Acórdão nº 33/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 33/2019

Processo n.º 858/18

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., S.A., notificada da Decisão Sumária n.º 734/2018, que determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade por si interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), vem reclamar para a conferência nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da mesma Lei.

2. A recorrente, ora reclamante, notificada da sentença, que, julgando procedente a ação declarativa contra si instaurada por B., S.A., e improcedente a reconvenção, a condenou a pagar diversas quantias à autora, ora reclamada, bem como a reforçar uma garantia bancária constituída em favor desta, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este negou provimento ao recurso e confirmou a sentença então recorrida.

Inconformada, a ora reclamante interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 10 de abril de 2018, negou revista e confirmou o acórdão recorrido.

Notificada deste acórdão, a ré arguiu a sua nulidade, «por violação do disposto no artigo 682.º n º 3 do CPC» e suscitou a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa do referido preceito legal que, na sua perspetiva, havia sido acolhida no referido acórdão.

Por acórdão de 19 de junho de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerido.

Interpôs então a ré o presente recurso de constitucionalidade de cujo mérito a decisão ora reclamada entendeu não poder conhecer.

3. É a seguinte a fundamentação de tal decisão (fls. 1078-1086):

«5. Conforme resulta do requerimento de interposição de recurso, este tem como objeto a norma extraída dos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil segundo a qual, «julgando o tribunal de revista que a matéria de facto pertinente para a decisão de direito deve ser ampliada, pode deixar de mandar julgar novamente a causa pelo tribunal recorrido, antecipando ele próprio a decisão».

A recorrente indicou como objeto formal do presente recurso o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2018, «que indefere a reclamação apresentada e mantém o acórdão de 10 de abril de 2018» (cf. requerimento de interposição de recurso).

Contudo, o tribunal a quo não aplicou a referida norma, enquanto ratio decidendi do aludido acórdão 19 de junho de 2018.

Na verdade, tendo a recorrente arguido a nulidade do acórdão de 10 de abril de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão ora recorrido, limitou-se a apreciar tal nulidade, referindo, a esse respeito, o seguinte (cf. fls. 1041):

«A reclamante vem arguir a nulidade do acórdão reclamado por violação do disposto no art. 682º, nº 3, do CPC.

Não indicou, porém, a nulidade a que se refere, do elenco taxativo que consta do art. 615º, nº 1, do CPC. E, realmente, não vemos que a violação invocada possa ser subsumida na previsão de qualquer das alíneas daquele normativo, ou seja, que essa situação constitua uma das causas de nulidade da decisão aí previstas.

Tanto bastaria para se concluir pela improcedência da reclamação com o apontado fundamento».

Ou seja, no referido acórdão de 19 de junho de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça fez assentar a sua decisão, em primeira linha, na interpretação e aplicação da norma do artigo 615.º do CPC, concluindo que a nulidade arguida pela ora recorrente não se subsumia à previsão dessa norma o que, só por si, constituía fundamento para a improcedência da reclamação com fundamento em nulidade.

É certo que em tal acórdão (de 19 de junho de 2018) foram apreciados os argumentos invocados pela ora recorrente, no que respeita à invocada incorreta interpretação e aplicação das normas dos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC, pelo acórdão de 10 de abril de 2018. Contudo, tal argumentação surge na lógica da decisão recorrida como mero obter dictum, destinado a clarificar e justificar quais os fundamentos em que assentou o referido acórdão de 10 de abril de 2018, concluindo-se que neste acórdão «se fez adequada interpretação e aplicação do regime legal, constante dos arts. 682º, n.º 3 e 683º, nº 1» (cf. fls. 1043).

Ou seja, como resulta do exposto, a efetiva interpretação e aplicação dos referidos preceitos legais teve lugar no acórdão de 10 de abril de 2018, e não no acórdão de 19 de junho de 2018, em que o Supremo Tribunal de Justiça se limitou a apreciar a nulidade e a inconstitucionalidade invocadas pela ora recorrente.

Assim, mesmo que se concluísse pela inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada pela recorrente, sempre se manteria incólume a decisão recorrida. Com efeito, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo constitua a ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a sua reforma (cf. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC).

Face ao exposto, conclui-se que o presente recurso carece de utilidade, não podendo conhecer-se o seu objeto.

6. De todo o modo, ainda que o acórdão de 10 de abril de 2018 constituísse o objeto formal do presente recurso de constitucionalidade, a verdade é que, atento o teor do requerimento de interposição do recurso, não se poderia conhecer do respetivo mérito por ilegitimidade da recorrente e, também, por inutilidade do recurso.

6.1. Conforme se referiu, a interpretação normativa ora sindicada foi aplicada no acórdão de 10 de abril de 2018. Porém, nas suas alegações de revista a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de tal norma (nem posteriormente veio justificar tal omissão, considerando tratar-se de uma decisão-surpresa).

E era esse – as alegações de revista – o momento processual adequado a constituir o tribunal a quo no dever de se pronunciar sobre tal questão. Na verdade, como a jurisprudência constitucional tem afirmado, de modo reiterado e unânime, a suscitação da questão de inconstitucionalidade deve ocorrer antes da prolação da decisão final, visto que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil – CPC). Com efeito, uma vez que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão, nem a torna obscura ou ambígua, os incidentes pós-decisórios (como sejam os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade) não constituem momento processualmente adequado para a suscitação – pela primeira vez – das questões de inconstitucionalidade (cf., nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 394/2005, 533/2007 e 55/2008, todos disponíveis, tal como a restante jurisprudência constitucional citada, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

6.2. Por outro lado, mesmo no seu acórdão de 10 de abril de 2018, o tribunal a quo não aplicou a norma questionada, pela recorrente, enquanto ratio decidendi de tal acórdão.

Recorde-se que, segundo o enunciado no requerimento do presente recurso, o respetivo objeto material é a norma extraída dos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil segundo a qual, «julgando o tribunal de revista que a matéria de facto pertinente para a decisão de direito deve ser ampliada, pode deixar de mandar julgar novamente a causa pelo tribunal recorrido, antecipando ele próprio a decisão».

Contudo, o critério normativo aplicado pelo Supremo foi mais complexo, fazendo apelo a uma ideia de economia processual e de utilidade como fator de determinante da eventual anulação da decisão em matéria de facto proferida pela relação (daí a referência, em nota, ao princípio da limitação dos atos consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil e ao acórdão do mesmo Supremo datado de 17 de maio de 2017 – cfr. fls. 1571). Tal critério pode enunciar-se nos seguintes termos: a decisão recorrida só deve ser anulada, casos os factos que a recorrente pretende aditar possam ter influência na decisão de mérito.

Na verdade, no acórdão de 10 de abril de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça começa por referir o seguinte, a respeito da eficácia dos factos que a recorrente pretendia ver aditados na apreciação da situação jurídica controvertida (cf. fls. 1569):

«Para esse efeito, porém, temos de admitir que os factos que a recorrente pretende aditar se encontram efetivamente provados, o que o acórdão recorrido não esclarece.

Depois de aferirá se esses factos podem ter influência na decisão do mérito.

Se a resposta for afirmativa, deverá então proceder-se em conformidade com o disposto no art. 682º, nº 3, do CPC, anulando-se a decisão recorrida, como vem pedido pela recorrente.

Pensa-se que é este o procedimento que melhor se ajusta ao regime previsto nessa norma e na do art. 683.º do CPC.».

Seguidamente, adotando este procedimento no que respeita ao primeiro dos fundamentos da defesa da ré (a existência de um erro sobre a base do negócio), o tribunal a quo considerou «ser evidente que dos factos que se pretende aditar nada têm a ver diretamente com os dois fundamentos específicos, acima referidos, afastados pelas decisões recorridas» (cf. fls. 1570), concluindo que «não se justifica, por não revestir qualquer utilidade, a ampliação da decisão de facto para este efeito», citando, em nota de rodapé o já referido Acórdão do STJ, de...

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