Acórdão nº 176/17 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 176/2017

Processo n.º 231/17

Plenário

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do artigo 278.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, diversas normas do decreto legislativo regional intitulado “Oitava alteração do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, de 7 de setembro, que estabelece a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira” (“Decreto”), aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (“ALRAM”), em 23 de fevereiro de 2017, e que lhe foi enviado para assinatura como decreto legislativo regional. O Decreto foi aprovado pela ALRAM sob invocação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e do artigo 37.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (“EPARAM”), nos termos dos quais, aquela Assembleia Legislativa exerce a sua competência legislativa primária – sob a forma de decreto legislativo regional ex vi artigo 41.º, n.º 1, do mesmo Estatuto – no âmbito regional em matérias enunciadas no EPARAM e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

Nos termos do requerimento do Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, é questionada a constitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, com referência à nova redação dada pelo seu artigo 1.º aos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, do artigo 48.º-A deste diploma, aditado pelo artigo 2.º do Decreto e, ainda, do artigo 5.º deste último, que dispõem o seguinte:

«Artigo 8.º

Entrada em vigor e produção efeitos

1 – …

2 – …

3 – O disposto no n.º 1 do artigo 46.º e n.º 1 do artigo 47.º da Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pelo presente decreto legislativo regional, tem natureza interpretativa e aplica-se aos exercícios económicos anteriores.

4 – …»

Tais preceitos têm a seguinte redação (cfr. o artigo 1.º do Decreto):

– N.º 1 do artigo 46.º (com a epígrafe «Subvenção à atividade parlamentar»):

«Os grupos parlamentares e deputado único representante de um partido dispõem, para encargos de assessoria aos deputados, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, para atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, de uma subvenção anual»;

– N.º 1 do artigo 47.º (com a epígrafe «Subvenção aos partidos»):

«A cada partido que haja concorrido a eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira, ainda que em coligação, e que nela obtenha representação é concedida uma subvenção anual, desde que requerida ao Presidente da Assembleia, que consiste numa quantia em dinheiro, fixada nos termos dos números seguintes, adequada às suas necessidades de organização e funcionamento».

«Artigo 2.º

Aditamento

São aditados ao Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, de 7 de setembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/93/M, de 20 de fevereiro, 11/94/M, de 28 de abril, 10-A/2000/M, de 27 de abril, 14/2005/M, de 5 de agosto, 16/2012/M, de 13 de agosto, 10/2014/M, de 20 de agosto e 2/2015/M de 26 de janeiro os artigos 48.º-A e 50.º-A, com a seguinte redação:

“Artigo 48.º-A

Antigos Deputados

1 – Os Antigos Deputados que tenham exercido mandato de Deputado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, durante pelo menos quatro anos, têm direito a um cartão de identificação próprio, conforme anexo V do presente diploma.

2 – Os antigos Deputados a que se refere o número anterior têm, além de outros direitos e regalias que venham a ser fixados por despacho do Presidente da Assembleia, direito a livre trânsito no edifício da Assembleia Legislativa durante o período normal de funcionamento, o qual compreende a circulação e permanência nas instalações comuns e o direito de assistir às reuniões plenárias na galeria reservada aos convidados.

3 – As associações constituídas por antigos deputados que reflitam pluralidade partidária e democrática, desde que reconhecidas por maioria de dois terços do Plenário da ALM como revestidas de interesse parlamentar, podem beneficiar de apoio logístico à sua atividade.

4 – O apoio previsto no número anterior é concedido por despacho do Presidente da Assembleia, mediante requerimento dos interessados e sob proposta do Conselho de Administração, ouvido o Conselho Consultivo.

5 – Perde o estatuto de Antigo Deputado quem:

a) Não respeitar a dignidade da Assembleia Legislativa e de todos os que nela têm assento e não acatar a autoridade do Presidente da Assembleia.

b) Com a sua conduta desprestigiar os trabalhos da Assembleia Legislativa.

6 – A perda do estatuto de Antigo Deputado, nas circunstâncias referidas no número anterior, é declarada pelo Presidente da Assembleia Legislativa.”»

«Artigo 5.º

Associações de interesse parlamentar

Para efeitos da aplicação do regime previsto nos números 3 e 4 do artigo 48.º-A é reconhecido à “Aedal-Ram – Associação dos Ex-Deputados da Alram” o estatuto de associação de interesse parlamentar.»

2. Segundo o requerente, o regime jurídico constante destes preceitos do Decreto padece de diversos vícios de inconstitucionalidade.

2.1. No que se refere ao artigo 8.º, n.º 3, do Decreto, considera o requerente, desde logo, que está em causa matéria de financiamento de partidos políticos, para a qual as Assembleias Legislativas das regiões autónomas somente passaram a ter competência a partir da publicação da Lei n.º 4/2017, de 16 de janeiro – que procedeu à sexta alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (diploma que regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) –, nomeadamente em consequência da nova redação dada ao artigo 5.º, n.º 8, da Lei de 2003:

«20. Sendo pacificamente aceite que as regras respeitantes aos requisitos e limites do financiamento público dos partidos políticos, enquanto elementos nucleares do seu funcionamento, dos seus direitos e obrigações, à luz da preeminência que detêm no sistema constitucional, por imposição do princípio do Estado de direito e do princípio democrático, integram o âmbito da reserva absoluta de competência legislativa do Parlamento nacional, à luz do disposto nos artigos 51.º, n.º 6 e 164.º, alínea h) da Constituição.

21. Terá sido, aliás, na decorrência deste entendimento que foi aprovado, em janeiro de 2017, o referido artigo 5.º, n.º 8 da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais que permite que as Assembleias Legislativas possam conceder subvenções anuais a cada partido que haja concorrido a ato eleitoral.

22. Consequentemente, e estando em causa uma matéria – atribuição de subvenções a partidos – que não podia, até janeiro de 2017, ser concretizada pela Assembleias Legislativas, não pode esta, agora, pretender conferir “natureza interpretativa” ao disposto nos artigos 46.º e 47.º, como decorre do artigo 8.º, n.º 3 do Decreto em apreço.

23. Questão de natureza idêntica, relativa à natureza interpretativa de uma norma da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, foi colocada, no passado, ao Tribunal Constitucional, tendo consequentemente sido proferido o Acórdão n.º 801/2014.

24. Nesse Acórdão n.º 801/2014, o Tribunal Constitucional, suportando-se no Acórdão n.º 535/2014, afirmou o seguinte:

“Como se disse no Acórdão n.º 32/87 e se reafirmou nos Acórdãos n.º 372/91 e 139/92, deste Tribunal (todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), “…seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo ‘legislador’ — é algo que integra o próprio exercício da função normativa…”, e por isso só tem legitimidade para tal interpretação — ou seja para impor a injunção nela contida — o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio produzi-la. E nessa atividade o legislador parlamentar está sujeito às regras relativas à forma e ao procedimento que a temática legislativa exige para a sua criação.”

25. Consequentemente não pode a Assembleia Legislativa pretender conferir natureza interpretativa a uma norma – o artigo 47.º do Decreto em apreço – relativamente à qual não dispunha de competência até à aprovação da Lei n.º 4/2017, de 16 de janeiro, pelo menos com efeitos reportados a momento anterior ao da entrada em vigor desta mesma Lei, o que violaria o disposto nos artigos 51.º, n.º 6 e 164.º, alínea h) da Constituição.»

Não obstante esta referência autónoma à interpretação autêntica do artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, na redação dada pelo Decreto, certo é que, além da referência conjunta aos artigos 46.º e 47.º do mesmo diploma feita no citado n.º 22 do requerimento, na conclusão deste é igualmente pedida a apreciação preventiva da constitucionalidade «da norma contida no artigo 8.º, n.º 3, do Decreto em apreço, por violação dos artigos […] 51.º, n.º 6, e 164.º, alínea h), 227.º, n.º 1, alínea a) e 228.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Ou seja, a inconstitucionalidade orgânica é imputada ao artigo 8.º, n.º 3, no seu todo, sem diferenciar a sua articulação com o artigo 46.º, n.º 1, ou com o artigo 47.º, n.º 1.

O requerente invoca ainda a inconstitucionalidade material deste preceito, agora por violação do princípio da legalidade, na sua dimensão de precisão ou determinabilidade das...

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