como o artigo 1548 do c.c. que releva a necessidade da procedência deste tipo de ação dos (factos) sinais visíveis e aparentes.

    7. Deve por isso o Tribunal ad quem e no uso dos seus poderes que lhe foram atribuídos, dar como não escrito ou declarar a nulidade de tal facto provado constante do artigo 11. dos factos provados, por manifestamente conclusivo, asserção de direito constante do nº 2 do artigo 1548 do c.c., , concluindo-se pela necessária improcedência do peticionado e a absolvição dos RR/ aqui recorrentes.

    8. Sem prescindir e na mesma senda, constata-se assim que não existem factos provados onde se vislumbre tais sinais visíveis e aparentes exigidos pelo nº 2. artigo 1548 do C.C ..

    9. Sendo certo que esses sinais seriam evidentes se houvesse sinais de terra batida, um traçado definido de passagem (trilho), uma orientação definida, ainda que fosse meramente uma delimitação vegetativa, facto que não existe in casu. Por outro lado, a sentença não julga provado um traçado, uma largura, um cumprimento, uma delimitação, uma orientação da pretensa servidão. (Vide nº 1 matéria não provada) 18. Pelo que estamos perante, de forma indubitável perante uma servidão não aparente que obsta à constituição de uma servidão de passagem por usucapião.

    10. O que releva, tal falta de prova, é a passagem que a R /recorrida vem exercendo de forma clandestina pelo imóvel dos RR. recorrentes, traduzido mesmo nos depoimentos que se transcrevem - Vide depoimento de E. N. e testemunha da A. e de A. T. testemunha dos R.R.

    11. Pelo que não existe, nem poderá existir sinais, marcas, larguras cumprimentos da passagem do que quer que seja, pois se o fizeram foi "a salto", e que não deixa obviamente quaisquer vestígio pela sua passagem.

    12. Como efetivamente conclui o Tribunal a quo, pois não considerou provado sequer a largura ou cumprimento do alegado "caminho de serventia". (Vide nº 1 dos factos não provados) 22. Pelo que os factos apreciados, dados como provados subsumidos ao direito aplicável nunca poderiam resultar na constituição de uma servidão de passagem por usucapião. Assim o Tribunal a quo não apreciou corretamente a matéria de facto que lhe foi carreada para os autos, dando como provado matérias conclusivas, editadas no texto da p.i., que, por não serem matéria de facto (sinais de facto existentes no imóvel "dominante") não podem servir para a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio dos RR/recorrentes.

    13. Como, não estando provados quer a largura, quer a orientação, a constituição, quer os sinais que caracterizam o traçado e a delimitação de tal passagem sobre o prédio "serviente" para o prédio "dominante", sinais evidentes que seriam necessários para a constituição de uma servidão de passagem, nunca o Tribunal a quo podia declarar a constituição de uma servidão de passagem por...

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