Acórdão nº 417/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 417/17

Processo 771/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Claudio Monteiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Ministério Público vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), interpor recurso da decisão proferida, em 13 de junho de 2016, pelo Tribunal de Execução das Penas do Porto, por aí se ter decidido pela desaplicação das normas extraídas do n.º 2 do artigos 97.º e da alínea x) do n.º 4 do artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante, CEPMPL), por violação do n.º 1 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. fls. 26 a 34).

2. No seu requerimento de interposição de recurso o Ministério Público apresentou os seguintes fundamentos (cfr. fls. 37 a 38):

«O Magistrado Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da douta decisão que pôs termo ao processo, a qual, ao abrigo do disposto nos art°s 18° n.º2 e 26° n.º1 da Constituição da República Portuguesa, recusou a aplicação das normas constantes dos artigos 97° n.º2 e 138° n.º4 al. x) do Código da Execução das Penas, julgando-os inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático, nomeadamente restrição não fundamentada dos direitos do condenado e, em consequência, recusou declarar a contumácia relativamente à pena de prisão subsidiária da pena de multa aplicada no processo 975/13.0GAPFR, dela vem interpor Recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (cfr. art.º 78°, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, em conjugação com os art.ºs. 406° n.º 1, 407° n.º2 al. a) e 408° “a contrario", todos do Código de Processo Penal.

O presente recurso é interposto nos termos do art° 280°, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e art°s. 70°, n.º. 1, al. a), 72°, n.º 3 e 75° n.º 1, da referida Lei 28/82, de 15 de Novembro, na medida em que, na referida decisão judicial, foi recusada a aplicação das aludidas normas do Código de Execução das Penas, com fundamento na sua inconstitucionalidade material.

O despacho recorrido pôs termo ao processo.

O Ministério Público é parte legítima (art°. 72.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da referida Lei 28/82, de 15 de Novembro). »

3. O requerimento de recurso para este Tribunal foi admitido por despacho do tribunal a quo, de 29 de junho de 2016 (cfr. fls. 39).

4. Já neste Tribunal o Ministério Público apresentou a suas alegações e concluiu nos seguintes termos (cfr. fls. 73 a 85):

«1ª. Recurso obrigatório do Ministério Público interposto do Despacho proferido em 11 de Julho de 2016, no Proc. 721/16.6TXPRT-A, pelo Exmo. Juiz do 1º Juízo do TEP do Porto, em que vem decidido julgar «inconstitucional, por ofensa às disposições dos artigos 18º., nº. 2 e 26º., nº.1 da CRP, a aplicação do disposto nos artigos 97º., nº. 2 e 138º., nº. 4, alínea x) do CEP, na redacção legal vigente, ao presente caso ao qual foi imposta, a título principal, a pena de multa que, pelo seu não pagamento deu origem a decisão determinante do cumprimento da correspondente prisão subsidiária», tendo determinado o arquivamento dos autos.

2ª. As citadas disposições do CEP – Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de Outubro – resultam da transcrição, para sede adequada, das que antes constavam do CPP, do seu art. 476º, revogado por aquela mesma lei.

3ª. Estabelece-se no CEP um sistema de cesura total entre o tribunal de condenação, a partir do trânsito em julgado da sentença que decretar a pena de prisão (ou a medida de internamento), e o tribunal de execução das penas.

4ª. A jurisprudência largamente maioritária das Relações – sem, de modo geral, deixar de consignar a assinalada diferença de natureza, de finalidade e de modo de execução entre a pena de prisão aplicada a título principal e a pena de prisão subsidiária, por conversão da multa não paga, nos termos previstos no art. 49º do CPenal – vai no sentido de que o tribunal de execução das penas tem (igualmente) competência para proferir a declaração de contumácia quanto à execução desta última.

5ª. Não foi na matéria proferido acórdão de fixação de jurisprudência pelo STJ.

6ª. Compete, no âmbito do presente recurso, apenas sindicar o julgamento de inconstitucionalidade contido no Despacho recorrido para recusar a aplicação das normas em causa (arts. 71º, nº 1 e 79º-C da LTC), não intervindo no alinhamento de razões que jurisprudencialmente se digladiam no plano infraconstitucional, na busca da melhor interpretação da letra e espírito da lei.

7ª. A prisão decretada em conversão da multa não paga – perspectiva reiterada na jurisprudência e na doutrina, como referido no Despacho recorrido – deve conformar-se como sanção (penal) de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa, com regime próprio estabelecido no art. 49º do CPenal.

8ª. De assinalar, designadamente, quanto ao seu regime de execução, que «O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado» (nº 2 do art. 49º do CPenal).

9ª. A revisão penal operada pelo DL 48/95, de 15 de Março, ao regular no art. 49º do CPenal a prisão subsidiária, não só renomeou a então designada prisão em alternativa, como alterou o modo e a forma da sua fixação através de uma melhor técnica legislativa, porquanto a prisão resultante da conversão da multa criminal não está para com tal multa numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só deve ser aplicada e, consequentemente, cumprida, depois de esgotados todos os meios de cumprimento da multa.

10ª. Inversamente, a pena principal de multa é a pena aplicada em alternativa à prisão: «(…) na sequência de recomendações do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão, com particular destaque para o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa (…) A pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção. Contrariamente ao que sucede noutros países europeus, o Código não consagra, em regra, tipos legais de crime sancionados unicamente com pena de multa. Na verdade, esta surge normalmente em alternativa à pena de prisão» (preâmbulo do DL 48/95).

11ª. Por outro lado, «(…) necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado (…) Impõe-se, pois, devolver à pena de multa a efectividade que lhe cabe. A dignificação da multa enquanto medida punitiva e dissuasora (…)» (ibidem).

12ª. Interessa, à luz dos fundamentos que determinaram o juízo de inconstitucionalidade expresso no Despacho recorrido, correlacionar brevemente os institutos da interrupção da prescrição da pena e da contumácia.

13ª. A prescrição da pena, determinada pelo decurso do tempo após a sua aplicação sem que haja sido executada, justifica-se por «exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade», por um lado, «quem sofresse a execução de uma sanção criminal há muito tempo já ditada, correria o risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança», por outro, «o decurso de um largo período (…) sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas».

14ª. Na jurisprudência constitucional, o instituto da prescrição tem sido dimensionado como valor constitucionalmente atendível e como exigência do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade (Acs. 483/02, 625/13 e 297/16).

15ª. A suspensão e interrupção da prescrição da pena, interferindo no curso dos prazos de prescrição, justificam-se pela verificação de certas situações processuais que impossibilitam a execução imediata da pena e pela prática pelo Estado de determinados atos, com impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado – assim mantendo nos dois planos a atualidade da pena –, ou seja, com o alcance de não deixar a pena aplicada cair no esquecimento.

16ª. Na redação originária do CPenal de 1982, como causa de interrupção da prescrição da pena, a par da sua execução, previa-se «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado» [art. 124º, nº 1, alínea b)].

17ª. Publicado, entretanto, o DL 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprova o vigente CPP, que introduz um novo instituto: a declaração de contumácia (art. 336º, na redação originária; arts. 335º/337º, na atual).

18ª. Com a referida reforma penal de 1995, como causa de interrupção da prescrição da pena, igualmente a par da sua execução, o CPenal substitutivamente passou a consignar «a declaração de contumácia» [art. 126º, nº 1, alínea b)].

19ª. Tendo em vista acautelar o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão, decretada subsidiariamente nos termos do art. 49º do CPenal, uma vez que os mandados de detenção para cumprimento da mesma não foram cumpridos por desconhecimento do paradeiro do condenado, o Ministério Público promove junto do TEP que seja proferido despacho de declaração de contumácia, de harmonia com o disposto no art. 97º, nº 2 do...

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