Acórdão nº 23/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 23/2019

Processo n.º 1397/17

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O Ministério Público e a A., SA (A SA), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de maio, “LTC”), interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, de 19 de setembro de 2017, que decidiu recusar a aplicação da norma constante do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, (“RJETC”) no processo de fiscalização prévia n.º 7/2017, que concedeu visto prévio ao ato de conversão dos mútuos em realização e aumento de capital da sociedade recorrente, por manifesta desproporcionalidade na aplicação à situação em concreto, em violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

O Ministério Público interpôs o recurso de constitucionalidade «na parte em que recusou, por inconstitucionalidade material do artigo 5.º n.º 1 alínea b), do Regime Jurídico de Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e Lei n.º 3-B, de 14 de abril, por violação do princípio da proporcionalidade vertido no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa».

E a A. SA, pediu que seja «julgada inconstitucional a norma constante do artigo 5.º n.º 1 alínea b) do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (RJETC) por fixar o valor dos emolumentos com base no valor do ato que se fiscaliza previamente permitindo que se atinjam valores manifestamente desproporcionados ao ato de fiscalização prévia, por violar o disposto no artigo 18.º da CRP».

2. Admitidos os recursos, foram notificadas ambas as partes para alegar, tendo apresentado alegações o Ministério Público, com as seguintes conclusões:

(…)

47. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para o Tribunal Constitucional, do teor do douto acórdão n.º 23/2017, de fls. 55 a 75, proferido no Recurso Ordinário de Emolumentos n.º 3/2017 (que, por sua vez, incidiu sobre a decisão proferida no Processo de Visto n.º 7/2017-SRMTC, prolatada em 21 de Abril de 2017 pelo Tribunal de Contas – Secção Regional da Madeira) “nos termos dos artigos 70.º n.º 1 a) e 72.º n.ºs 1 a) e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Processo no Tribunal Constitucional)”.

48. Ao interpor este recurso, requereu o Ministério Público, ao Tribunal Constitucional, a pronúncia sobre a inconstitucionalidade do “artigo 5.º, n.º 1 alínea b), do Regime Jurídico de Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e Lei nº 3-B/, de 14 de abril”.

49. O objeto dessa pronúncia consubstancia-se, contudo, após a sua necessária delimitação, na dimensão normativa do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, segundo a qual os emolumentos devidos em processos de fiscalização prévia referentes aos atos e contratos previstos neste preceito são quantificados de acordo com critérios nele previstos sem qualquer limite máximo

50. A recusa judicial de aplicação da interpretação normativa identificada fundamentou-se na “violação do princípio da proporcionalidade vertido no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa”.

51. Muito embora a específica questão jurídico-constitucional agora trazida perante o Tribunal Constitucional nunca dele tenha merecido pronúncia, afigura-se-nos podermos afirmar que o recurso à jurisprudência paulatinamente fixada por este órgão constitucional nos permite desvendar, com elevado grau de segurança, qual a pertinente decisão que sobre ela deverá recair.

52. A primeira sub-questão a resolver prende-se com a determinação da natureza jurídica dos emolumentos devidos ao Tribunal de Contas pelo exercício da fiscalização prévia.

53. Ora, se bem observarmos as características de tais emolumentos os devidos como contrapartida do exercício da atividade do Tribunal de Contas e dos seus serviços de apoio, facilmente nos apercebemos, cotejando-as com o teor da jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional, que os mesmos consubstanciam uma taxa.

54. Aqui chegados, afigura-se-nos pertinente apelar ao conteúdo da jurisprudência que o Tribunal Constitucional vem produzindo sobre matéria de taxas à luz da sua compatibilidade com princípios constitucionais, v.g. com o princípio da proporcionalidade (o invocado pela douta decisão recorrida), designadamente sobre a relação entre receitas bilaterais a cuja obtenção corresponde a prestação, por parte de um tribunal, de serviços de administração de justiça - sejam elas custas judiciais ou emolumentos - e aquele princípio constitucional.

55. Reportando-se a interpretação normativa semelhante à desaplicada nos presentes autos, produziu o Tribunal Constitucional, entre muitos outros, o douto Acórdão n.º 155/2017, que, não só historiou a evolução da sua jurisprudência sobre esta matéria como, fundamentalmente, decidiu a questão substantiva em termos transponíveis para o presente dissídio, sintetizável nos seguintes termos:

“(…) decidiu-se «julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede €49.879,79, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdãos nºs. 227/2007 e 116/2008)”.

56. Transpondo para o atual pleito o complexo doutrinal e jurisprudencial que, sobre esta matéria, vem sendo construído pelo Tribunal Constitucional, deveremos concluir que, no caso vertente, uma vez que o tributo emolumentar consubstancia, por um lado, uma taxa, correspondente à prestação, por parte do Tribunal de Contas, do serviço público de fiscalização prévia e, por outro, que o valor de tal tributo não comporta um limite máximo (não permitindo, consequentemente, que o tribunal efetue qualquer ajustamento emolumentar suscetível de corrigir eventuais desproporções resultantes da tributação), então a interpretação normativa do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, desaplicada pelo tribunal “a quo”, se revela violadora da Constituição.

57. Efetivamente, cotejando a interpretação normativa desaplicada nos presentes autos com as normas jurídicas e interpretações normativas que, em domínios semelhantes, mereceram do Tribunal Constitucional um julgamento de desconformidade constitucional, apercebemo-nos de que aquela, como estas, se revela violadora do princípio da proporcionalidade sedeado na Constituição da República Portuguesa, quer o extraiamos do prescrito no n.º 2, do artigo 18.º, do Texto Fundamental (como o fazem os decisores “a quo”), quer o retiremos do seu artigo 2.º, ou, inclusivamente, o deduzamos de ambos.

58. É certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que tange ao apuramento da ocorrência da violação deste princípio constitucional – da proporcionalidade – em matéria de tributação judicial, tem oscilado entre a abordagem exclusivamente normativa dos fundamentos das decisões recorridas e a ponderação normativa não insensível aos efeitos das concretizações normativas de tais decisões sobre a integridade do referido princípio constitucional.

59. Acontece que, no caso que nos ocupa, quer nos limitemos a avaliar estaticamente a interpretação normativa que constituiu “ratio decidendi” da decisão recorrida – de acordo com a qual os emolumentos devidos em processos de fiscalização prévia referentes aos atos e contratos previstos nesse preceito são quantificados de acordo com critérios nele previstos sem qualquer limite máximo -, quer decidamos apreciar a dinâmica da sua aplicação no caso concreto, consubstanciada na imputação do valor de 107.315,82 € (cento e sete mil trezentos e quinze euros e oitenta e dois cêntimos), a título de emolumentos, à A., S.A., numa situação em que, é reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas, “(…) parece claro que, no caso concreto (e é este apenas que está em causa), não existe uma relação calibrada ou proporcional entre a atividade levada cabo pelo Tribunal de Contas na sua atividade de fiscalização prévia e o valor que é devido [pelo] utilizador desse serviço”, sempre teremos que concluir pela ocorrência da violação, não só geral e abstratamente mas, igualmente, individual e concretamente, do sub-princípio da proibição do excesso e, consequentemente, do princípio constitucional da proporcionalidade.

60. Concordando, pois, nesta dimensão, com o teor da douta decisão recorrida, não poderemos, ainda assim, deixar de convocar, mais uma vez, a jurisprudência constitucional produzida sobre esta matéria, invocando as soluções que, no que aos parâmetros violados concerne, foram acolhidas pelo Tribunal Constitucional.

61. Efetivamente, perante casos similares ao presente, o Tribunal Constitucional, fundamentando os seus julgamentos de inconstitucionalidade de normas ou de...

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