Acórdão nº 8250/15.9T8VNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I - AA, BB, CC e DD interpuseram a presente ação declarativa com processo comum contra EE e FF.
pedindo que: - Sejam declarados proprietários de duas frações autónomas (“J” e “Q”) de um edifício em regime de propriedade horizontal e a condenação dos RR. a reconhecê-lo, a absterem-se de aí praticarem qualquer ato perturbador desse direito; - Os RR. sejam condenados a pagar aos AA. a quantia necessária à demolição das paredes que delimitam as suas frações K e R. das frações dos AA. “J” e “Q” e à reconstrução das mesmas, em observância das áreas correspondentes a essas frações nos termos que resultam do título constitutivo da propriedade horizontal; - A condenação dos RR. a pagar-lhes uma indemnização por força da privação do uso das aludidas frações.
Alegaram que, por contrato de compra e venda, a 1ª A. e o seu falecido marido, GG (de quem as AA. HH e II são filhas), adquiriram duas frações autónomas, uma para comércio e outra para garagem.
Os RR., por sua vez, adquiriram e são proprietários de duas frações (“K” e “R”) autónomas adjacentes àquelas, mas ocupam parte da fração destinada a comércio (“J”) e a totalidade da fração destinada a garagem (“Q”), ocupação que ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das frações.
Invocaram os AA. que são proprietários das referidas frações, em toda a área das mesmas nos termos que resultam do registo predial e do título constitutivo da propriedade horizontal, encontrando-se inscrita a seu favor a propriedade sobre tais frações.
Os RR. contestaram e alegaram ter adquirido as suas frações “K” e “R” no exato estado em que as mesmas se encontram e que vêm praticando atos de posse sobre todas as áreas que ocupam, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respetivas paredes, por via de usucapião.
Invocaram ainda a exceção de abuso de direito, dando conta que as paredes das aludidas frações foram construídas no local onde se encontram a pedido dos AA.
Alegaram ainda a exceção de prescrição referente ao pedido indemnizatório formulado.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência: - Declarou que os AA. são proprietários, em comum, das frações "J" e "Q", descritas na CRP de ... sob os n° ... - J e nº ... - Q, com as áreas, respetivamente, de 138 m2 e de 41 m2; - Condenou os RR. a absterem-se da prática de qualquer ato perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas frações "J" e "Q", na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e de 41 m2, respetivamente; e - Condenou os RR. a demolirem e a reconstruírem as paredes das frações "K" e "R", restituindo aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fração "Q" e os 48 m2 da fração "J", reconstrução a ser feita no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação (sic).
Ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo os RR. a título principal e os AA. a título subordinado, este na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento em indemnização decorrente da privação do uso respeitante às áreas das frações dos AA. ocupadas pelos RR.
A Relação julgou procedente o recurso principal deduzido pelos RR. e revogou a sentença, absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados. Considerou ainda prejudicadas as demais questões suscitadas pelos RR. e o recurso subordinado interposto pelos AA.
Os AA. interpuseram recurso de revista com as seguintes questões essenciais: - Encontrando-se registada a favor dos AA. a propriedade das frações J e Q, presume-se a titularidade do direito de propriedade sobre tais frações; - A ocupação que os RR. exercerem sobre tais frações é insuscetível de operar a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal que carece de acordo de todos os condóminos, devendo ser realizada por escritura pública; - A usucapião, como fonte de aquisição do direito real, só pode atuar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra, e a alteração da propriedade horizontal apenas é admissível em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário; - Não foi junto documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração pretendida está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia; - Os RR. terão de ser condenados a realizar as obras de demolição e de reconstrução das paredes divisórias atualmente existentes de mood a que sejam respeitadas as áreas constantes do registo e do título constitutivo da propriedade horizontal; - Os RR. deverão ser condenados a pagar uma indemnização correspondente à privação do uso em causa.
Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
II - Factos Provados: 1. O prédio onde se situam as frações (a que os autos se reportam), descrito na CRP de VN de Famalicão sob o n° ... - ..., foi adquirido, por JJ, Ldª, a LL e a GG, em 9-3-95.
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A JJ, Ldª, sujeitou o referido prédio ao regime da propriedade horizontal por escritura celebrada em 7-2-96, constante de fls. 36 e ss.
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Consta do documento complementar anexo à escritura pública de constituição da propriedade horizontal do referido prédio, designadamente, o seguinte: - FRACÇÃO "J" - Rés-do-chão, lado direito, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138 m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos, a que corresponde o valor relativo de noventa mil avos; - FRACÇÃO "K" - Rés-do-chão, lado esquerdo, entrada poente, destinada a comércio, com uma divisão e um WC, de área 138 m2, à qual atribuem o valor de cinco milhões e quatrocentos mil escudos, a que corresponde o valor relativo de noventa mil avos; - FRACÇÃO "Q" - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 41 m2, designada pelo número dezassete, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos, a que corresponde o valor relativo de seis mil avos; - FRACÇÃO "R" - Divisão na cave, destinada a garagem, com uma divisão ampla, de área 37,50 m2, identificada pelo número dezasseis, à qual atribuem o valor de trezentos e sessenta mil escudos, a que corresponde o valor relativo de seis mil avos.
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Em 21-3-96 foi registada a constituição da propriedade horizontal do referido edifício.
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Os RR. são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos.
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Por escritura pública constante fls. 34 e ss., celebrado em 8-1-03, o R. EE, casado com a R. FF, declarou comprar e a JJ, Ldª, declarou vender-lhe as frações "K" e "R".
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Encontra-se registada a favor dos RR. EE e FF, desde 9-1-03, a aquisição da fração "K", descrita na CRP de V. N. de Famalicão sob o n° ... - K, sita no r/c esqº, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do "Bloco B" do edifício sito no lugar de ..., afeta ao regime da propriedade horizontal.
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Encontra-se registada a favor dos RR. EE e FF, desde 9-1-03, a aquisição da fração "R", descrita na CRP de V. N. de Famalicão sob o n° ... - R, sita na cave, destinada a garagem, com o n° 16, com a área de 37,50 m2, do "Bloco B" do edifício sito no lugar de ..., afeto ao regime da propriedade horizontal.
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As paredes da fração "K" encontram-se construídas de forma que no seu interior se encontram incluídos 48 m2 da área atribuída à fração "J", sendo que a área efetivamente ocupada pela fração "J" é de 97 m2 e a efetivamente ocupada pela fração "K" é de 192 m2.
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As paredes da fração "R" encontram-se construídas de forma que no seu interior se encontra abrangida a totalidade dos 41 m2 atribuídos à fração "Q", sendo que a área efetivamente ocupada pela fração "R" é de 82 m2 e a ocupada pela fração "Q" é de 0 (zero) m2.
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Por escritura pública constante fls. 16 e ss., celebrado em 20-6-03, a A. LL, no estado de casada com GG, declarou comprar e JJ, Ldª, declarou vender-lhe as referidas frações "J" e "Q".
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Em 23-6-03, foi registada a aquisição das referidas frações a favor de LL, casada com GG.
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As paredes que dividem as frações "K" e "J", bem como as paredes que dividem a fração "R" das restantes frações e áreas comuns, foram construídas por Construções Joanense, Ldª, na data em que o prédio foi construído, não tendo sofrido alteração até à presente data.
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Antes de os RR. adquirirem as frações "K" e "R", as mesmas foram-lhes mostradas pelo legal representante de JJ, Ldª.
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Nessa ocasião, as frações "K" e "R" apresentavam a configuração que ainda hoje apresentam, mantendo-se as respetivas paredes no mesmo local.
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Tais frações apresentavam as áreas que têm hoje e os RR. não alteraram as paredes divisórias dessas frações.
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Desde a data da aquisição das frações "J" e "Q", a A. LL e seu falecido marido GG e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. HH e II, vêm pagando as contribuições do condomínio e os impostos referentes às aludidas frações.
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Desde a data da aquisição da fração "J", destinada a comércio, a A. LL e seu falecido marido GG e, subsequentemente, após a morte deste, também os AA. HH e II, vêm ocupando e utilizando a mesma, dentro dos limites fixados pelas paredes que a dividem das restantes frações e partes comuns do edifício.
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Fazem-no à vista de toda a gente, de forma continuada, na convicção de não serem lesados direitos de outrem e na convicção de serem proprietários das referidas frações.
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GG faleceu em 24-9-13, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros as ora AA., a sua cônjuge LL e as suas filhas HH, casada com CC, e II.
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Encontra-se registada a favor das AA. LL, HH, casada com CC, e II, "em comum e sem determinação de parte ou direito", desde 12-6-15, "por dissolução da comunhão conjugal e sucessão", a aquisição da fração "J", descrita na CRP de VN de Famalicão sob o n° ... - J, sita no r/c, dtº, entrada poente, destinada a comércio, com a área de 138 m2, do "Bloco B" do edifício sito no lugar de ..., afeta ao regime da propriedade horizontal.
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Encontra-se registada a favor dos AA. LL, HH, casada com CC, e II, "em comum e sem determinação de parte ou direito", desde 12-6-15, a aquisição da fração "Q", descrita na CRP de ... sob o n° ... - Q, sita na cave, destinada a...
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