Acórdão nº 726/17 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 726/2017

Processo n.º 605/17

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso extraordinário interposto pelo arguido, A., concluindo não estarem reunidos os pressupostos legais exigidos pelos artigos 437.º, n.º 1 e 440.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (fls. 164).

2. Inconformado, o Recorrente apresentou o seguinte requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 183):

«A., recorrente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado, tendo sido notificado do douto acórdão datado de 06-04-2017, e não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor

RECURSO

para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

O presente recurso é interposto ao abrigo do n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro.

Por sentença proferida em 1.ª instância foi o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, nº. 1 e 155.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz um montante global de € 1.040 (mil e quarenta euros); e no pagamento das custas criminais.

Não se conformando com a sentença proferida em 1.ª instância, que condenou o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, nº. 1 e 155.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz um montante global de € 1.040 (mil e quarenta euros); e no pagamento das custas criminais, este interpôs recurso visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, tendo o recurso sido julgado totalmente improcedente.

Não se conformando o ora Recorrente interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, porquanto este se encontra em oposição com outros proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 0414654, datado de 17-11-2004, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 0645320, datado de 20-12-2006 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 0712156, datado de 28-11-2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Encontrando-se assim em manifesta oposição/contradição com os Acórdão supra referenciados, originando assim um conflito de jurisprudência.

O Acórdão recorrido na esteira da decisão proferida em primeira instância considera que a expressão em apreço é uma verdadeira ameaça, suscetível de ser levada a sério, de intimidar o "homem comum" e objetivamente adequada a provocar medo e inquietação no ofendido. E adianta que não é o facto de ofendido ter continuado a ir trabalhar que retira à expressão o seu caráter ameaçador e de constrangimento, nem lhe retira a capacidade de afetar de modo relevante a tranquilidade individual ou a liberdade de determinação da vítima. Surgindo assim um conflito de jurisprudência porquanto é entendimento unânime, nomeadamente dos acórdãos supra referenciados que o crime de ameaça é um crime contra a liberdade pessoal (liberdade de decisão e de ação) e por isso a conduta típica deve gerar insegurança, intranquilidade ou medo no visado, de modo a condicionar as suas decisões e os seus movimentos dali em diante, o que não sucedeu in casu.

Por outro lado a aludida expressão contrariamente ao entendimento do tribunal "a quo" não preenche o tipo de crime de ameaça agravada, pois esta encerra em si própria um prenúncio de mal futura, mas sim de um mal iminente.

O que se encontra mais uma vez em contradição com os acórdãos referenciados pois a jurisprudência entende que quando o mal enunciado não é futura, mas sim iminente, como é o caso, não se pode enquadrar no artigo 153.º do Código Penal.

Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão datado de 06-04-2017 rejeitado o recurso interposto pelo aqui Recorrente, porquanto entenda que na verdade, os acórdãos em confronto decidam aparentemente de forma diferente, não se pode considerar que exista oposição entre as decisões em confronto.

Entendendo, e mal, o tribunal "a quo" que do acórdão fundamento foi afirmado expressamente que, quando se trata de uma ameaça iminente - imediata, próxima, que está pronta para acontecer -, ou esta se inclui já na tentativa do crime integrado naquela ameaça, ou não se integrando naquele não pode ser punida porque a ameaça se esgota na não consumação do mal ameaçado. No acórdão fundamento fez-se este raciocínio baseando-se nos factos provados, onde a ameaça tinha sido proferida diretamente e na presença da vítima, contrariamente ao que ocorre nos presentes autos em que a ameaça é proferida por telefone. O que desde logo nos permite considerar que não só há qualquer identidade de facto entre ambas as situações, como a não identidade da situação de facto levou a soluções distintas, sem que com isto se possa dizer que há oposição de julgados; além disto, ambas as decisões acabam por ter o mesmo entendimento, isto é, só a ameaça de mal futuro integra o tipo de crime em discussão.

E que assim sendo não há oposição de julgados, pois não se pode considerar iminente o mal enunciado através de telefone, quando o mal ameaçado é o de matar o ofendido; não estamos perante um caso em que se possa concluir que o mal ameaçado pode ser concretizado no momento imediatamente seguinte a ter sido proferida a ameaça, mas sim perante um caso em que há uma ameaça da realização de um comportamento lesivo no futuro.

Concluindo o Supremo Tribunal de Justiça que a situação factual é distinta no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, pese embora tenham partido e decidido segundo as mesmas premissas, não há qualquer oposição de julgados.

Tendo desta forma o tribunal "a quo" violado o princípio constitucional do acesso ao Direito à Justiça consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Bem como o preceituado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, que estipula que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

Tais preceitos constitucionais visam uma garantia de proteção jurídica e da via judiciária, que integra vários direitos, designadamente o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais, incluindo-se, neste último, para além do direito de ação e do direito ao processo, o direito de recurso.

O direito de recurso das decisões judiciais implica para qualquer cidadão, a possibilidade de acesso a todos os graus de jurisdição que forem legalmente reconhecidos.

A Constituição da República Portuguesa ao prever a existência de tribunais de recurso, não pode deixar de conter a implícita referência à existência de um qualquer sistema de recursos, ainda que com uma larga margem de conformação do legislador, na sua estruturação, não podendo este, porém suprimir, em bloco, os tribunais de recurso, abolir genericamente o sistema de recursos, nem inviabilizar a faculdade de recorrer.

O acesso ao recurso deve, assim, basear-se em regras objetivas, respeitando os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

O recurso de fixação de jurisprudência tem como núcleo central e justificativo a existência de um conflito de decisões, no facto de no domínio da mesma legislação, ter sido proferido dois acórdãos que de em à mesma questão de direito soluções opostas, o que se verifica in casu.

Não podendo assim ser retirado o direito de recurso, nem restringi-lo, pois o próprio Supremo Tribunal de Justiça acaba por admitir que os acórdãos em confronto sobre a mesma questão de direito decidem de forma diferente, decidindo depois a final pela rejeição do recurso extraordinário para fixação interposto pelo arguido.

A decisão de rejeição do recurso de fixação de jurisprudência viola direitos, liberdades e garantias consagrados na nossa Constituição...

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