Acórdão nº 567/11.8TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência do Supremo Tribunal de Justiça I - 1.

Notificada do acórdão proferido em 17 de Maio de 2018, veio a 1ª R., AA - Instalações Industriais, S.A.

, arguir nulidades do mesmo com os seguintes fundamentos: “1. O douto acórdão proferido apresenta uma exaustiva e fundamentada apreciação das questões suscitadas pela Ré em sede de revista excecional, evidenciando a plena compreensão dos temas invocados e uma análise exaustiva e detalhada de um processo cuja complexidade factual e jurídica é evidente.

  1. A contrastar com a dilucidação minuciosa do (des)equilíbrio na relação de liquidação em apreço, ressalta a exígua, superficial e ambígua resposta dada ao tema da parte do preço que a Autora não pagou nunca e que representa um relevante desequilíbrio a favor desta no valor de 1.737.700,000 (um milhão setecentos e trinta e sete mil e setecentos euros).

  2. A desconsideração deste relevante benefício da Autora não é alheia à inaudita reviravolta do facto provado 72, o qual, atenta a validação desta última instância assume agora definitivamente o conteúdo alegado pela Autora em sede de réplica, e nunca submetido a julgamento, isto é, que: "Do preço fixado no Contrato de Fornecimento e Instalação de Equipamento a A. não pagou o montante de 1.737.700,00 €, tendo ficado acordado no âmbito do Acordo Tripartido que desse montante o valor a ser pago pela A. à 18 R. seria de 1.312.700,00 €.".

  3. Ora, neste âmbito o único entendimento que fica exposto de forma clara no acórdão é que, na douta interpretação deste Supremo Tribunal de Justiça, nenhuma das duas possíveis redações do facto provado 72 permitem concluir, "sem mais", que a parte do preço retida pela Autora o tivesse sido a título de penalidades contratuais por atrasos (cfr. pág. 46, último parágrafo e pág. 95, segundo parágrafo).

  4. A este propósito, a salvaguarda "sem mais" não poderá deixar de gerar enorme perplexidade, quando resulta de muitos outros factos julgados provados e devidamente destacados na decisão agora proferida, ser absolutamente inequívoca a aplicação pela Autora das penalidades contratuais por atraso (factos provados 20, 40, 44, 64 e 98 citados nas págs. 98 e 99).

  5. Apesar de o acórdão proferido ser expresso em afastar a conclusão de que a Autora tenha executado a aplicação de penalidades contratuais por atrasos, nada esclarece quanto ao enquadramento jurídico aplicável à efetiva retenção de parte do preço operada pela Autora, cujo valor ascendeu a 1.737.700,000 e, em sequência, quando ao impacto desta retenção no (des)equilíbrio na relação de liquidação aqui em causa.

  6. Com efeito, a considerar-se tal retenção como legitimada pelo cumprimento defeituoso do consórcio devedor, só poderá concluir-se, como aliás se fez, e muito bem, no que respeita às penalidades contratuais por mora (cfr. parágrafo IX do Sumário do acórdão), pela inadmissibilidade da sobreposição desta retenção com a indemnização de "custos de financiamento, de pessoal e administrativos em que a autora incorreu derivados da inatividade da Centrar, sob pena de duplicação da indemnização por uma mesma categoria de danos.

  7. Cumpre esclarecer que, ao contrário do que vem indicado no douto acórdão (cfr. pág. 95, segundo parágrafo), a Ré apelou da sentença na parte em que absolveu a Autora do pedido reconvencional (cfr. capítulo 8.3 das alegações de apelação e parágrafo XXIV. das respetivas conclusões), e só não retomou essa impugnação em sede de revista excecional porque apenas a alteração da matéria de facto, vedada nesta instância superior, teria permitido a condenação da Autora no pedido que a Ré havia fundado no seu próprio cumprimento.

  8. Tema diferente, que não carece de ser suscitado pela via reconvencional e que se cinge à melhor aplicação do Direito aos factos provados, é o de saber se o não pagamento de parte do preço pelo lesado num contexto de cumprimento defeituoso ou de mora do devedor deverá ser enquadrado como integrante da obrigação de indemnizar, sob pena de, não o sendo, representar a violação do princípio da proibição do enriquecimento do lesado.

  9. Trata-se de uma questão cuja apreciação in casu se revela imprescindível a uma decisão global, clara e inequívoca sobre os desequilíbrios ou benefícios injustificados gerados por uma cumulação de indemnizações, em conformidade com a matéria profusamente suscitada pela Ré, também no âmbito da revista excecional (cfr. parágrafos 78. a 98. das alegações de revista excecional e parágrafo vii. das respetivas conclusões).

  10. Em suma, não é possível à Ré entender o acórdão proferido quanto ao enquadramento jurídico dado à retenção de parte do preço operada pela Autora, resultando aparente que este aresto não considerou o impacto dessa retenção no (des)equilíbrio da relação de liquidação em causa.

  11. Nos termos do disposto no art° 615°, nº 1, alíneas c) e d), aplicável ex vi artºs 666° e 685°, todos do CPC, o acórdão é nulo quando: "Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento." 13. Assim, entende a Ré que o acórdão proferido é, por um lado, ininteligível no que respeita à qualificação jurídica dada à retenção de parte do preço operada pela Autora e, por outro lado, omisso na apreciação do impacto desta retenção no cômputo da relação de liquidação contratual.

  12. Em face do exposto, conclui-se pela nulidade do acórdão proferido no que respeita à apreciação das referidas questões.

    Nestes termos, e nos demais de Direito, deverá ser declarada a invocada nulidade e, em consequência, ser proferido acórdão que, em complemento do acórdão de 17 de Maio de 2018, fixe o enquadramento jurídico aplicável à efetiva retenção de parte do preço operada pela Autora, cujo valor ascendeu a 1.737.700,00€, e ao impacto desta retenção no (des)equilíbrio na relação de liquidação em causa.” Respondendo, veio a A. pugnar pela inexistência das alegadas nulidades nos termos seguintes: “1.° - Através de requerimento apresentado nos autos e notificado à Autora em 05/06/2018, a 1.ª Ré AA veio arguir a nulidade do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17/05/2018, por considerar, em síntese, que o mesmo é "por um lado, ininteligível no que respeita à qualificação jurídica dada à retenção de parte do preço operada pela Autora e, por outro lado, omisso na apreciação do impacto desta retenção no cômputo da relação de liquidação contratual' .

    1. - A 1.ª Ré AA não tem razão e o douto Acórdão de 17/05/2018 não enferma de qualquer nulidade. Senão, vejamos.

    2. - Nas suas alegações de recurso de revista excepcional (e respectivas conclusões), a 1.ª Ré AA jamais colocou a questão de saber se “o não pagamento de parte do preço pelo lesado num contexto de cumprimento defeituoso ou de mora do devedor deverá ser enquadrado como integrante da obrigação de indemnizar”, contrariamente ao afirmado nos pontos 9 e 10 do requerimento de arguição de nulidade, que é falso.

      Efectivamente, 4.° - Os pontos 78 a 81 das alegações de revista excepcional apresentadas pela 1.ª Ré AA respeitam à questão referente à pretensa impossibilidade de dispensa de interpelação admonitória para que ocorra o incumprimento definitivo do faltoso.

    3. - Tal questão foi tratada e apreciada, com rigor e profundidade, nas págs. 47 a 70 do douto Acórdão do STJ, de 17/05/2018, que considerou, em síntese, que (i) "a orientação seguida no acórdão recorrido no sentido de, no aso dos autos, admitir a resolução do contrato com dispensa de interpelação admonitória do devedor afigura-se correcta e devidamente fundamentada". (ii) "os pressupostos do regime da transformação da mora em incumprimento definitivo (do art. 808º do Código Civil) não se confundem com os pressupostos da resolução por justa causa", a qual “assenta na avaliação da ruptura da relação de confiança entre as partes, não se identificando com a aferição da subsistência ou não do interesse do credor na prestação”, e que (iii) no caso dos autos, está "plenamente provada a justa causa resolutiva, não sendo exigível que a A. permanecesse vinculada ao Consórcio".

    4. - Os pontos 82 a 98 das alegações de revista excepcional apresentadas pela l.ª Ré AA, e o parágrafo vii) das respectivas conclusões, respeitam à questão referente à impossibilidade de a resolução do contrato viabilizar a cumulação da indemnização pelo interesse contratual positivo com a indemnização pelo interesse contratual negativo, 7.° - Tal questão foi igualmente tratada e apreciada, com rigor e profundidade, nas págs. 70 a 96 do douto Acórdão do STJ, de 17/05/2018. que considerou, em síntese, que (i) a resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que, porém, não será admitida quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do principio da boa fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo, e que (ii) “a indemnização por interesse contratual positivo não é cumulável com a indemnização por interesse contratual negativo".

    5. - Nas págs. 92 a 96 do douto Acórdão do STJ, de 17/05/2018, procedeu-se igualmente à delimitação do âmbito da indemnização devida pela 1.ª Ré AA à Autora, com a finalidade de averiguar se cada categoria de danos peticionados e reconhecidos se encontra ou não abrangida pelo interesse contratual positivo.

    6. - Tendo o douto Acórdão do STJ considerado que os custos a que se refere o facto provado 119 correspondem a danos próprios do cumprimento defeituoso, e os custos a que se refere o facto provado 120 correspondem a danos causados pela mora do devedor, sendo ambas as categorias de custos indemnizáveis ao abrigo da regra do ressarcimento do interesse contratual positivo, concluindo pela confirmação da condenação da 1ª Ré AA a pagar à Autora as quantias indemnizatórias (a...

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