Acórdão nº 11/19 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 11/2019

Processo n.º 214/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A., ora recorrente, requereu, junto do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto, a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, com vista à instauração de uma ação comum.

Este pedido veio a ser indeferido pela Segurança Social que, atendendo ao rendimento global do seu agregado familiar (concretamente, o rendimento da requerente e da sua mãe), considerou que este apenas permitia a concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, o que a requerente expressamente recusou.

Nesta sequência, veio a recorrente interpor recurso de impugnação, pedindo a revogação da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica formulado, por esta ter considerado o rendimento de todo o agregado familiar quando deveria ter tido em consideração, apenas, o seu próprio rendimento. Alega ainda que tal entendimento constituiria uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Por decisão proferida em 12 de fevereiro de 2018, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, adotando a jurisprudência firmada no Acórdão n.º 654/2006 do Tribunal Constitucional, decidiu-se julgar inconstitucional, por violação dos artigos 18.º e 20.º, da Constituição da República Portuguesa, o Anexo à Lei do Apoio Judiciário, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de agosto, «na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de proteção jurídica fruir de tal rendimento» e, consequentemente, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão de indeferimento e concedendo à requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Na parte relevante, a decisão recorrida refere o seguinte:

«(…) Porém, à semelhança do decidido no ac. do Tribunal Constitucional n.° 654/2006, no caso, entendemos que a aplicação do anexo à Lei n.º 34/2004 que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar e para a fórmula matemática prevista nos art.°s 6.° a 10.°, da Portaria n.º 1085-A/2004, determina um resultado contrário ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.

Na verdade, a aplicação estrita da propalada fórmula matemática tendo em atenção o rendimento do agregado familiar do requerente implica uma violação quer do princípio da proporcionalidade, quer do princípio da igualdade, previstos nos art.°s 18.º e 20.º, da CRP.

O rendimento do agregado familiar da requerente é composto em 88% pelo rendimento da sua mãe e o remanescente, correspondente a 12%, é o rendimento individual da requerente.

Se atendermos aos rendimentos da mãe da requerente que consubstancia a maior fatia do rendimento do agregado familiar, facilmente concluímos que a Segurança Social indeferiu o benefício à requerente com base na suficiência de rendimentos da sua mãe e não no rendimento insuficiente da requerente, o que gera uma clara deformação dos princípios constitucionais já acima enunciados.

Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas vezes sobre esta questão, pelo que passamos a transcrever parte do exemplarmente decidido no ac. TC n.° 654/2006, dada a semelhança com a situação que nos ocupa: “(…) a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, na medida em que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário é determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir do rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar-se que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de proteção não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, designadamente, quanto ao objeto do processo, e de o requerente de proteção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente do apoio judiciário.

Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.° e 2005.° do Código Civil e 399.°, n.° 2, do Código de Processo Civil …), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, efetivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar-se, neste sentido, o artigo 116.°, n.° 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do requerente de proteção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive em economia comum…”

Devemos, pois, concluir pela inconstitucionalidade do aludido anexo à Lei do Apoio Judiciário, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de proteção jurídica fruir de tal rendimento.

E, revertendo novamente ao caso em apreço, e visto que o único rendimento relevante a ter em consideração é o da requerente é manifesto que o presente recurso deve proceder e em consequência deve ser concedido à requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade por si peticionada» (destacado nosso).

2. Nesta sequência, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), constituindo o seu objeto a questão de constitucionalidade da norma anteriormente identificada e cuja aplicação foi recusada.

3. Prosseguindo os autos para alegações, o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:

«(…) 1 – O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efetividade da proteção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente.

2 – Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a obrigatória e tabelar ponderação do rendimento global, auferido por todas as pessoas que vivam em economia comum com o interessado, integrando o seu agregado familiar, independentemente da natureza da ação e da sua exclusiva conexão com interesses pessoais do próprio requerente.

3 – Assim, o Anexo à Lei n.º 34/04, de 29 de julho, conjugado com o artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de proteção jurídica fruir de tal rendimento, constitui restrição excessiva e desproporcionada àquele direito fundamental, proclamado pelo artigo 20º da Constituição, sendo materialmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 18º, nº 2, da Constituição.

4 – Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso».

4. Regularmente notificada, a recorrida não apresentou contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

5. A decisão recorrida recusou a aplicação do conjunto normativo constituído pelo Anexo à Lei n.º 34/2004 (a Lei do Apoio Judiciário), conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de proteção jurídica fruir de tal rendimento, com fundamento em «violação quer do princípio da proporcionalidade, quer do princípio da igualdade, previstos nos art.°s 18.º e 20.º».

Cumpre sublinhar, no entanto, que da respetiva fundamentação resulta desde logo clarificado que a alusão aos aludidos princípios da igualdade e da proporcionalidade toma por referência o direito de acesso ao direito e aos tribunais constante do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, como se evidencia pela passagem em que se refere, «à semelhança do decidido no ac. do...

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