Acórdão nº 215/18 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 215/2018

Processo n.º 127/18

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls.61-68), «ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 1.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1e 2, todos da Lei do Tribunal Constitucional» (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (LTC)), do acórdão daquele Tribunal da Relação de 26 de outubro de 2017, o qual negou provimento ao recurso interposto de decisão que, em primeira instância, o havia condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

2. O requerimento de interposição de recurso para este Tribunal tem o seguinte teor (cfr. fls. 61-68):

«A., com os sinais nos autos em referência em que figura como Arguido, em que foi declarada a especial complexidade do processo, tendo sido notificado do douto Acórdão proferido por este Venerando Tribunal no dia 26.10.12017, que, julgando improcedente o recurso apresentado, manteve a decisão da primeira instância,

vem, de harmonia e ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 1.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei do Tribunal Constitucional ("LCT"), interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I

REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO (IDENTIFICAÇÃO DA ALÍNEA DO N.º 1 DO ARTIGO 70.º DA LTC AO ABRIGO DA QUAL É INTERPOSTO O RECURSO)

1.

O presente recurso é interposto, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.

2.

As questões de constitucionalidade, que ora se pretendem submeter ao crivo do Tribunal Constitucional, foram previamente invocadas no âmbito do Recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, do Acórdão final proferido pelo Tribunal da Comarca de Porto Este - Instância Central de Penafiel - Secção Criminal - 32, no processo que correu termos com o n.º 864/05.1TAPNF.

3.

A identificação, precisa, dos pontos concretos das alegações de recurso e das respetivas conclusões em que foram invocadas cada uma das questões de constitucionalidade é feita no título seguinte, e a propósito da suscitação de cada uma das questões, de forma a facilitar a exposição e a evitar a duplicação de informação.

II

QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE SUSCITADAS DURANTE O RECURSO

4.

As questões de constitucionalidade que o recorrente suscitou durante o processo e pretende ver julgadas são as seguintes:

i) NULIDADE DA PERÍCIA FINANCEIRA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA:

5.

Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal julgue:

a) Nos termos do estatuído no artigo 154.º do CPP, a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objecto da perícia, bem como, se possível, a indicação do dia, hora e local em que se efectivará.

b) Temos, assim, por certo que a competência para ordenar perícias incumbe à autoridade judiciária, in casu, ao Ministério Público, pois é a este que cabe a direcção do inquérito, assistido pelos órgãos de polícia criminal, que actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional - vide artigo 263° do CPP.

c) É o Ministério Público que, em sede de inquérito, pratica todos os actos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades intrínsecas daquela fase processual - vide artigos 267.º e 262.º, n.º 1, do CPP.

d) Esta aptidão constitui matéria da competência reservada ao Ministério Público, até porque abstraída dos actos previstos no artigo 268° do CPP, que incumbem exclusivamente ao juiz de instrução.

e) Ora, a realização da perícia e do subsequente relatório pericial em causa não foi, como devia, ordenada pela autoridade judiciaria competente - o Ministério Público -;

f) Antes por despacho da Exma. Senhora Coordenadora de investigação Criminal da Polícia Judiciária de 11/02/2010 que consta de f1s. 4046, no qual a subscritora incumbiu a Unidade de Perícia Financeira e Contabilística de efectuar a mencionada perícia de acordo com os quesitos constantes na informação que lhe foi presente.

g) Destarte, temos a salientar que o Ministério Público não entendeu relevante efectuar-se a perícia em causa, até porque nem sequer validou o despacho que ordenou a dita perícia.

h) Apenas mais tarde (em 4/07/2012 - cfr. fls.7292), viria a sra. Procuradora do DIAP Porto a solicitar a prestação dos esclarecimentos complementares pelo sr. perito da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária que, entretanto, havia apresentado o relatório pericial de fls. 6588 a 6776.

i) Entendeu o Tribunal recorrido e o Venerando Tribunal da Relação que é a própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Lei n.º 37/2008, de 6-08), que, nos seus artigos, 11.º, n.º 1, al. h) e 12.º, n.º 1, al. a) atribui competência aos coordenadores de investigação criminal para ordenar a realização de perícias por organismos oficiais.

j) Entenderam mal, pois, nos termos do n.º 2 do art.º 270° do CPP, pelo qual se elencam os actos que estão excluídos de delegação pelo Ministério Público nos órgãos de polícia criminal, se inclui o de ordenar a efectivação de perícia, nos termos do art. ° 154.º do CPP.

k) Se é certo que, atendendo ao disposto n.º 1 do art.º 11º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto, a Polícia Judiciária terá competência para ordenar "a realização de perícias a efectuar por organismos oficiais", da letra e do espírito esta norma legal resulta, claramente, que a Polícia Judiciária só poderá ordenar a realização de perícias que venham a ser efectivadas por "organismos oficiais" externos à sua própria orgânica e organização. O facto de se encontrar plasmado que as perícias devem ser realizadas por "organismos oficiais" deve-se à relevância do juízo científico que se vê reflectida no art.º 163° do CPP estar necessariamente relacionada com a especial credibilidade da perícia que o legislador entendeu estar ligada à sua natureza oficial.

l) A mencionada credibilidade está associada às presumidas imparcialidade e independência do perito nomeado, pela autoridade judiciária, e integrado em quadro administrativo das instituições oficiais de peritagem forense.

m) Pelo que, decorre do acima referido preceito legal que as perícias eventualmente ordenadas pela Policia Judiciária devem ser realizadas em estabelecimentos oficiais reconhecidos por lei.

n) Tanto assim que o meio de prova "perícia" está abstraída da livre convicção do julgador, constituindo antes prova de apreciação vinculada.

o) Durante a fase de inquérito a nomeação de peritos incumbe ao Ministério Público enquanto autoridade judiciária (alínea b) do art.º 10 e art.º 154.º, ambos do CPP).

p) No entanto, a Polícia Judiciária ordenou que a "Perícia Financeira e Contabilística" fosse realizada na sua própria organização através da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Directoria do Norte, enquanto titular responsável pela fase de investigação do presente processo.

q) Pelo exposto, a Polícia Judiciária carece de competência legal para ordenar a mencionada perícia.

6.

As normas em causa, que constituíram nessa interpretação fundamento para a decisão ora sindicada, é inconstitucional por violação do consagrado no artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para todos os efeitos legais. Com efeito, constituindo matéria da competência exclusiva e reservada do Ministério Público (entenda-se, ordenar perícias), a quem incumbe o exercício da acção penal, entende-se ter incorrido o Tribunal em "ofensa" ao constitucionalmente consagrado na invocada norma 7.

Estas questões foram suscitadas nas páginas 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 das alegações e nas conclusões 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 do Recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, do Acórdão prolatado pelo Tribunal da Comarca de Porto Este - Instância Central de Penafiel - Secção Criminal - J2, no processo que correu termos com o n.º 864/05.lTAPNF.

8.

A questão foi analisada nas páginas 993 e seguintes do acórdão recorrido e tem manifesto impacto na decisão do processo.

ii) NULIDADE DA COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS

9.

Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal julgue:

A norma constante do n.º 1 do artigo 358° do Código de Processo Penal, segundo a qual "Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe; se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”; na interpretação segundo o qual os factos comunicados na 50ª sessão de audiência de julgamento, realizada no dia 19.10.2015, consubstanciam uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, e não uma alteração substancial dos mesmos, como defendeu o recorrente.

10.

A norma em causa, que constituiu nessa interpretação fundamento para a decisão da questão suscitada junto, quer do Tribunal da Primeira Instância, quer do Venerando Tribunal da Relação do Porto, é inconstitucional, por violação do princípio inserto no referido n.º 5, do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

11.

Estas questões foram suscitadas nas páginas 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 das alegações...

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