Acórdão nº 246/17 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 246/2017

Processo n.º 880/2016

1.ª Secção

Relator: Cons. José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos autos de inquérito n.º 341/12.4GTABF, o Ministério Público deduziu acusação contra A. (o ora Recorrente), para julgamento por tribunal singular em processo abreviado [artigo 391.º-A do Código de Processo Penal (CPP)], imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP).

Da acusação deduzida em tal quadro processual constaram os seguintes factos:

“[…]

1.º

No dia 03/05/2012, pelas 02h25m, [o arguido] conduziu o veículo ligeiro de passageiros [identificação do veículo].

2.º

Com a conduta descrita, […] quis conduzir o veículo acima referido, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e que, por isso, era portador de uma taxa de álcool no sangue superior ao limite que lhe é vedado por lei, o que efetivamente conseguiu.

3.º

O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

[…]” (transcrição de fls. 20; sublinhado acrescentado).

1.1. Distribuído o processo ao 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, foi proferido despacho de rejeição da acusação, com fundamento no disposto no artigo 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea d), do CPP, por o senhor juiz ter entendido que “[…] os factos imputados ao arguido nestes autos não consubstanciam a prática do crime indiciado, porquanto lhe falta um dos elementos objetivos, a taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l com que o condutor conduzia”.

1.1.1. Devolvidos os autos aos serviços do Ministério Público de Albufeira, considerou o senhor magistrado titular do processo que este havia “[retornado] à fase de inquérito” (fls. 53), ali correndo os seus termos com o n.º 132/13.5TAABF. Nessa sequência, A. requereu ao Ministério Público a declaração de nulidade do processo, porquanto – em seu entender – o despacho de rejeição da acusação referido em 1.1. supra impediria a instauração de novo processo contra si pelos mesmos factos, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, previsto no n.º 5 do artigo 29.º da CRP. A invocada nulidade foi apreciada e indeferida pelo senhor magistrado do Ministério Público titular do processo.

1.1.2. No âmbito deste inquérito, A., entretanto constituído arguido, não aceitou uma suspensão provisória do processo, reiterando a invocação de violação do ne bis in idem e declarando a vontade de prosseguimento dos autos, com a dedução de acusação, para poder arguir a nulidade do processo em fase posterior.

Foi então deduzida acusação contra o arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do CP. Nesta peça foi referida a condução do veículo pelo arguido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação em processo abreviado referida no item 1., supra, acrescentando-se que o mesmo, “[…] ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, acusou uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,81 g/l” (fls. 234/235).

1.1.3. A culminar instrução – o arguido requereu a abertura desta, pugnando pela verificação de uma violação do princípio ne bis in idem – foi proferido despacho de pronúncia, pelos mesmos factos e qualificação jurídica constantes da acusação.

1.1.4. No julgamento o arguido apresentou contestação – de novo invocando a verificação da nulidade referente ao ne bis in idem –, sendo proferida sentença a julgar improcedente a referida nulidade e o arguido condenado pela prática do crime de que vinha acusado, em pena de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por quatro meses.

1.2. O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora. Das respetivas conclusões consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

II – O recorrente não se conforma com o procedimento criminal dos presentes autos e, consequentemente, com a decisão proferida.

[…]

XXXII – O despacho proferido ao abrigo do art. 311, aqui em causa, nos seus precisos termos, embora não seja uma sentença, tem força de caso decidido, como já referido foi decidido que o arguido conduzia no dia, hora e local com álcool no sangue, sabendo que o não podia fazer, porém, por não ser concretizado o quantum do teor de álcool de que era portador (falta do elemento objetivo do tipo do crime em causa), não podia o mesmo vir a ser condenado, e por isso se decidiu em conformidade com o previsto no artigo 311.º, n.ºs 2 al. a), e 3, al. d), do CPP.

[…]

XXXVI – O arguido poderia ter utilizado os presentes autos para o efeito, porém, e como se disse antes, tinha o arguido aceite a suspensão provisória do processo com as injunções propostas. O arguido efetivamente tem a profunda convicção de que, a ser novamente julgado, tendo em conta o histórico dos presentes autos, é perseguido penalmente de forma múltipla, tendo uma garantia fundamental que decorre da constituição que deveria impedir esta, repete-se, múltipla perseguição penal sucessiva por um mesmo facto.

XXXVII – Terminando como se começou, as normas dos artigo 311.º, n.ºs 1, 2, al. a), e 3, al. d), 391.º-C, n.º 1, e 283.º, todas do CPP, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, tendo sido deduzida acusação em processo abreviado contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP, e tendo esta acusação sido liminarmente rejeitada, nos termos e ao abrigo da citada norma do artigo 311.º, com o fundamento de que os factos constantes da mesma não constituem crime, vindo a ser deduzida nova acusação, desta feita já no âmbito de processo comum, pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, de igual modo previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP, são materialmente inconstitucionais, porque violadoras, designadamente, do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (princípio ne bis in idem) e, bem assim, do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, segunda parte, da CRP, inconstitucionalidade esta que aqui se deixa expressamente arguida, para todos os efeitos legais.

[…]”.

1.2.1. Decidiu o Tribunal da Relação de Évora negar provimento ao recurso. Quanto à invocada violação do princípio ne bis in idem, consta o seguinte do Acórdão:

“[…]

A imputação que era feita ao arguido na acusação deduzida no Processo n.º 341/12.4GTABF – que foi rejeitada porque os factos nela vertidos não constituíam crime – não se confunde nem se identifica com a imputação que consta da acusação deduzida no Processo n.º 132/13.5TAABF (aquela foi rejeitada porque dela não constava que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l – não constituindo a sua conduta, por isso, qualquer ilícito criminal – quando na deduzida nestes autos consta que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,81 g/l, conduta que integra, objetivamente, o crime de condução em estado de embriaguez);

– Aquela decisão tornou-se definitiva – é verdade – no sentido em que aqueles factos, tal como foram imputados ao arguido, não constituíam crime, o que é verdade, mas o facto imputado ao arguido nestes autos – a condução com uma taxa de álcool de 1,81 g/l – não constava daquela acusação e, por isso, não se pode dizer que a conduta ilícita imputada ao arguido nestes autos foi já conhecida/apreciada na decisão que rejeitou a acusação, precisamente por dela não constar tal factualidade, em suma, por aquela outra conduta, tal como constava da acusação, não constituir crime.

[…]

Consequentemente, em face do que se deixa dito, entende-se que não faz qualquer sentido dizer-se que o arguido foi julgado duas vezes pelo ‘mesmo crime’/pelo mesmo facto, enquanto conduta legalmente descrita como violadora de um bem jurídico tutelado pela lei penal, e, portanto, que a decisão recorrida – ao conhecer da acusação (onde se descreveram os factos integrantes do crime pelo qual foi condenado) – violou o caso julgado ou o princípio ne bis in idem, quando é certo que os factos descritos na acusação anteriormente deduzida (que não integram qualquer ilícito) não se identificam com aqueles que são objeto destes autos. E sendo assim, como é – ou seja, não se verificando a exceção do caso julgado ou a violação do princípio ne bis in idem – carece de fundamento a invocada nulidade da sentença recorrida, por conhecer de questão de que não podia conhecer (art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP); e, consequentemente, não havendo identidade entre o facto típico ilícito pelo qual o arguido foi julgado no âmbito destes autos e os factos pelos quais foi anteriormente acusado – pelas razões que se deixaram expostas – carece de fundamento a invocada violação do disposto nos artigos 29.º, n.º 5, e 32.º, n.ºs 1 e 2, 2.ª parte, da CRP.

[…]”.

1.3. Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, o qual deu origem aos presentes autos, nos termos seguintes (no que ora importa considerar):

“[…]

4. Pugnando o recorrente desde a fase instrutória no sentido de que as normas dos artigos 311.º, 391.º [trata-se de lapso, referindo-se ao artigo 391.º-A] e 283.º, todos do CPP, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, tendo sido deduzida acusação em processo abreviado contra um arguido, imputando-lhe a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 [do Código...

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