Acórdão nº 803/18.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório M. G. requereu, no Juízo Local Cível de Barcelos – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos dos arts. 380º e ss. do Código de Processo Civil, contra Associação Intercultural X.

Para o efeito, e em síntese, alegou que, no dia 14 de fevereiro de 2018, foi notificado de que lhe estava a ser movido um processo disciplinar e, no dia 13 de março de 2018, foi notificado da sua expulsão.

Segundo os Estatutos da Requerida, aprovados na Ata n.º 16, tal pena de expulsão é da competência da direção, através de voto por unanimidade dos membros, sendo que nunca fora convocado para qualquer reunião da direcção e tal deliberação é contrária aos bons costumes.

Conclui pela nulidade da deliberação, provocando esta um dano apreciável quer na esfera jurídica do Requerente, quer na esfera jurídica da Requerida, uma vez que esta fica reduzida a dois associados que têm utilizado a Requerida em benefício pessoal.

*Citada, a Requerida apresentou oposição (cfr. fls. 26 a 32), na qual conclui pela improcedência do procedimento cautelar.

Alegou, em resumo, que a decisão de expulsão não foi impugnada em tempo e que de qualquer forma não se encontram preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar requerida.

Diz, ainda, que a ata n.º 16 que procedeu à alteração dos Estatutos não foi sujeita a escritura pública, pelo que o processo disciplinar a que foi sujeito o Requerente foi iniciado e concluído de acordo com os Estatutos em vigor, sendo estes os anteriores aos aprovados na referida ata n.º 16.

Tendo sido em sede de ata n.º 15 que se procedeu à alteração do artigo 13.º a) dos Estatutos e tendo sido realizada de seguida, às 09:30h, a Assembleia que deu lugar à ata n.º 16, esta não podia ter sido daquela forma convocada, pois que a ata n.º 15 e a alteração aí operada ainda não havia sido sujeita a escritura pública, tendo esta só vindo a ocorrer em novembro de 2017.

Por último, e ainda que se considere a validade parcial da ata n.º 16, no que respeita à composição dos órgão sociais, sempre a decisão de expulsão do sócio requerente foi deliberada pela maioria da direcção, nomeadamente pelos sócios Nuno e Patrícia e em cumprimento dos Estatutos em vigor à data do processo disciplinar.

*Procedeu-se à produção de prova (cfr. actas de fls. 120, 121, 127 e 130).

*Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu decisão (cfr. fls. 131 a 137), nos termos da qual decidiu julgar “improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tendo por objeto a decisão de expulsão do Requerente M. G. da Requerida Associação”.

*Inconformado com esta decisão dela recorre o requerente M. G., formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (cfr. fls. 149 a 154): «

  1. O recurso ora interposto versa sobre a decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que teve por objecto a decisão de expulsão do ora apelante.

  2. O tribunal a quo entendeu que a acta n.º 16 era nula, com base no artigo 220.º do Código Civil.

  3. Sucede que uma acta não é uma declaração negocial, pelo que não se poderá aplicar o artigo 220.ºdo Código Civil.

  4. Coutinho de Abreu define acta como o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo (Curso de Direito Comercial, Volume II, 5.ª Edição, p. 448).

  5. Assim, a deliberação de alteração estatutária não é nula.

  6. Contrariamente ao que conclui o Tribunal a quo, não estamos perante uma questão de invalidade. Estamos, sim, perante uma questão de eficácia. É esse, aliás, o sentido útil do n.º 3 do artigo 168.º do Código Civil: o acto de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiro, enquanto não forem publicados.

  7. Significa isto que produzem efeitos internamente, em relação aos próprios associados.

  8. Assim, (internamente) estavam em vigor os estatutos aprovados na Assembleia Geral que se encontra documentada na acta n.º 16. A mesma assembleia geral que admitiu o ora apelante e que o tornou membro da direcção.

  9. A deliberação de exclusão do associado M. G. (e, já agora, do associado M. S.) foi contrária aos estatutos e, como tal, é inválida. Devia ter sido tomada por unanimidade e não o foi.

  10. A deliberação de exclusão do associado M. G. provoca-lhe um dano apreciável. Estamos perante uma associação, a qual não tem escopo lucrativo. O dano é, exactamente, o facto de perder a qualidade de associado e, com isso, a sua função de controlo.

  11. A deliberação de exclusão do associado M. G. provoca, igualmente, um dano apreciável na requerida, a qual perdeu metade dos associados com tal deliberação (a Associação tinha 4 membros, sendo que dois deles foram expulsos nessa deliberação), o que permitirá aos dois membros restantes (marido e mulher) continuarem a agir à revelia dos estatutos e fazendo perigar a vida da associação.

    Assim, deverão V. Exas. revogar a decisão recorrida, alterando-a por outra que dê provimento ao requerido, nomeadamente suspendendo a deliberação social que teve por objecto a decisão de expulsão do associado M. G. da Associação, fazendo dessa maneira a costumada JUSTIÇA».

    *Contra-alegou a requerida Associação Intercultural X (cfr. fls. 157 a 159), pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: «

  12. O Tribunal “ a quo” decidiu correctamente, quer de facto, quer de direito; b) A sentença objecto de recurso não merece qualquer reparo; c) O Recorrente não tem qualquer razão no seu recurso que deverá ser declarado totalmente improcedente».

    *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão (cfr. fls. 161).

    *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II. Questões a decidir.

    Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se estão verificados os pressupostos para o decretamento da providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais.

    *III.

    Fundamentos de facto A decisão recorrida deu como (indiciariamente) provados os seguintes factos: 1. O Requerente foi notificado no dia 14 de Fevereiro de 2018, comunicando-lhe a Requerida a instauração de um processo disciplinar.

    1. Em carta datada de 16 de Fevereiro de 2018, respondeu o ora Requerente que não poderia ser intenção da Direcção proceder à eliminação e exclusão de sócios desta associação, porquanto a direcção não reuniu para formular qualquer intenção.

    2. O Requerente foi notificado no dia 13 de Março de 2018, por carta registada, da sua expulsão enquanto associado da Associação Intercultural X.

    3. A decisão de expulsão foi tomada pelos sócios Nuno e Patrícia.

    4. Nos Estatutos da Requerida [artigo 10.º] aprovados na ata n.º 16 as penas de admoestação, repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da direcção, através do voto por unanimidade dos seus membros. Também se previa no artigo 15.º, n.º 4 que as operações bancárias acima de 10.000€, requerem a validação de todos os membros da Direção.

    5. Em assembleia geral extraordinária da Requerida às 9.30horas do dia 31/8/2017, correspondendo à ata n.º 16 (junta aos autos que se dá por reproduzida), foi, além do mais, admitido como sócio o Requerente M. G. e foram eleitos novos órgãos sociais, tendo aquele sido eleito para o cargo de Secretário da Direcção e para o cargo de Presidente do Conselho Fiscal. Assi, a Direção ficou composta pelo Requerente, pelo Presidente Nuno e pela Tesoureira Patrícia.

    6. A Ata n.º 16 nunca foi reduzida a escritura pública, assim como os Estatutos aí aprovados.

    7. A Requerida foi constituída por escritura pública de 14 de Maio de 2012.

    8. Por escritura pública de 8 de Setembro de 2015 procederam os seus sócios, no seguimento da ata nº 8, resultante da Assembleia Geral do mesmo dia, à aprovação de alteração estatutária, prevendo nomeadamente no artigo 13.º a) que a Assembleia Geral é convocada por editais afixados na sala principal da sede e sempre com antecedência de dez dias.

    9. Em 3 de Maio de 2017 foi celebrada nova escritura pública de alteração estatutária, também no seguimento de ata nº 14, relativa à assembleia geral extraordinária, previamente convocada, em que os sócios deliberaram dar os poderes aí conferidos ao sócio nela referida, para poder concretizar a escritura pública de alteração estatutária.

    10. Em vinte e dois de Novembro de 2017, foi celebrada a escritura pública relativa à última alteração estatutária da Requerida, através dos poderes conferidos ao sócio nela mencionado para o efeito, no seguimento da assembleia geral extraordinária do dia 31 de Agosto de 2017, realizada às 8.00horas, correspondente à ata nº 15 (junta aos autos que se dá por reproduzida) da Requerida, previamente convocada para o efeito em 20 de Agosto de 2017 (em que os sócios e directores, respectivamente Tesoureiro Fernando Secretária da Direção Ana, renunciaram aos cargos de direcção) e que fixou os estatutos, prevendo os mesmos à data (tendo em conta todas as alterações anteriormente operadas) nomeadamente que: “Artigo 10.º As penas de repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da Direcção. (…) Artigo 13.º a) A Assembleia Geral é convocada por editais afixados na sala principal da sede e sempre com antecedência de dez dias; (…) e) A Assembleia Geral extraordinária poderá ser convocada de forma...

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