Acórdão nº 128/18 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução13 de Março de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 128/2018

Processo n.º 198/17

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. Nos presentes autos, A., S.A., ora recorrente, foi condenada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de junho de 2016, como autora do crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelos artigo 11.º, n.º 2 e 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 100,00, julgando procedente o recurso interposto pelo assistente B. e, em consequência, alterando a decisão de primeira instância que absolvera a arguida.

Inconformada, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido por despacho proferido pelo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa. Ainda inconformada, reclamou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a reclamação sido indeferida.

Por fim, recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), sendo recorridos o Ministério Público e B..

2. É o seguinte o teor decisão recorrida, na parte que aqui releva:

«1- Movemo-nos no âmbito dos recursos, cujas normas, no essencial dispõem sobre a competência em razão da hierarquia.

A alínea b) do n.° 1 do artigo 432.° do Código de Processo Penal estabelece que o STJ é competente para conhecer os recursos das deliberações das Relações, nos termos do artigo 400.° do CPP.

Mas a alínea e) do n.° 1 deste último preceito, estabelece que não é admissível recurso de «acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».

O acórdão questionado aplicou uma pena de multa; logo não privativa da liberdade, cabendo assim na previsão do artigo 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432,°, n.° 1, alínea b) e 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP), tal como foi decidido.

2 - A reclamante suscita a inconstitucionalidade do artigo 400.°, n.° 1, alínea e), do CPP, por violação do artigo 32.°, n.°s 1 e 5 e 20.º (quando se exige um processo equitativo), da CRP.

Mas sem razão.

O direito ao recurso não é absoluto, sobretudo nos casos em que a questão já foi apreciada em duas instâncias.

E cada vez mais se acentua a tendência para considerar o Supremo Tribunal de Justiça com vocação de Juízo de revista tendo como escopo primeiro uniformizar jurisprudência.

Por outro lado, o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, basta-se com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, já concretizado aquando do julgamento pela Relação, independentemente desta manter ou alterar o decidido na 1ª instância tendo em conta que perante a Relação a arguida teve a possibilidade de expor a sua defesa; a admitir-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-ia a garantir um triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe.

E o regime de admissibilidade dos recursos para o STJ, por si mesmo, é inteiramente estranho à estrutura acusatória do processo criminal nem tem rigorosamente a ver com o princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, da CRP).

A estrutura acusatória e o contraditório são princípios do processo penal, da posição dos sujeitos processuais e dos respetivos direitos na discussão da causa que, como tais, não são nem podem ser afetados pela simples regra de admissibilidade ou de inadmissibilidade de um recurso.

E também a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na interpretação adotada não desrespeita o princípio da exigência do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que, para o ser, não implica a admissão do recurso para o tribunal de revista

3- Do exposto resulta que indefira a reclamação».

3. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente identifica do seguinte modo a norma que pretende ver apreciada: «a al. e) do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade, no caso de estarmos perante uma arguida pessoa coletiva, e o acórdão da relação ser condenatório quando a decisão de 1.ª instância tenha sido absolutória».

4. Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos:

«A. A Recorrente, acusada de ter praticado um crime de desobediência qualificada, foi absolvida em 1.ª Instância, tendo o Assistente/Recorrido, não se conformando com a absolvição, ocorrido para o TRL, que alterou a decisão absolutória e condenou a ora aqui Recorrente numa pena de multa - não privativa de liberdade.

B. A Recorrente, não se conformando com o Acórdão condenatório proferido pelo TRL, dele interpôs recurso para o STJ, o qual não foi admitido no TRL por entenderem que a decisão não era suscetível de recurso.

C. A Recorrente, novamente não se conformando com a decisão de não admissão do recurso para o STJ, proferida no TRL, reclamou para o Exmo. Senhor Juiz conselheiro Presidente do STJ, tendo, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente proferido decisão singular de indeferimento da reclamação por entender, em suma, que o Acórdão do TRL não é passível de recurso para o STJ, e que não estão em causa os direito de defesa da Recorrente uma vez que esta já teve oportunidade de responder ao recurso interposto, e que já se encontra assegurado o duplo grau de jurisdição imposto pela nossa Constituição…

D. Ora, salvo o devido respeito, não lhes assiste qualquer razão uma vez que, na realidade, nem a Recorrente teve oportunidade de contraditar, e defender-se do Acórdão condenatório, nem essa decisão (condenatória) foi sindicada por outra instância, logo não foi sujeita ao duplo grau de jurisdição.

E. A Recorrente apenas teve oportunidade de responder à alegação de recurso do Assistente/Recorrido, quando notificada da interposição do recurso deste, mas nunca teve oportunidade de se defender, e de colocar em causa os argumentos, apresentados no Acórdão condenatório.

F. Do Acórdão condenatório proferido pelo TRL a Recorrente nunca teve oportunidade de se defender.

G. O Acórdão condenatório, porque alterou por completo a decisão de 1.ª Instância (absolutória), nunca foi sujeito ao duplo grau de jurisdição. A única decisão que foi sujeita a tal crivo foi a decisão de absolvição de 1.ª Instância, ou seja, o Assistente/Recorrido, não se conformando com essa decisão de absolvição, pôde recorrer da mesma, e ver a sua pretensão apreciada no TRL, mas a Recorrente, condenada em 2.ª Instância, já não pôde ver a sua pretensão (de ser absolvida) apreciada num segundo grau de jurisdição.

H. A decisão de condenação é, por isso, uma decisão surpresa que, a não ser admitido o recurso para o STJ, não pode ser sujeita ao crivo - exigido/contemplado pela CRP - do duplo grau de jurisdição.

I . Não podemos confundir, o direito do recorrido, querendo, apresentar a sua resposta a um recurso interposto, com a possibilidade do recorrido ver uma decisão, que o afeta, apreciada por uma outra entidade que não seja quem a proferiu (duplo grau de jurisdição).

J. A este propósito importa chamar à colação parte da fundamentação do Acórdão n.º 412/2015 do TC onde se lê:

O direito do arguido ao recurso da sua condenação não se basta com o exercício do contraditório no recurso interposto pelo assistente da sua absolvição - o direito ao recurso é o efetivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão jurisdicional condenatória. Para tal, o arguido tem que poder conhecer os fundamentos dessa decisão, o que não é possível garantir com a norma em apreciação, desde logo porque a decisão condenatória pode integrar matéria não abrangida pela decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada.

K. Como sabemos, da leitura do artigo 400.º, do CPP, em particular da al. e), consta que não é recorrível o acórdão proferido, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, o que, à primeira vista, se enquadraria nos presentes autos.

L. Esta leitura simples do texto da lei, bem como dos contornos dos presentes autos, e caso se entendesse que o acórdão do TRL era irrecorrível - que não se entende -, estaríamos perante uma inconstitucionalidade gritante, desde logo, na natureza do sujeito processual arguido.

M. Como sabemos a Recorrente nos presentes autos é uma pessoa coletiva, uma sociedade comercial anónima, ou seja, insuscetível de ser condenada a pena de prisão, seja ela superior ou inferior a 5 anos.

N. Caso se entendesse que a al. e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, estava conforme a CRP, estaríamos a admitir que as pessoas coletivas nunca tinham direito de recorrer das decisões proferidas em recurso pelas relações para o STJ, fossem elas decisões surpresa, ou não, o que, não se aceita, é manifestamente inconstitucional, pois viola o princípio da defesa e do contraditório.

O. Poderá argumentar-se que o duplo grau de jurisdição está acautelado, uma vez que a pessoa coletiva foi sujeita à decisão de 1.ª Instância, bem como à decisão da Relação o que, também numa análise apressada, poderia parecer correto, mas não o é!

P. No caso da pessoa coletiva ser absolvida em 1.ª Instância, e condenada na Relação (como aconteceu nos presentes autos), a mesma deixa de ver o duplo grau de jurisdição acautelado.

Q. O Assistente teve possibilidade de ver apreciada a decisão de 1.ª Instância...

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