Acórdão nº 418/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 418/2017

Processo n.º 789/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A., (anteriormente, A1, S.A., aqui referida como Impugnante) deduziu, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma impugnação contra um ato de liquidação de taxas do Município de Vila Nova de Gaia, no valor de €47.262,52, referente a “taxa municipal de proteção civil” (doravante, TMPC) do ano de 2012. Contestou o Município de Vila Nova de Gaia, pugnando pela improcedência da impugnação.

1.1. Decidindo a pretensão da Impugnante foi proferida a sentença de fls. 158/184, julgando procedente a impugnação, constando desta o seguinte pronunciamento decisório:

“[…]

Nos termos de tudo quanto acaba de se expender, julgo a presente impugnação procedente e, nessa consonância, decido:

– não aplicar as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; e

– anular a liquidação impugnada.

[…]”.

1.2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, recurso esse admitido no tribunal de primeira instância e que deu origem aos presentes autos.

1.2.1. Notificadas as partes para alegações, o Ministério Público, oferecendo as suas, concluiu do seguinte modo:

“[…]

64. Este recurso tem por objeto a decisão proferida [no presente processo], na qual ‘(…) foi recusada a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica’, sendo que, conforme resulta do teor da douta sentença recorrida, o objeto normativo sobre o qual incide a presente impugnação é constituído pelas ‘(…) normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia’, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia de 15/06/2011.

65. O parâmetro constitucional cuja violação foi invocada na douta decisão recorrida, e que fundamentou o juízo de inconstitucionalidade, encontra-se corporizado no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

66. Conforme resulta do teor da douta decisão impugnada, antes de se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade que o levou a declarar a não aplicação das normas jurídicas contidas nos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, declarou o Mm.º Juiz ‘a quo’ a ilegalidade da Taxa Municipal de Proteção Civil a que se reportam as normas jurídicas desaplicadas e que, para além disso, constitui o objeto do Regulamento Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia de 15/06/2011.

67. Ora, conforme é, incontestadamente, aceite pelas doutrina e jurisprudência, a intervenção do Tribunal Constitucional dá-se, nos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, ainda que interpostos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por via incidental e de recurso.

68. No caso da douta sentença, agora recorrida, é patente a inutilidade da apreciação do juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia de 15/06/2011, na medida em que qualquer decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal Constitucional se revela insuscetível de repercussão na decisão impugnada, uma vez que a ratio decidendi desta radica na declaração de ilegalidade transcrita no ponto n.º 6 da presente alegação, determinante, só por si, da anulação da liquidação em causa nestes autos, e neles impugnada.

69. Em face desta constatação, deverá ser julgada verificada a inadmissibilidade do presente recurso, dele não devendo o Tribunal Constitucional, em nosso entender, tomar conhecimento.

70. Para a hipótese, meramente académica, de assim se não entender, passamos a analisar a substância da decisão impugnada, na qual o Mm.º Juiz ‘a quo’ sustentou a desaplicação das normas contidas nos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, derivada da natureza de imposto da Taxa Municipal de Proteção Civil criada pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, em violação da reserva de lei consagrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa.

71. Em primeira linha, começámos por inferir que a referida Taxa Municipal de Proteção Civil criada pelo Município de Vila Nova de Gaia, no cenário da divisão tripartida dos tributos contemplada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, não é enquadrável no conceito de ‘demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas’, sendo, consequentemente um tributo só possível de qualificar como imposto ou como taxa.

72. Complementarmente, verificámos que a Taxa Municipal de Proteção Civil do Município de Vila Nova de Gaia – configurando-se como compensação de prestações meramente potenciais de que os sujeitos passivos poderão nunca beneficiar, ou como contributo para o funcionamento de entidades municipais cuja atividade incide, essencialmente, sobre a gestão de bens públicos e de interesses maioritariamente insuscetíveis de apropriação individual – não constituía contrapartida da concreta prestação de um serviço público providenciado pelo município, de uma qualquer utilização de um bem do domínio público ou da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

73. Ou seja, não se configurando, esta Taxa Municipal de Proteção Civil, como contrapartida equivalente da concreta prestação de um serviço público, da utilização de um bem do domínio público ou da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, concluímos que não poderia ser classificada como taxa, mas sim como verdadeiro imposto.

74. Densificando tal inferência, apurámos que o tributo criado pelo Município de Vila Nova de Gaia, sob a designação de taxa, constituindo, realmente, uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras daquele município, tendo como mera contrapartida o genérico funcionamento de serviços municipais, configurava-se como verdadeiro imposto, tanto mais que não visa compensar um custo ou o valor de quaisquer prestações de que os sujeitos passivos sejam causadores ou beneficiários.

75. Completando o argumentário, não se verificando uma relação sinalagmática entre o tributo exigível aos sujeitos passivos identificados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil do Município de Vila Nova de Gaia, e qualquer prestação administrativa por eles, efetivamente, provocada ou aproveitada, concluímos que a Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia criou, no caso vertente, um imposto.

76. Tal conclusão remete-nos, inelutavelmente, para o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, que consagra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, no que tange à criação de impostos.

77. Por força do exposto, verifica-se, consequentemente, em nosso entender, a violação, por parte das normas jurídicas contidas nos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, plasmada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

78. Em face de tudo o expendido, entende o Ministério Público que deverá ser tomada decisão no sentido de julgar inconstitucionais as normas jurídicas contidas nos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia, mantendo-se a douta decisão “a quo” e, consequentemente, negando-se provimento ao presente recurso.

Nos termos do acabado de explanar, não deverá o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso ou, caso assim não o entenda, deverá negar-lhe provimento, assim fazendo a costumada Justiça.

[…]”.

1.2.2. A impugnante “A., S.A.” também apresentou alegações, nos termos seguintes:

“[…]

1 – A recorrida subscreve o constante de Doutas Alegações efetuadas nestes Autos pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto.

2 – Nomeadamente e a saber, numa primeira fase, o facto deste Tribunal apenas efetuar a intervenção nos processos de fiscalização concreta da Constitucionalidade, ainda que interpostos ao abrigo do disposto no art. 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.

3 – Atentos os factos in casu dúvidas inexistem de que a função do Tribunal Constitucional seria instrumental e não com interesse processual, porquanto a questão de constitucionalidade que integra o objeto do recurso é insuscetível de projeção na solução/sentença do caso sub juditio.

4 – Aliás, como bem fundamentado pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, em pontos 27 e 28 de Doutas Alegações, ‘(…) a ratio decidendi desta radica na declaração de ilegalidade transcrita no ponto n.º 6 da presente...

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