Acórdão nº 624/16 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 624/2016

Processo n.º 732/15

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório (cfr. fls. 442) ao abrigo do disposto no art.º 280.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido em conferência pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo daquele Supremo Tribunal a fls. 396 a 411 (acórdão de 3 de junho de 2015), o qual concedeu provimento ao recurso e, consequentemente, pela motivação dele constante – inconstitucionalidade formal do Regulamento de Inspeções do Ministério Público n.º 17/2002 (RIMP), no qual se inclui o seu artigo 7.º em causa nos autos (aprovado em reunião do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de 9 de janeiro de 2002 e publicado no Diário da República (DR, II Série, de 27/02/02 e), por violação do artigo 112.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa (CRP) por omissão quanto à citação da Lei habilitante –, revogou a decisão judicial recorrida e julgou a ação administrativa especial procedente, anulando o ato impugnado (deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 10 de setembro de 2013), com todas as legais consequências.

2. Resulta dos autos, com relevância para o presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, o seguinte.

2.1 A ora recorrida intentou, na Secção de Contencioso Administrativo do STA, ação administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público, em que requereu, além do mais, que se declarasse nula, ou anulável, a deliberação do Plenário do mesmo CSMP de 10/09/2013, tomada sobre a Reclamação que apresentou acerca da apreciação do seu mérito profissional e lhe atribuiu a classificação de «Bom com Distinção» pelo serviço que prestou no período compreendido entre maio de 2008 e maio de 2012 (cfr. fls. 1 a 42 e acta de fls. 46-50).

A ação administrativa especial foi declarada totalmente improcedente por acórdão de 22 de maio de 2014, que absolveu o demandado dos pedidos formulados pela autora (cfr. fls. 218-247, em especial fls. 245).

2.2 A ora recorrida deduziu então «recurso ou impugnação» para o Pleno (da Secção de Contencioso Administrativo) do STA, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 1, a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicável, com fundamento, entre outros (nulidade do acórdão e “Error in iudicando”), na inconstitucionalidade formal do referido Regulamento de Inspeções do Ministério Público n.º 17/2002 – por falta de indicação da lei que visa regulamentar ou que define a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão (cfr. motivação de recurso, a fls. 252-288, reiterada a fls. 292-328 e ss., em especial II, 6, 1), e III, a fls. 254 e ss., reiterados a fls. 294 e ss.). Assim concluiu a ora recorrida na motivação de recurso apresentada:

«(…)

A) Inconstitucionalidade formal do Regulamento de Inspeções do Ministério Público (RIMP)

(Regulamento 17/2002, publicado no DR n.º 4911 série, de 27.02.2002)

1.ª Emerge de todo o texto do douto Acórdão recorrido, que conduziu à improcedência da AAE, que o ATO do CSMP, que culminou o processo inspetivo efetuado à RTE - processo administrativo, sujeito ao CPA e ao Estatuto do Ministério Público, bem assim e antes de tudo à Constituição (CRP) - não enferma de qualquer vício, estando totalmente conforme com a legalidade relevante, sobretudo com a previsão da norma do art. 7.º-1 do Regulamento de Inspeções do Ministério Público (RIMP);

2.ª O douto Acórdão recorrido reconhece que o art. 7.º-1 do RIMP, pretende apenas regulamentar a operacionalidade das inspeções, determinando-lhe uma característica que é fundamental às mesmas: o «âmbito temporal da inspeções». Fixa-lhe o âmbito temporal máximo de 4 anos, e mínimo de anos."

3.ª As inspeções ao trabalho dos magistrados do MP, estão previstas no respetivo Estatuto (Lei 60/98 de 27/08) e visam avaliá-los e classificá-los, com vista, entre outras finalidades, à sua progressão na carreira (art.s 109.º a 113.º do EMP).

4.ª A Lei que aprovou o Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98 de 27/08) está incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º-1-p) da CRP.).

5.ª O Regulamento n.º 17/2002, onde se insere o art. 7.º referido em L, respeita à matéria das classificações de magistrados, ínsita no Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, nos art.s 109.º a 113.º

6.ª O Regulamento n.º 17/2002, publicado no DR 49, II Série, de 27.02.2002, não contém a indicação da lei que visa regulamentar ou que define a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão, como é patente no texto publicado no boletim oficial, DR. n.º 49 II Série, de 27.02.2002).

7.ª Essa falta - a não indicação da lei que visa regulamentar ou que define a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão - viola a norma do art. 112.º-7 da CRP e por isso o Regulamento 17/2002 (RIMP) enferma de inconstitucionalidade formal.

8.ª A identificação da lei habilitante, identificação que deve ser expressa, visa garantir a segurança e transparência jurídicas e basta-se com a referência no preâmbulo ou articulado do regulamento, mas já é insuficiente a simples possibilidade de identificação dessa mesma lei desde que não encontre uma qualquer expressão textual no regulamento, como é o entendimento da jurisprudência e doutrina atrás citadas.

9.ª Em recurso jurisdicional, o Tribunal de recurso tem que apreciar a alegação de inconstitucionalidade da norma aplicada, ainda que essa questão não tenha sido conhecida na decisão recorrida, porque assim o impõe o art. 204.º da CRP (Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados») e é o entendimento da jurisprudência atrás citada.

10.ª Mesmo que se sufrague o entendimento de que, a alegação de inconstitucionalidade formal só poderá ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal como questão incidental, a invocada inconstitucionalidade formal do RIMP (Regulamento n.º 17/2002), por falta de indicação da lei que regulamenta ou que define a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão, em violação da norma do art.º 112 n.º7 da CRP é, sem dúvida, uma questão incidental, no recurso presente, pois que a RTE pugna pela declaração de nulidade, ou anulabilidade do ATO do CSMP, por considerar que padece de vício de violação da Lei, ao aplicar norma do dito regulamento, que derroga normas estatutárias.

11.ª As normas dos art.s 627.º-1 e 625.º-2 do novo CPCiv. não permitem o entendimento de que a inconstitucionalidade do regulamento não deve ser conhecida oficiosamente, entendimento que será materialmente inconstitucional por violar o artigo 204.º da CRP.

12.ª Deverá ser conhecida, no presente recurso, oficiosamente, a inconstitucionalidade formal do Regulamento n.º 17/2002, publicado no DR 49, II Série, de 27.02.2002, uma vez que a sua desconformidade com a norma do art. 112.º-7 da CRP é questão que toca a decisão da conformidade legal do ATO impugnado na AAE, intentada pela RTE.

13.ª O douto Acórdão recorrido, ao fundamentar a legalidade da delimitação de 4 anos na inspeção feita pelo CSMP ao trabalho da RTE, para a classificar, postergando assim o alegado vício de legalidade invocado e imputado na AAE, ao ATO impugnado, aplicou norma formalmente inconstitucional e por isso violou as normas do art. 112.º-7 e bem assim o art. 204.º da CRP, e também o art. 1.º-2 do ETAF.

14.ª E também violou, pelo descrito em 13., as normas dos art.s 112.º-1 e 113.º-2 do EMP.

l5.ª Consequentemente, deverá revogar-se o douto Acórdão recorrido, pois que a decisão que proferiu não aplicou corretamente o direito, tendo violado as normas dos art. 112.º-7 bem assim o art. 204.º da CRP , e o art. 1.º-2 do ETAF e também as normas dos art.s 112.º-1 e 113.º-2 do EMP.

(…)

41.º Em suma, o douto Acórdão deverá ser revogado, porque:

a) baseou a sua decisão numa norma de um regulamento que padece de inconstitucionalidade formal e por isso aplicou direito contrário às normas do art. 112.º-7, bem assim do art. 204.º da CRP e do art. 1.º-2 do ETAF, com isso violando as normas as normas dos art.s 112.º-1 e 113.º-2 do EMP;

b) enferma de nulidade, por evidente contradição entre os fundamentos de Direito que expõe e a decisão, a que conduz a um desfecho ilógico e incongruente; no mínimo a decisão enferma de ambiguidade, o que a torna ininteligível - devendo ser declarada a sua nulidade, ao abrigo do preceito do art. 615.º-1-c) CPCiv ..

c) enferma de erro de julgamento, ao interpretar erradamente as normas legais dos art.s 112.º-1 e 113.º-2 do EMP do art. 125.º-1 e 2 do CPA e dos art.s 266.º2 e 268.º-3 da CRP.

TERMOS EM QUE o recurso deverá ser julgado provado e procedente, com todas as consequências que se deixaram expostas, sendo assim realizada.»

2.3 O ora recorrente Ministério Público apresentou então contra-alegações (cfr. fls. 339-356) concluindo pela improcedência do recurso, na parte que releva para o presente recurso, nos termos seguintes:

«(…)

A - INTRODUÇÃO. Objeto do recurso

1. Na presente ação administrativa especial veio a autora A., ora recorrente, impugnar e pedir que fosse declarada nula, ou porventura apenas anulada, a deliberação do Plenário do CSMP de 10 de...

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